Por Jéssica Alves
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Além da cicatriz emocional causadapela perda da família na tragédia do Bumba, Paulo carrega a marca de uma cirurgia que fez para retirar um tumor que teve aos 19 anos. “Eu tive um tumor aos 19 anos. Fiquei internado por sete meses. Fiz quimioterapia, perdi cabelo e tudo. Mas hoje estou curado. Para ver como é a vida. Eu brinco que tenho sete, igual a gato. Três já foram”, conta. A outra vida que Paulo gastou foi em um acidente de carro quando voltava para casa, há cerca de um ano atrás, após a tragédia do Bumba. “O caminhão enguiçou, todo apagado, no meio da subida, e eu não consegui parar. Dei uma cacetada, mas estava de cinto. Minha esposa, grávida, estava no carro, mas não sofreu nada, só bateu a cabeça de leve. Acho que ainda não é minha hora mesmo. Tenho muita coisa para resolver ainda”.
Segundo o jovem, as pizzas entraram na vida da família após o pai, Paulo Sérgio Affonso, perder o emprego em 1996. Depois de assistir a uma receita em um programa de TV, o pai e a mãe de Paulo começaram a fazer mini pizzas para serem vendidas na barraca no Campo de São Bento, em Icaraí, nos finais de semana. O pai de Paulo batizou o empreendimento de Piccola Italia. De acordo com o jovem, a ideia de ampliar o empreendimento e construir a pizzaria delivery no Bumba surgiu depois que ele foi presenteado com uma moto por ter passado no vestibular. No ano da tragédia, o negócio havia completado quatro anos.
Paulo Roberto por pouco não esteve entre as 267 vítimas do desastre. A família de Paulo tinha a pizzaria e também morava no morro do Bumba. Na hora do deslizamento, todos estavam na pizzaria, mas Paulo tinha saído para fazer uma entrega – o que não costumava fazer. Paulo Roberto lembra que havia pedido ao irmão para fazer a entrega, só que ele não quis. “Foi Deus mesmo que botou esta entrega na minha frente. Ainda mandei meu irmão no meu lugar, e ele não quis ir. Não estava nem chovendo naquela hora. Ainda acho que a tragédia foi consequência da chuva do dia anterior”, lembra.
De acordo com o jovem pizzaiolo, no dia anterior ao deslizamento, o Corpo de Bombeiros havia passado pelo local, mas ninguém foi avisado que o morro corria risco de desabar. A família de Paulo morava no Bumba há 18 anos e, apesar de saber que ali tinha sido um lixão, não imaginava o risco que corria. “O corpo de bombeiros ainda esteve lá naquele dia, à tarde. Mas por que eles não avisaram do risco? Eles deveriam ter experiência. Disseram que a prefeitura nos avisou, o que é uma mentira! Não mandaram ninguém se retirar, como saiu no jornal”, afirma.
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Ao retornar da entrega, Paulo só encontrou lama e escombros. “Quando eu voltei, já não tinha mais nada. Eu saí com R$ 50, a moto e a roupa do corpo. Foi só o que restou”. E com os cinquenta reais, o pizzaiolo foi para a casa da avó fazer as pizzas e começar tudo de novo. Por sorte, a esposa de Paulo, Bruna de Araújo, que estava grávida do primeiro filho do casal, não estava no morro na hora do deslizamento, mas também perdeu o pai na tragédia. Com a ajuda dos amigos e da família, Paulo conseguiu reerguer a Piccola e, depois de um ano, foi morar com a esposa e o filho Pablo no apartamento cedido pela prefeitura, em Várzea das Moças. Mas a sua família ainda tem que lidar com as injustiças e descasos que envolvem a moradia e o aluguel social, que deveriam ser direitos de quem passa por essa situação, mas não é o que acontece.
Segundo Paulo, além de não receber o aluguel social, já que nesses casos o indivíduo tem que optar pela moradia ou pelo aluguel, ele e muitos outros têm que pagar condomínio e IPTU. Além disso, a família ainda precisa lidar com a má fé de alguns moradores que recebem injustamente mais de um auxílio. “Alguns moradores se aproveitaram da desgraça e agora recebem um aluguel. Tem um casal que recebe cada um R$ 400, além do apartamento. Mas isso deve ser denunciado. O aluguel deveria ser só para quem não recebeu moradia.” E as reclamações não param por aí. “É um prédio de três blocos com quatro andares e oito apartamentos por andar. Com escada. Eu moro no segundo andar, ainda bem. Mas o pessoal não tem respeito: as paredes são pichadas, é tudo mal conservado”.
Para lidar com as conseqüências da tragédia, o jovem se apoia no sucesso de suas pizzas em Niterói. Já eram famosas no Campo de São Bento mas, segundo Paulo, as vendas triplicaram após a ida ao Programa Mais Você. O rapaz conta que uma amiga enviou uma carta para o programa contando a sua história, desde o dia em que perdeu praticamente tudo no desastre até a surpreendente retomada ao trabalho. Paulo segue com os negócios da família, com a barraca da Piccola Italia há 16 anos no Campo de São Bento e com a Piccola Italia Delivery, no bairro do Cubango. Para ele, o segredo está na dedicação. Conhece de cor os nomes, preferências e endereços de seus fiéis clientes. O jovem pizzaiolo já conseguiu, com o retorno das vendas e com a ajuda de amigos e clientes, comprar todo o equipamento necessário para a produção dos seis tipos de massa que faz com todo cuidado. “Na massa apenas eu toco. Ninguém se mete não!”, diverte-se.
Paulo vive na companhia da esposa Bruna de Araújo, do filho Pablo de dois anos e da pequena Sônia, de 7 meses. Com o nome do filho tatuado no braço, segue batalhando todos os dias com a força que o passado lhe deu para viver feliz as quatro vidas que restam.
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