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Cumprir o dever

Por Fernanda Costantino



Recebi, em agosto, a notícia de que seria mesária nas eleições 2012. Fui então até a Zona Eleitoral, onde me receberam com uma alegria descomunal, e descobri que teria o importante cargo de Primeira Secretária. Não fazia ideia do que isso significava. Esclareci mais tarde que a minha função seria ficar em pé na porta conferindo os documentos dos eleitores. Formalidades à parte, o primeiro secretário era um verdadeiro porteiro, ou então, um segurança de porta de boate.






Mesmo depois de uma reunião de treinamento promovida pelo TRE, foi no dia sete de outubro que aprendi realmente como tudo funciona. Na verdade, o trabalho mesmo não era nenhum bicho de sete ou mais cabeças. Era só conferir os documentos do eleitor, colher sua assinatura, destacar o comprovante de eleição e digitar o número do título de eleitor no terminal. O pior estava por vir: passar o resto do dia conferindo documentos, colhendo assinaturas, destacando comprovante e digitando números no terminal. Conferindo documentos, colhendo assinaturas, destacando comprovante e digitando números no terminal.


Às sete horas em ponto, cheguei à seção eleitoral onde iria trabalhar, que ficava no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, em Santa Teresa. Fui a primeira a chegar. Depois de quinze minutos, os outros mesários começaram a aparecer, todos rabugentos e dorminhocos, xingando o fato de terem sido obrigados a levantar da cama. Aparentemente, nenhum mesário voluntário. Os escolhidos pelo governo podiam não estar muito animados, mas antes mesmo de abrir a seção já havia alguns eleitores, idosos na grande maioria, ansiosos para votar, que formavam uma fila na porta da zona.



Apesar disso, o movimento durante o resto do dia não foi tão agitado e a seção terminou com um grande número de faltosos. De 398 eleitores inscritos, em torno de 120 pessoas não compareceram. Grande também foi o número de reclamações durante todo o dia. Muitos criticaram a obrigatoriedade do voto e alegaram que, no Brasil, não há verdadeira democracia, caso contrário, as pessoas poderiam escolher votar ou não. O direito de votar virou um dever. Um querido eleitor perguntou a nós, humildes mesários, quando iríamos acabar com essa obrigação. Bem, se eu pudesse decidir sobre isso seria, na realidade, a Presidente da República.








Tirinha de Andrício de Souza - http://www.andriciodesouza.com/


Embora acredite que a obrigatoriedade estimule o voto sem consciência, esse é um assunto muito delicado. As mesmas pessoas que não possuem consciência política são normalmente humildes e de baixa renda e talvez, se acabar a obrigatoriedade, os interesses delas não sejam mais levados em consideração. O fato de serem obrigados a votar transforma-os em um alvo para o político. É claro que, ideologicamente falando, esse problema não deveria existir e os políticos deviam atender aos pobres não por interesse em votos e sim por dever. É claro também que ainda assim muitos interesses das classes mais baixais ficam verdadeiramente de fora, o que aumenta ainda mais a urgência da situação.







Mesmo com uma campanha mais movimentada para prefeito, com maior engajamento por parte de algumas pessoas, no outro lado existe também a total falta de empolgação pela política. Eram frequentes os que resmungavam algo como “não sei para quê, são todos iguais, nada muda”. Eu tentava adivinhar quem votava nulo (o barulhinho de uma só tecla e o confirma) e não me pareceu pouco. Ao final, os resultados oficiais da eleição confirmaram minhas impressões: aproximadamente 10% de votos nulos e brancos e 20% do total de habitantes se abstiveram. Porcentagens maiores que os candidatos menos votados e as abstenções ultrapassaram o índice do segundo colocado.


O voto, motivo de briga e revoltas, que já gerou campanhas como Diretas Já, símbolo de democracia e liberdade... Esse mesmo voto já não é mais tão cobiçado. Virou uma obrigação chata de domingo. Um casal de franceses que foi visitar a seção eleitoral, no meio de suas férias,  parecia mais empolgado com a eleição brasileira do que muitos eleitores. E olha que lá ninguém é obrigado a votar.

Um comentário:

  1. Excelente texto!Interessante como essa é uma realidade inversa nas redes sociais. Pelo menos entre o meu círculo de amigos, que posso dizer que são da mesma geração que eu (mais ou menos 20 anos), o "dever" do voto é mais bem visto. Eles ainda acreditam no poder da democracia e pregam que o voto consciente é a chave para a construção de um país melhor. O interessante é que por causa desse fenômeno eu sofri críticas quando anunciei que votaria nulo no segundo turno (moro em Niteroi). Eu escolhi tomar essa atitude porque o meu candidato (Flavio Serafini) havia sido eliminado da disputa e eu não acreditava nos dois que permaneceram.Enfim, escrevi esse longo texto só para mostrar como é complexa essa questão do voto. Não importa qual a sua forma de lidar com ele, sua escolha política: sempre haverá alguém para reclamar dela.

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