Por Bruno Roncada
Ao ler As Veias Abertas da América Latina, se não bastasse toda a genialidade da edição original de Eduardo Galeano, tive a sorte também de ter acesso nas páginas finais a um posfácio, escrito pelo uruguaio sete anos após a data de publicação do livro.
Em 1978, a América Latina vivia tempos de ditaduras. Não coincidentemente, Veias Abertas foi proibido de circular no Uruguai, Chile e Argentina. Talvez os generais no comando, a serviço do capital estrangeiro, não considerassem uma boa ideia expor algumas verdades sobre a dominação estrangeira sobre a América Latina. Galeano até conta que o melhor tipo de elogio que sua obra poderia receber era exatamente esse.
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No mais, os problemas da região continuavam os mesmos. Pra piorar, a dívida externa dos países crescia vertiginosamente. De 1969 até 1975, ela aumentou em quase três vezes. Grande parte da produção das nações era destinada para a amortização dessa dívida. No caso de Brasil, México, Chile e Uruguai esse pedaço correspondia a quase a metade do que era produzido.
As ditaduras, por sua vez, mantinham-se no poder. Procuravam criar uma imagem de que o regime era sinônimo da nação. Enquanto isso, a população sofria. Os trabalhadores continuavam recebendo baixíssimos salários. As condições às quais estavam submetidos também eram deploráveis. Galeano inclusive cita uma história que ocorreu no Uruguai, em 1977:
No dia 28 de setembro, às sete da manhã, os operários negam-se a entrar numa fábrica de conservas de peixe porque sentem um forte cheiro de gás. São ameaçados: se não entram, perdem o emprego. Eles continuam se negando a entrar. São ameaçados: vamos chamar os soldados. A empresa já havia convocado o exército de outras vezes. Os operários entram. Quatro mortos e vários hospitalizados. Havia um escapamento de gás amoníaco.
(GALEANO, 1978)
Os interesses do capital, em especial o estrangeiro, continuavam acima dos direitos dos trabalhadores. A maioria do povo ainda vivia na miséria. E como disse Galeano, venda o que venda, o principal produto de exportação da América Latina são seus braços baratos.
E assim continuava a tendência histórica. Os países latino-americanos vendiam seus produtos a preço de banana, sejam matérias-primas ou industrializados de baixa qualidade, e importavam os produtos mais sofisticados do mercado europeu a um valor extremamente alto. Nada que contribua para uma balança comercial saudável e, principalmente, para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.
Se por um lado faltava aos donos do poder um pouco de imaginação política, por outro eles eram mestres na arte de propagar o medo. Seja no trabalho, nas ruas, nos ônibus ou nas universidades, qualquer cidadão estava sob a ameaça de estar sendo vigiado.
Na Argentina, segundo Galeano, o próprio Código Penal já sancionava o autor e o editor de um livro considerado subversivo. Também eram castigados o impressor, para que ninguém imprimisse livros assim, o distribuidor e o livreiro, para que ninguém se atrevesse a comercializá-los, e até mesmo o leitor, para que ninguém cogitasse lê-los ou guardá-los. Era assim que as ditaduras espalhavam o pânico pela população.
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