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Contra a corrente

Por Priscilla Peres Mondo


Li com indignação a matéria de um tradicional jornal que questionava o porquê do envolvimento de jovens universitários nos movimentos de protesto contra o aumento das tarifas de ônibus, já que esses, segundo o veículo, nem mesmo o utilizam. Além de representar um discurso que anula o ato solidário de se lutar pela causa do próximo, me perguntei se o tal jornalista que escrevera a matéria vivia no mesmo país que eu vivo,  pois como estudante universitária de classe média, assim como a maior parte dos meus amigos, sou obrigada a conviver diariamente com a precariedade e o alto custo dos transportes públicos.


Ao longo dos meses de maio e junho, foi possível acompanhar a evolução dos protestos que acabaram por ocupar as principais manchetes de veículos nacionais, obtendo destaque também na mídia internacional.  Manifestações que ganharam as ruas graças ao poder das redes sociais, que conseguiram transpor a barreira virtual, levando milhares de pessoas por todo o país a se mobilizarem.



9259070578_d0c46764b3_z Foto: Mayara Mariani Machado

Enquanto isso, nas mídias tradicionais,  que pareciam não conhecer a realidade do país em que atuam, fomos obrigados a nos deparar com um Jabor questionando "Mas afinal, o que provoca um ódio tão violento contra a cidade?". A repercussão levou o jornalista a ser alvo de uma grande quantidade de críticas, e a se retratar posteriormente. Foi possível observar com clareza que a alienação não era mais exclusividade dos jovens. Tais meios tradicionais de comunicação iniciaram uma cobertura tímida, enquanto as mídias alternativas repercutiam em tempo real os movimentos, as reivindicações e os abusos cometidos pela força policial que se alastraram por todo país.


O movimento Passe livre que há oito anos tem como reivindicação um transporte público gratuito e de qualidade, iniciou protestos contra o aumento das tarifas de ônibus no mês de maio na cidade de São Paulo. Não demorou para inspirar movimentos em outras capitais brasileiras, que se desdobraram em diferentes pautas, expondo uma insatisfação da população contra o poder público que ia muito além do aumento de passagens. A adesão de diferentes grupos fez aumentar a massa nas ruas, no entanto, foi o fato ocorrido no dia 13/06 que marcou uma mudança de atitude da mídia tradicional na cobertura dos eventos. A truculência policial que atingiu os jornalistas da Folha de S. Paulo ganhou destaque não apenas no próprio veículo, mas também em sites como o do jornal O Globo.


Conforme o movimento foi ganhando corpo e proporcionando cenas mais violentas, características de qualquer manifestação que envolve multidões, iniciou-se, então, uma receita editorial repetida por diferentes veículos: iniciava-se falando sobre um histórico movimento pacífico e democrático da nação brasileira, para então dedicar maior parte da matéria aos atos de "vandalismo" que não representavam o movimento. Mas, por que não representariam o movimento? Por que essas ações deveriam deslegitimar o movimento? Claro que algumas ações são injustificadas, como quebrar um ônibus com passageiros ainda dentro, no entanto, o que pode ser mais representativo em um movimento de revolta do que a depredação da Assembleia Legislativa do Estado, ou de uma agência bancária? Caracterizar essas ações como puro ato de vandalismo é empobrecer a discussão e a reflexão sobre os acontecimentos. É esvaziar o movimento, caracterizando-o como uma grande e feliz confraternização da nossa democrática nação brasileira.

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