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Arte livre

Por Felipe Pontes, Fernanda Costantino e Pamela Mascarenhas


Sentado em um banco numa esquina da Avenida Rio Branco, às 13h de uma terça-feira nublada, Alejandro Del Salvo ajusta seu amplificador e tira sambas, bossas-novas e outros ritmos do mundo de seu violão. Dois homens parados conversam a poucos metros e alternam olhadas interessadas no músico, enquanto dezenas de outras pessoas passam apressadas e lançam apenas rápidos olhares curiosos, às vezes uma moeda no chapéu. Eis sua platéia.

[caption id="attachment_1871" align="aligncenter" width="470"] Alejandro Del Salvo se apresenta na Avenia Rio Branco, uma das mais movimentadas do Centro do Rio de Janeiro. | Foto: Felipe Pontes[/caption]

O argentino chegou ao Rio de Janeiro há três meses, depois de saber por um amigo sobre uma nova lei da cidade. Assinada em maio de 2012, a lei 5429 permite que as manifestações de arte, música, dança e teatro possam tomar seu lugar nas ruas sem que necessitem de autorização prévia da prefeitura. Para os artistas, o fim da clandestinidade e de burocracias. Para o público, e aqui incluídos todos os cidadãos da cidade, a garantia de espetáculos gratuitos a cada mudança de calçada.

Del Salvo diz ter encontrado o cenário tranquilo que esperava e consegue se manter na cidade somente com as vendas de seus CD’s e as colaborações espontâneas de quem passa. Nômade e com a aparência de um personagem da Disney, o pirata Jack Sparrow, ele diz que o Rio de Janeiro é uma das cidades mais calmas para se trabalhar nas ruas, entre as outras que já visitou. Só foi incomodado uma vez por um guarda municipal, que pediu para que diminuísse o som de seu amplificador, ajustado em volume máximo para competir com o barulho dos carros e ônibus da principal avenida do Rio.

As imediações do Largo da Carioca, no Centro do Rio de Janeiro, vive hoje um pico de manifestações artísticas, principalmente de músicos latino--americanos. Sem nenhuma referência na cidade, o equatoriano Henry Caicedo chegou há duas semanas em busca de um estudo formal de música, “talvez na universidade [UFRJ] que descobri ali na Lapa”. Mesmo sem conhecer nenhuma lei ou regulamento, desde o primeiro dia ele toca seus pingullos e dulzainas, flautas típicas da região de Túlcan, próximo ao número 100 da Avenida Chile e exalta nunca ter sido hostilizado. “Muito diferente de Quito (capital do Equador), onde os artistas são obrigados a se aglomerar em uma única rua e não podem ser espontâneos”, compara.

[caption id="attachment_1876" align="aligncenter" width="470"]O equatoriano Henry Caicedo aposta em seus pingullos e dulzainas, flautas típicas da região de Túlcan. | Foto: Felipe Pontes O equatoriano Henry Caicedo aposta em seus pingullos e dulzainas, flautas típicas da região de Túlcan. | Foto: Felipe Pontes[/caption]

Atravessando um quarteirão, um grupo de três adolescentes montava um verdadeiro palco e ensaiava o próximo passo de dança que apresentariam. Grazielle conta que a ideia veio quando ela e alguns jovens, membros da Primeira Igreja Batista do Rio, queriam ir a um congresso e não tinham dinheiro. Eles então resolveram se apresentar nas ruas e contar com as contribuições dos que passavam. Grazielle e os amigos desconheciam a lei e contam que nem passou pela cabeça pedir permissão para a Guarda Municipal ou para a Prefeitura. Eles apenas chegam à Carioca, estendem o tapete especial para a dança, dão uns trocados para o dono da banca de jornal e usam a energia para ligar o amplificador com a música. Em duas semanas, ganharam cinco mil reais, viajaram e agora estão arrecadando dinheiro para comprar um novo aparelho de som.

O vereador Reimont (PT) é o responsável pela lei e, segundo entrevista por telefone, a demanda surgiu a partir de denúncias feitas pelos próprios artistas, que alegavam o impedimento do seu trabalho pela Guarda Municipal. O grupo de teatro Oficina foi um dos que denunciaram a atuação dos policiais. Patrocinado pela própria Secretaria de Cultura, os atores por vezes ouviam dos guardas que não podiam se apresentar nas ruas do Largo do Machado.

