Universo indígena é tema de filmes
Por Gustavo Cunha
Em uma aldeia do grupo kuikuro, uma equipe de cineastas é barrada por indígenas que exclamam: “Não queremos que nos filmem!”. Para que usem suas imagens, pedem em troca um barco e um motor. A cena está no documentário ‘O Coração do Brasil’, de Daniel Santiago, que estreou hoje nos cinemas, em homenagem ao Dia do Índio. “Escolhemos manter essa parte em que os índios nos questionam, pois é uma forma de mostrar que, sim, é preciso combinar previamente para entrar nas aldeias do Xingu”, afirmou o diretor, que providenciou com bastante antecedência a autorização necessária para a entrada na área de reserva ambiental.
O documentário comemora os 50 anos da expedição dos irmãos Villas-Bôas - que desbravou áreas então desconhecidas no território brasileiro, e que foi retratada no ano passado pelas lentes de Cao Hamburger, em ‘Xingu’. Sérgio Vahia de Abreu, Adrian Cowell e o cacique Raoni, três participantes da viagem original, refazem a mesma trajetória, descobrindo pelo caminho culturas completamente transformadas pelo tempo. “O filme se constrói a partir de três olhares bastante distintos. O Sérgio [que teve a ideia do filme depois de sonhar que voltava ao Xingu] é a pessoa que vem do Rio, com aquele sentimento nostálgico - já que frequentava o Xingu desde jovem, com o pai. O Adrian é o olhar externo, que vem da Inglaterra. E o Raoni é a própria visão interna, de quem faz parte daquela realidade", explicou o diretor.
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As filmagens no meio da mata não foram nada fáceis. A equipe de 25 pessoas chegou a caminhar 18 quilômetros em seis dias, entre os empecilhos da floresta. Mas as dificuldades geraram um bom resultado, definido nas palavras de Daniel: “Acho o filme propício para chamar atenção para a luta dos povos indígenas. É um registro importante que traz temas atuais, relacionados a essa questão da disputa por terras”.
Índio é diretor de cinema
Em maio, outra produção cinematográfica chega às salas de cinema para lançar luz a elementos do universo indígena. A novidade está no fato de um dos diretores ser índio. Ao lado do antropólogo Carlos Fausto e do cineasta Leonardo Sette, Takumã Kuikuro - coincidentemente do mesmo grupo kuikuro que se revoltou com a equipe de Daniel Santiago - dirigiu ‘As Hiper Mulheres’, que exibe a histórica tradição oral da tribo, filmado apenas por indígenas. O longa tem sessão especial de pré-estreia amanhã (20/04), às 20h, no Instituto Moreira Salles. A história gira em torno de um homem que, temendo a morte da esposa idosa, pede que o sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu, para que ela possa cantar uma última vez. As mulheres do grupo começam os ensaios, enquanto a única cantora que de fato sabe todas as músicas se encontra gravemente doente.
“Com o filme, a população começou a entender a importância do registro visual, para além das tradições orais - que acabam se perdendo, com o tempo”, afirmou Takumã pelo telefone, com a voz sob o barulho ruidoso do automóvel que o levava para a tribo dentro da floresta, no Mato Grosso. O interesse pelo cinema começou em 2002, depois de participar de uma oficina com o grupo ‘Vídeo nas Aldeias’ - que estimula e capacita a produção audiovisual indígena. Em 2011, o filme arrematou os prêmios Especial do Júri e de Melhor Montagem no Festival de Gramado, quando ainda não havia distinções entre produções ficcionais e documentários.
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“O filme foi feito sempre em diálogo constante com a população indígena”, afirmou Carlos Fausto, que acompanhou todas as oficinas. "O filme é justamente resultado dessa conjunção de pessoas várias. Eu não poderia fazer o filme sem os Kuikuro, assim como os Kuikuro não poderiam fazer o filme sem mim", explicou. “A Amazônia é uma área desconhecida para a sociedade em geral, e mitificada para a população do Amazonas. Precisamos romper essa imagem”.
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