Por Cesar Menéndez Presencio*
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A onda de protestos que agora vive o Brasil tem muitas semelhanças com os vividos na Espanha no ano 2011, quando surgiu o movimento Indignado. Mas também tem diferenças importantes, como a reação do Governo.
Tudo começou num domingo, 15 de maio. Uma multidão de 20 mil pessoas foi ao centro de Madri, num protesto convocado pelas redes sociais, cansadas da situação no país. Motivos para o protesto tinham demais: situação econômica precária, aumento do desemprego, do custo de vida, de impostos e uma situação política insustentável. A causa da corrupção: uma lei eleitoral irregular e injusta.
A Espanha não precisava de 20 centavos para sacudir as ruas. Apenas precisava de uns poucos ousados, que tomaram a iniciativa.
A convocatória, como aconteceu no Brasil, foi feita por cidadãos e pequenas associações organizadas através das redes sociais (a principal tem o nome de Democracia real, Ya!), sem o apoio dos partidos políticos ou sindicatos.
Mas eram poucas vozes numa cidade acostumada a manifestações com mais de um milhão de pessoas. Depois desse primeiro protesto, mediante uma assembleia - método de participação muito usado para tomar as decisões durante o período - decidiram fazer uma acampada na cêntrica Porta do Sol, praça turística, perto da Gran Via, e onde encontra- se a sede do governo da Comunidade de Madri.
Foi lá que entre 150 e 250 jovens decidiram passar a noite. Mas, durante a madrugada, a polícia atuou, produzindo-se diferentes altercações no centro da cidade. Depois de uma atuação violenta para dissolver o acampamento, o movimento tomou força, reivindicando seu espírito pacífico.
Segunda feira (16). Começava uma semana importante, porque, no domingo seguinte, 22 de maio, celebravam-se eleições municipais. Os principais jornais começavam a levar a sério o movimento, e mais pessoas foram para a Praça Porta do Sol mostrar sua adesão ao movimento. Não eram mais só os jovens. Havia gente de todas as idades. Não eram só as principais cidades de Espanha (Madri, Barcelona, Valencia), mas também pequenas cidades com menos costume da ir para a rua. É possível que ainda não soubessem muito bem o que acontecia e o que iria acontecer. É possível que não conseguissem explicar por que eles estavam na rua (argumento muito usado pela direita e as mídias afins para deslegitimar o movimento), mas sabiam que algo deveria mudar. Que o sistema não funcionava. Precisava de um "reboot". E por isso, cada dia, mais e mais pessoas concentravam-se na Porta do Sol. Às 20h, a praça estava lotada, conseguindo demonstrar não apenas uma vontade de mudança, senão também um espírito totalmente pacifista.
A famosa acampada, que foi capa do “The New York Times” e “The Washington Post” - enquanto os jornais espanhóis falavam contra e sem dar importância ao movimento - foi retirada de maneira pacífica no dia 12 de junho daquele mesmo ano. Mas os protestos ainda continuam acontecendo, de diferentes formas e com diferentes motivos (como talvez aconteça no Brasil, quando a febre inicial acabar e seja preciso uma organização melhor, mais efetiva). Por exemplo, uma das mais importantes organizações, que ajuda e protege as vítimas dos abusos bancários cometidos durante a época de crescimento econômico, é a PAH (Plataforma de Afectados por la Hipoteca), e foi agraciada com o prêmio “Ciudadano Europeo”, dado todos os anos pelo Parlamento Europeu.
A situação vivida, há dois anos, é muito similar a esse ‘acordar brasileiro’, essa sensação de que o Governo passou tempo demais sem preocupar-se com a verdadeira situação do pais.
A Espanha tem uma cultura muito estendida de ‘ir para a rua’ por diversos motivos. De acordo com os dados apresentados pela delegação do Governo, 3.419 protestos foram realizados no ano de 2012, apenas em Madri. Por enquanto, aqui no Brasil, os protestos do mês de junho são descritos como “históricos”, e a imprensa de todo o mundo analisa o fenômeno, com um interesse ainda maior por conta de o Brasil ter se tornado o país da moda e anfitrião de diversos eventos mundiais até 2016, como a celebração das Olimpíadas (como curiosidade, vale lembrar que Rio de Janeiro e Madri competiram diretamente pela sede dos Jogos).
Talvez a união desses dois fatos - um movimento desconhecido até agora no Brasil, e o fato de que os holofotes estejam sobre o país – ajudem a entender por que as reações políticas – as importantes, porque se espera uma reação dos líderes do Governo no sentido de que façam as mudanças necessárias - foram bem diferentes neste lado do oceano.
O Brasil foi ouvido. Em menos de um mês de protestos, os manifestantes conseguiram baixar os vinte centavos e derrubar a PEC 37.
