Por Bruno Roncada
O ano era 1492. Foi nesta data que a expedição comandada por Cristóvão Colombo aportou em terras americanas. Os espanhóis chegavam às Bahamas pensando ter alcançado as Índias. A princípio não encontrariam aqui as famosas especiarias que tanto buscavam. Achariam, no entanto, bens muito mais valiosos. A partir daí, tem-se início o processo de descobrimento/colonização/usurpação da América Latina. O termo apropriado fica a critério de quem conta a história.
Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, nos ajuda a escolher a expressão que mais condiz com a verdade para a maioria dos povos latino-americanos. Em sua obra “As Veias Abertas da América Latina”, o autor conta de forma única a história de dominação a qual foram submetidos os latino-americanos ao longo dos séculos. Galeano mistura relatos puramente jornalísticos, frutos de anos de pesquisa e viagens pelos países da região, com uma pitada de romance. O resultado é um livro factual, extremamente informativo e de linguagem clara.
A viagem começa no desembarque de Colombo no continente e vai até 1971, ano em que a obra foi publicada. Durante esses cinco séculos, a história da América Latina é pautada pela dominação de agentes estrangeiros, tendo estes diferentes nacionalidades ao longo dos tempos. Por infelicidade, a “sorte” latino-americana, no que diz respeito à abundância em recursos naturais, transforma-se em seu maior azar. A grande quantidade de recursos só atrai o interesse europeu e, posteriormente, norte-americano, impulsionados pela ajuda de uma apática oligarquia latino-americana.
Açúcar, café e algodão tiveram seus ciclos, todos favoráveis e regidos pelo interesse europeu, em especial da Inglaterra. A prata na América espanhola e o ouro no Brasil possibilitaram grandes negócios no Velho Continente, fornecendo inclusive os subsídios necessários à Revolução Industrial. As riquezas que supostamente pertenciam aos países colonizadores, Portugal e Espanha, apenas respingavam na Península Ibérica. Seu destino final era a coroa inglesa.
Ferro, estanho e cobre também tornaram as minas e solos latino-americanos alvos muito cobiçados. Até a merda representou motivo para exploração. O guano, proveniente dos excrementos de gaivotas depositados na costa pacífica, mais precisamente no Peru, serviu como adubo para os já desgastados solos europeus. O produto, em conjunto com o salitre, afastou o problema da fome naquele continente. Posteriormente, a descoberta de fertilizantes químicos na Europa significou o fim da importação desses produtos latino-americanos, ocasionando um rombo na economia dos países produtores.
E é óbvio que a exportação de recursos naturais não se convertia em riqueza para a esmagadora maioria da população trabalhadora latino-americana. O capital europeu se aproveitava da mão de obra barata para adquirir, por preços bastante convenientes, os produtos de seu interesse. Essa lógica em nada mudou após o processo de independência das colônias. Muito pelo contrário. A Inglaterra inclusive apoiou tal movimento. Galeano cita em Veias Abertas George Canning, representante do Império britânico e dono da célebre frase: “A América Espanhola é livre; e se nós não desgovernarmos tristemente nossos assuntos, é inglesa”. A coroa tinha na região um ávido mercado para seus produtos, em especial seus tecidos.
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O grande problema latino-americano sempre foi a questão agrária. As terras, sempre concentradas nas mãos de uma oligarquia, significavam a manutenção da riqueza nas mãos de uma pequena burguesia. Existiram lutas que iam na contra-mão dessa tendência. Todas, no entanto, tiveram voo baixo. José Artigas foi um dos que tentaram, mas acabou traído no Uruguai.
Enquanto os trabalhadores padeciam, as oligarquias davam início ao processo de industrialização dos países da região. Nada que tenha significado uma melhoria nas condições de vida da população. A América Latina continuou subserviente aos interesses europeus. Os projetos de defesa de uma indústria nacional foram esmagados. Lucas Alamán tentou fortalecer a indústria no México. Sofreu retaliações que isolaram as empresas mexicanas. Como não se preocupou com o problema agrário, a maioria da população continuava na pobreza e, por isso, não formou um mercado interno suficientemente forte para manter a indústria nacional.
O Paraguai foi outro país que procurou sair desse domínio do capital estrangeiro. Aumentou as tarifas alfandegárias e procurou defender a indústria nacional. Como resultado, sofreu um ataque dos vizinhos Brasil, Argentina e Uruguai, todos muito bem apoiados pela coroa britânica.
Durante a onda de industrialização da América Latina, surge um novo país que aumenta seu poder de decisão na região: os Estados Unidos. Os americanos conviveram na segunda metade do século XIX com a Guerra de Secessão, que culminou na vitória de um norte industrializado sobre um sul agrário. O resultado foi fundamental na expansão da atividade industrial americana, inclusive para além de suas fronteiras.
Aos poucos, o domínio inglês vai dando espaço a um domínio norte-americano sobre os países latino-americanos. A crescente indústria dos EUA precisa de petróleo. Vem conquistá-lo exatamente na América Latina, em especial na Venezuela.
Através de suas filiais, as multinacionais começam a controlar setores pontuais da economia dos países da região. Não só empresas americanas, mas ainda outras europeias.
A tecnologia importada pelas nações latino-americanas era costumeiramente de segunda linha. O preço, no entanto, era de primeira. As indústrias nacionais padeciam nas mãos das empresas estrangeiras. As isenções fiscais e ridículas tarifas alfandegárias faziam do produto importado um concorrente desleal para aquele produzido internamente.
Os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que protegiam como poucos sua indústria, através de altas tarifas para produtos vindos de fora, defendiam a expansão do livre comércio na América Latina. O governo do Tio Sam era o melhor advogado de suas multinacionais. Quando seu projeto estava sob ameaças, não hesitava em defender seus interesses a qualquer modo, inclusive apoiando a instalação de ditaduras na região, sendo o Chile o caso mais representativo.
Em uma frase, Eduardo Galeano resume a situação latino-americana na época em que a ajuda do capital estrangeiro era defendida como saída rumo à prosperidade da região.
“O subdesenvolvimento latino-americano não é uma etapa no caminho do desenvolvimento, mas sim uma contrapartida do desenvolvimento alheio.”
(GALEANO, 1971)
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