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"Eu brinco que tenho sete, igual a gato. Três já foram”

Paulo Roberto Affonso, um jovem de apenas 23 anos, perdeu tudo no  deslizamento do morro do Bumba, ocorrido em abril de 2010 em Niterói. Mas  quem vê o sorriso no rosto e a simpatia na hora de atender os clientes da  Pizzaria Piccola, aos finais de semana em uma barraquinha no Campo de São  Bento e os pedidos da pizzaria delivery, não imagina o sofrimento que o jovem já passou.

Por Jéssica Alves




[caption id="attachment_523" align="aligncenter" width="470"]Foto Jéssica Alves Foto Jéssica Alves[/caption]

Além da cicatriz emocional causadapela perda da família na tragédia do Bumba,  Paulo carrega a marca de uma cirurgia que fez para retirar um tumor  que teve aos 19 anos. “Eu tive um tumor aos 19 anos. Fiquei internado por sete  meses. Fiz quimioterapia, perdi cabelo e tudo. Mas hoje estou curado. Para ver  como é a vida. Eu brinco que tenho sete, igual a gato. Três já foram”, conta. A  outra vida que Paulo gastou foi em um acidente de carro quando voltava para casa, há cerca de um ano atrás, após a tragédia do Bumba. “O caminhão enguiçou, todo apagado, no meio da subida, e eu não consegui parar. Dei uma cacetada, mas estava de cinto. Minha esposa, grávida, estava no carro, mas não sofreu nada, só bateu a cabeça de leve. Acho que ainda não é minha hora  mesmo. Tenho muita coisa para resolver ainda”.

Segundo o jovem, as pizzas entraram na vida da família após o pai, Paulo Sérgio  Affonso, perder o emprego em 1996. Depois de assistir a uma receita em um  programa de TV, o pai e a mãe de Paulo começaram a fazer mini pizzas para  serem vendidas na barraca no Campo de São Bento, em Icaraí, nos finais de  semana. O pai de Paulo batizou o empreendimento de Piccola Italia. De acordo com o jovem, a ideia de ampliar o empreendimento e construir a pizzaria  delivery no Bumba surgiu depois que ele foi presenteado com uma moto por ter passado no vestibular. No ano da tragédia, o negócio havia completado  quatro anos.

Paulo Roberto por pouco não esteve entre as 267 vítimas do desastre. A família de Paulo tinha a pizzaria e também morava no morro do Bumba. Na hora do deslizamento, todos estavam na pizzaria, mas Paulo tinha saído para fazer uma  entrega – o que não costumava fazer. Paulo Roberto lembra que havia pedido  ao irmão para fazer a entrega, só que ele não quis. “Foi Deus mesmo que botou  esta entrega na minha frente. Ainda mandei meu irmão no meu lugar, e ele não  quis ir. Não estava nem chovendo naquela hora. Ainda acho que a tragédia foi consequência da chuva do dia anterior”, lembra.

De acordo com o jovem pizzaiolo, no dia anterior ao deslizamento, o Corpo de  Bombeiros havia passado pelo local, mas ninguém foi avisado que o morro  corria risco de desabar. A família de Paulo morava no Bumba há 18 anos e,  apesar de saber que ali tinha sido um lixão, não imaginava o risco que corria. “O corpo de bombeiros ainda esteve lá naquele dia, à tarde. Mas por que eles  não avisaram do risco? Eles deveriam ter experiência. Disseram que a  prefeitura nos avisou, o que é uma mentira! Não mandaram ninguém se retirar,  como saiu no jornal”, afirma.

[caption id="attachment_524" align="alignleft" width="282"]Foto Jéssica Alves Foto Jéssica Alves[/caption]

Ao retornar da entrega, Paulo só encontrou lama e escombros. “Quando eu  voltei, já não tinha mais nada. Eu saí com R$ 50, a moto e a roupa do corpo. Foi  só o que restou”. E com os cinquenta reais, o pizzaiolo foi para a casa da  avó fazer as pizzas e começar tudo de novo. Por sorte, a esposa de Paulo, Bruna  de Araújo, que estava grávida do primeiro filho do casal, não estava no morro na hora do deslizamento, mas também perdeu o pai na tragédia. Com a ajuda dos amigos e da família, Paulo conseguiu reerguer a Piccola e, depois de um  ano, foi morar com a esposa e o filho Pablo no apartamento cedido pela  prefeitura, em Várzea das Moças. Mas a sua família ainda tem que lidar com as  injustiças e descasos que envolvem a moradia e o aluguel social, que deveriam  ser direitos de quem passa por essa situação, mas não é o que acontece.

Segundo Paulo, além de não receber o aluguel social, já que nesses casos o indivíduo tem que optar pela moradia ou pelo aluguel, ele e muitos outros têm  que pagar condomínio e IPTU. Além disso, a família ainda precisa lidar com a  má fé de alguns moradores que recebem injustamente mais de um auxílio.  “Alguns moradores se aproveitaram da desgraça e agora recebem um aluguel.  Tem um casal que recebe cada um R$ 400, além do apartamento. Mas isso  deve ser denunciado. O aluguel deveria ser só para quem não recebeu  moradia.” E as reclamações não param por aí. “É um prédio de três blocos com  quatro andares e oito apartamentos por andar. Com escada. Eu moro no  segundo andar, ainda bem. Mas o pessoal não tem respeito: as paredes são  pichadas, é tudo mal conservado”.

Para lidar com as conseqüências da tragédia, o jovem se apoia no sucesso de  suas pizzas em Niterói. Já eram famosas no Campo de São Bento mas, segundo  Paulo, as vendas triplicaram após a ida ao Programa Mais Você. O rapaz conta  que uma amiga enviou uma carta para o programa contando a sua história, desde o dia em que perdeu praticamente tudo no desastre até a surpreendente retomada ao trabalho. Paulo segue com os negócios da família, com a barraca  da Piccola Italia há 16 anos no Campo de São Bento e com a Piccola Italia  Delivery, no bairro do Cubango. Para ele, o segredo está na dedicação. Conhece de cor os nomes, preferências e endereços de seus fiéis clientes. O jovem  pizzaiolo já conseguiu, com o retorno das vendas e com a ajuda de amigos e  clientes, comprar todo o equipamento necessário para a produção dos seis  tipos de massa que faz com todo cuidado. “Na massa apenas eu toco. Ninguém  se mete não!”, diverte-se.

Paulo vive na companhia da esposa Bruna de Araújo, do filho Pablo de dois anos e da pequena Sônia, de 7 meses. Com o nome do filho tatuado no braço,  segue batalhando todos os dias com a força que o passado lhe deu para viver  feliz as quatro vidas que restam.

[caption id="attachment_525" align="aligncenter" width="470"]Foto Jéssica Alves Foto Jéssica Alves[/caption]

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