Por Patrícia Fernandes
Entrevista com o professor pós-doutor de História da UniRio, Rodrigo Turin.
Ele é especialista em "Antigos e Modernos: diálogos sobre a escrita da História".
Professor, alguns frequentadores de cafés antigos no Centro do Rio ressaltam a sensação de “suspensão no tempo” provocada pela arquitetura, tradição e história desses espaços.
Como funciona isso?
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que em muitos desses espaços é a própria materialidade do passado, tornado presente aos olhos do observador, que produz essa sensação de suspensão temporal. A arquitetura é capaz de gerar um efeito de distanciamento, na qual o indivíduo experimenta “tocar o passado”, literalmente, deslocando-se do seu presente; é uma sensação física, não apenas intelectual.
A arquitetura é capaz de gerar um efeito de distanciamento, na qual o indivíduo experimenta “tocar o passado”
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Imagem: Wikimedia Commons.[/caption]
Essa experiência depende, contudo, de pelos menos dois fatores: a) uma prática de conservação, que implica em preservar traços originais desses espaços e b) uma pré-disposição dos indivíduos a perceberem esses traços como signos de uma época, o que implica já possuir uma certa consciência histórica.
O senhor já deu uma entrevista sobre a construção de espaços de memória no Centro do Rio, falando especificamente de espaços culturais, como os museus, que tem uma função de manutenção e, em alguns casos, resgate da memória e história da cidade.
Pode nos falar, resumidamente, sobre esse processo?
Os museus são instituições através das quais a sociedade seleciona e organiza determinados objetos, dotando-os de um valor especial, o qual não teriam em seu uso cotidiano. Quando um objeto é levado a um museu e exposto ele ganha um novo sentido, seja ele científico, artístico ou histórico.
Com isso, a criação e a implementação dos museus representa um processo no qual a sociedade seleciona e organiza sua própria memória, elaborando um sentido ao seu passado e, no mesmo movimento, orientando valores de ação para o futuro. A sociedade, contudo, é ela própria histórica e constituída por grupos sociais distintos que lutam para definir quais os conteúdos e as formas dessa memória coletiva.
Todos esses espaços culturais têm sua própria história, vinculados aos momentos nos quais foram criados e às suas sucessivas mudanças.
A memória, assim, também é um espaço de lutas e conflitos sociais, sujeita a usos políticos. Todos esses espaços culturais têm sua própria história, vinculados aos momentos nos quais foram criados e às suas sucessivas mudanças.
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Imagem: Wikimedia Commons.[/caption]
Um museu sempre diz mais do presente de uma sociedade do que propriamente de seu passado. Lutar pela preservação e pela democratização desses espaços é garantir que os grupos sociais possam se reconhecer como atores históricos, articulando uma relação viva entre passado, presente e futuro.
Enquanto acadêmico na área de História, como o senhor observa a clara oposição entre antigo e moderno no Centro Histórico do Rio de Janeiro que se constitui de forma física (com casarões antigos e prédios ultramodernos) e psicológica (com a coexistência e, eventual substituição, entre esses espaços?
Eu não afirmaria que a relação entre antigo e moderno se apresenta tão claramente como oposição. O modo como definimos e relacionamos o “antigo” e o “moderno” depende de uma série de fatores, implicando já uma percepção historicamente incorporada. Por exemplo, qual a diferença entre o “antigo” e o “velho”? O modo como estabelecemos os critérios para classificar um prédio, nesses termos, implica estabelecer valores que definem se ele será ou não preservado.
Novamente, a questão é encontrar a boa medida nessa distribuição entre passado e futuro, entre antigo e moderno. E não há nenhuma fórmula para isso.
Além disso, a coexistência entre prédios antigos e modernos pode ser percebida pelos indivíduos de maneiras distintas, seja como oposição e ruptura entre um “antes” e um “depois”, seja como complementaridade e continuidade de um sentido histórico de “progresso”. Um historiador e um corretor de imóveis certamente atribuiriam sentidos diversos a essas relações.
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Além disso, todas as sociedades convivem, simultaneamente, com o antigo e com o moderno. O contraste entre esses diferentes tempos é o que constitui e dá visibilidade a nossa própria historicidade; o fato de estarmos condenados a vivermos e experimentarmos, de algum modo, a mudança.
Entre esses pólos, devemos achar nosso lugar e constituir nosso presente.
Novamente, a questão é encontrar a boa medida nessa distribuição entre passado e futuro, entre antigo e moderno. E não há nenhuma fórmula para isso. O risco dos excessos já foi apontado por muitos estudiosos: o de uma memória demasiada que nos impede de agir, como no conto de Borges, “Funes, el memorioso”; ou, então, um futuro tirânico que submete, em seu nome, o passado e o presente. Entre esses pólos, devemos achar nosso lugar e constituir nosso presente.
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