
Por Jefferson Júnior, Lucas Bueno, Bruno Roncada e Matheus Lopes
Clube de Regatas. De Futebol e Regatas. Três dos grandes clubes de futebol do Rio de Janeiro têm em suas origens alguma ligação com o remo, um esporte hoje ignorado pela grande mídia. Apesar disso, o remo tem uma história antiga no desporto carioca, fazendo parte da cultura da cidade e do Brasil.
O esporte chegou ao país ainda no fim do século XIX. Há relatos da primeira disputa de remo entre os barcos Lambe-lambe e Cabocla, que eram usados para buscar passageiros que não ancoravam no Porto do Rio. Isso mobilizava a imprensa e a cidade. Também há registros de regatas realizadas entre a Marinha brasileira e outras marinhas nesse período. Assim, os jovens começaram a ter contato com este esporte.
O Brasil saiu de seu regime escravocrata no ano de 1888, e por isso o esporte era inicialmente ligado à elite, até por um pensamento de distinção daqueles que praticam o esporte como sendo a aristocracia pensante do país. Isso surgia como parte de um pensamento classicista, baseado no entendimento grego de que os trabalhos braçais pertencem aos escravos e aos pensadores cabe o esporte.
Durante esse período inicial já se falava de grupos que praticavam o remo. Esses grupos acabaram por ligar-se aos bairros de onde provinham e assim foram formulando uma relação de clubes com os locais onde disputavam. Não demorou muito para que agremiações esportivas se formassem em torno do nome de bairros, tais quais Flamengo e Botafogo, ou as origens do Vasco, que também é representado por grupos de bairros, mas, em se tratando de portugueses, decidiram homenagear o navegador. O remo se tornou, durante esta época, um esporte organizado, o primeiro a ter algum tipo de organização formal no país.
O esporte era muito querido no início do século XX. Uma das maiores provas disso é a intervenção que o esporte teve na própria cultura do futebol, esporte que chegava ao país nesse período. O futebol tem como seu horário nobre as tardes, porque no passado decidiu-se que ele não deveria competir com o remo, que sempre enchia o estádio. Hoje, o futebol mantém a cultura que criou por interferência do remo.
Isso até suscita questionamentos sobre o valor e a importância do futebol para o esporte. No passado, era comum o Estádio de Remo estar lotado pela manhã, e parte deste público partir para o Maracanã para ver o futebol durante a tarde. O presidente da federação de Remo do estado do Rio de Janeiro (Frerj), Paulo Roberto de Carvalho, observa: “Eu acho que o futebol tem uma gratidão muito grande com o remo, tanto que os clubes não podem extinguir o esporte, por reconhecerem que o futebol “saiu” do remo”.
Nas décadas de 1920 e, principalmente, de 1930, ocorreu a transferência do remo para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Antes, as regatas eram realizadas no Pavilhão de Regatas, localizado na praia de Botafogo. A transferência se deu em função dos aterros que ocorriam naquele período, inclusive em Botafogo. Esse período caracteriza o fim de um das melhores fases do remo.
Após as duas Grandes Guerras, novas ideias sobre esporte começaram a chegar ao Brasil. Rafael Barberena, professor de Educação Física da UFRJ, estudioso e ex-praticante do remo, observa que as elites no pós-guerra foram se retirando do remo. Ele afirma que as discussões chegadas da Europa foram desfazendo o conceito anteriormente comum de um esporte próprio a um determinado grupo elitizado e “superior intelectualmente”. Apesar disso, essas elites deram uma última contribuição para o remo carioca: o Estádio de Remo da Lagoa, construído em 1951. “A elite já se retirava desde a Segunda Guerra Mundial, nesse hiato pequeno, constrói um estádio moderno. E os clubes de regatas, nos seus braços e pernas, vêm com muito já da classe trabalhadora”, conta o professor.
Uma boa expressão para definir a relação do esporte com os clubes de futebol é “campeão da terra e do mar”, sendo a terra usada para caracterizar o futebol. O título seria usado pelo clube que conseguisse levantar o campeonato carioca nas duas modalidades esportivas. Este ano, o Botafogo pode obter o título, por já ter vencido o campeonato de futebol e ter boas chances na competição de remo.
Apesar de muito querido, o esporte, claramente, teve um queda de público e importância no cenário brasileiro. Apesar de observar que o público já vinha diminuindo desde antes, Rafael Barbarena narra um episódio que teria sido um triste estopim para a desvalorização do remo: “No ano de 1971, o Vasco da Gama, por um problema havido numa regata, se retirou do campeonato. Com isso, houve um esvaziamento. Até então, havia grupos, músicos que tocavam. A charanga tocava e a torcida vinha junto. Quando o Vasco volta, as charangas não voltam”.
Quanto às razões para a saída do Vasco, Barbarena relata que se deu em função de uma regata agendada que seria disputada entre os dois melhores remadores de Flamengo e Vasco, por também se tratarem dos dois melhores do Brasil. O remador vascaíno se atrasou e a regata foi iniciada sem ele. Os dirigentes do Vasco se retiraram do campeonato por considerarem-se injustiçados.
Ouça trechos da entrevista do professor Rafael Barberena:
- Rafael Barberena, professor da UFRJ, estudioso e ex-atleta do remo, explica como o remo era ainda mais elitzado no seu princípio no Brasil e como essa elite foi deixando o esporte.
- Rafael Barberena dá sua visão de como o remo acabou perdendo espaço no cenário esportivo carioca.
- O professor Barberena opina sobre as recentes reformas feitas no Estádio de Remo da Lagoa.
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Como relatado por Rafael, as charangas não voltaram ao esporte, assim também o público não voltou a ser do mesmo tamanho que antes. Assim, o remo enfrentou décadas de domínio do Flamengo, mesmo com o retorno do Vasco na segunda metade da década de 1970. Na década de 1990 o esporte viu uma melhora, mas não era comparável ao cenário anterior. O século XXI tem mantido a situação parecida, mas há esperanças de uma renovação, principalmente por influência das Olimpíadas.
Outro evento que mobilizou o remo nesse período foram os jogos Pan-Americanos. O estádio de Remo recebeu até uma reforma, onde sua arquibancada foi posta alguns centímetros acima, com a criação de uma área de alimentação e cinemas para a utilização do público, mas nem todos concordam com as mudanças. Rafael Barbarena diz que parte da identidade única do estádio se perdeu com as mudanças no espaço, que passou a ser parte de um complexo chamado Lagoon: “Vem a Olimpíada de 2016. O que é mais interessante eu apresentar para o mundo? Restaurante, cinema? Ou apresentar uma arquitetura, o único estádio do mundo com essa magnitude de ser uma obra de arte modernista?”
Confira também a galeria de fotos:
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