Foi criada, então, uma comissão de estudos com grupos de artistas de rua para entender a situação e saber qual seria a melhor saída. Além do Oficina, os grupos Tá na Rua e Entrou por Uma Porta, além de artistas autônomos, como o Sombra, que se apresenta no Largo da Carioca, se reuniram com o vereador e sua equipe para a criação de uma legislação que garantisse o trabalho deles. Para Reimont, a lei é uma forma de abrir o diálogo e permitir que os artistas se apresentem livremente, sem o risco de serem recolhidos pela Secretaria de Ordem Pública.

[caption id="attachment_1877" align="aligncenter" width="470"]Grazielle e seus amigos montam um verdadeiro palco no Largo da Carioca. | Foto: Felipe Pontes Grazielle e seus amigos montam um verdadeiro palco no Largo da Carioca. | Foto: Felipe Pontes[/caption]

Além das denúncias, outro fator levado em conta foi a burocracia para se obter uma permissão para apresentações em locais públicos. Os órgãos normalmente encaminhavam os artistas para outras instituições e, no final, era um verdadeiro acúmulo de permissões até conseguirem se apresentar. Por isso, a lei garante que não é preciso haver autorização prévia de nenhum órgão antes dos trabalhos. O vereador Reimont destacou, ainda, a garantia de verba no orçamento de 2013, que será repassada aos artistas como incentivo para o seu trabalho. A proposta já foi aprovada pela Câmara e os recursos serão distribuídos aos profissionais por meio de editais, através de concorrência, publicados pela Secretaria de Cultura do Estado. Atualmente, já existe um edital elaborado, ainda sem data para lançamento, por conta da troca do secretário de Cultura e das mudanças na gestão do órgão.

A lei, no entanto, gera algumas desconfianças. Henrique Ramos Reichelt, mestrando em Comunicação na Universidade Federal Fluminense e pesquisador das experiências do business musical, acredita que a legislação pode servir como desculpa das autoridades para não autorizar a realização de eventos artísticos independentes. “A lei é bacana para assegurar o direito à livre manifestação artística e evitar conflitos com a polícia e/ou guarda municipal. No entanto, não creio que ela vá assegurar mais liberdade artística, pois, no caso de uma manifestação mais polêmica, a autorização de  um órgão público é fundamental. Meu medo é que o poder público se valha do documento para se abster da concessão de autorizações para eventos menores”, declara.

Henrique ressalta ainda a tendência atual de valorização do “ao vivo”, em detrimento do fonograma, e comenta sobre possíveis estratégias de comercialização na ruas. “Hoje, ninguém quer pagar 15 reais por um CD, mas paga tranquilamente 80 para ver um show de um artista conhecido”. No entanto, o modelo de negócios da arte de rua é aquele da dádiva, da doação. Para ele, a venda de produtos paralelos como CDs e camisetas ajuda, mas eles precisam ser inseridos como uma extensão da experiência musical. Em casos como este, a “doação” de um CD (para aqueles que ficaram mais tempo prestigiando a música, por exemplo) pode ser uma estratégia interessante, tanto do ponto de vista simbólico (se tornar mais conhecido), quanto do ponto de vista lucrativo (aumento das doações).  “O importante é não parecer que o show é uma propaganda para a venda de CDs”, finaliza.

Sucesso das ruas

A inglesa Jesuton, radicada no Brasil desde 2012, começou nas ruas do Rio de Janeiro a sua trajetória musical. Perdida entre transeuntes na Zona Sul carioca, a cantora apresentava para quem passasse clássicos do rock em uma versão soul. Levou só um mês e meio até ser descoberta. Tudo graças às ruas e a uma forcinha extra das redes sociais, nas quais publicava vídeos com suas interpretações de músicas como “Wild Horses”, dos Rolling Stones, e que foram diversas vezes compartilhadas. Em dezembro, Jesuton lançou seu primeiro disco chamado “Encontros”, gravado pela Som Livre. Fora das ruas, a cantora já realiza apresentações em casas de show pelo Brasil, mas os vídeos das performances ao ar livre ainda estão no YouTube.





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