Na Espanha, o objetivo era o de conseguir uma democracia mais participativa e transparente. Espanha era o único país europeu com mais de um milhão de habitantes que ainda não tinha uma Lei de Transparência. Com a reforma da Lei Eleitoral, teve que mudar. Agora, o objetivo é manter. Manter os serviços públicos de qualidade e o estado do bem-estar que o país construiu. E impedir que cidadãos continuem a sofrer uma crise agravada pelas diretrizes impostas por Europa. Algo bem difícil, com uma taxa de desemprego de quase 27% e que no caso da população mais jovem ultrapassa os 50%.
Definitivamente, agora o negócio já não é exigir. É manter.
Uma reação política diferente
Sem entrar num juízo de valor sobre as tendências políticas, e sabendo que ainda é cedo para saber o que vai acontecer com as propostas feitas pela presidenta Dilma Roussef, é importante destacar sua fala para toda a nação, fazendo uma série de propostas para a reforma do sistema político e para melhorar os serviços básicos, como educação e saúde.
Na Espanha, o presidente não falou para o povo em momento nenhum. Apesar de mais de 320 cidades espanholas protestarem durante toda a semana, e os diferentes movimentos apresentarem diferentes propostas para debater.
Em 2011, o presidente era Jose Luis Rodriguez Zapatero, do Partido Socialista. Ele falou em 16 de maio de 2011: “Deve-se ouvir suas reivindicações. É uma expressão democrática, deve ser escutada. Aconteceu em vários países europeus, devido à crise, com reivindicações de moradia, de emprego..."
Mais adiante, faria uma chamada ao voto (o movimento surgiu em plena campanha eleitoral) dizendo que a única maneira de mudar era através dele. Em momento nenhum, o Governo incorporou à sua agenda alguma das reivindicações feitas pelos “Indignados”. E as poucas que conseguiram ser debatidas no Congresso não tiveram o sucesso necessário.
Por outro lado, a direita foi quem tentou criminalizar o movimento. Esteban González Pons, do Partido Popular, declarou: “'Democracia Real Ya' representa duas coisas: uma geração de jovens sem expectativas e a esquerda radical anti-sistema”.
Dividir para continuar
Uma das dúvidas que muitos dos participantes dos protestos brasileiros têm é: qual o próximo passo? De fato, é impossível manter dois protestos por semana.
É preciso organizar-se, dividir as ações em diversos movimentos que lutem pelas principais reivindicações.
Na Espanha, o movimento do 15-M teve várias divisões, mas todas relacionadas de certa maneira. Uma das divisões foi através dos bairros, celebrando-se assembleias a nível hiper-local, onde se debatia e decidia as diversas ações que se podiam fazer.
Outra das divisões foi por interesses a defender, que receberam o nome de “mareas”. Cada marea tem uma cor distintiva, de acordo com o grupo. Assim, a ‘marea verde’ é a marea que se encarrega dos assuntos de educação, a ‘marea branca’, em defesa da saúde pública, a ‘marea laranja’, contra os cortes em serviços sociais, e assim, até completar onze mareas diferentes.
Porém, os diferentes movimentos foram criados de maneira transversal, de forma que os interesses estão representados por diferentes mareas e os diálogos e a comunicação podem se dar através das organizações criadas nos distintos bairros. Outras associações, que participam em diversos atos, também existem, como os “Iaiofalutas”, formado por aposentados, avós e avôs que viveram uma ditadura, o que significa que sabem o que é sofrer a carência de liberdades e recursos.
É obvio que com o passar do tempo, o movimento 15-M perdeu força, sim. Mas era impossível que não fosse assim. Um movimento desse tipo não pode ficar sempre com o mesmo poder. Mas eu acho que, dentro da dificuldade em manter e propor alguma coisa com toda essa energia espontânea, conseguiu fazer diversos movimentos que permitiram continuar com os protestos, talvez com menos pessoas, mas com a mesma vontade de troca, mantendo presença na imprensa e fazendo o público pensar sobre os abusos do sistema.
Poderíamos, também, analisar as semelhanças entre as manifestações brasileiras e os diferentes protestos no mundo árabe, porque eles também existem. Mas há uma diferença muito importante entre as reivindicações lá e aqui: eles lutam por uma democracia e liberdade que ainda não conquistaram.
Ainda é cedo para saber o que vai acontecer aqui no Brasil. É preciso esperar, assistir como o movimento continuará. Como vai se organizar. E, sobretudo, se aproveitará o próximo evento mundial, a Jornada Mundial da Juventude, que terá o Papa Francisco como protagonista, para demonstrar seu descontentamento na rua, e sublinhar que esses vinte centavos foram apenas o que incendiou os ânimos dos brasileiros, e que o sistema precisa de uma verdadeira mudança, mais justa para todos. E, por último, comprovar se todas as reclamações feitas pelo país, todas essas mudanças que devem ser feitas e que foram reconhecidas pela própria presidenta, serão verdadeiramente discutidas e aprovadas. Ou se vai acontecer como na Espanha, onde o Governo não teve vontade nenhuma de escutar a voz clara e forte dos espanhóis, quando reclamavam não contra o sistema, senão por um sistema melhor.
* Cesar Menéndez Presencio é aluno da Universidad de Madrid e faz intercâmbio na Universidade Federal Fluminen, em Niterói
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