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Cristo Vive, na JMJ ou fora dela

*por Douglas Nascimento


No mês de Julho o Rio de Janeiro recebeu a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), evento organizado pela Igreja Católica de três em três anos, que reúne jovens de todo o mundo, católicos e de outras confissões. No penúltimo dia de programação a JMJ concentrou três milhões de peregrinos na praia de Copacabana, para participar da Vigília de Oração com o Papa Francisco. Nela os jovens se reúnem em uma noite de adoração, junto ao pontífice. A Vigília é considerada o ápice da programação da Jornada, acompanhada ao vivo em dioceses do mundo inteiro. Mas nesse 27 de Julho uma outra manifestação, nesse mesmo local, chamaria atenção: A Marcha das Vadias.


Quando as chuvas no Rio de Janeiro mudaram o roteiro da JMJ e deslocaram a programação de Guaratiba para Copacabana, já era tarde demais. Marcada há meses para esse local e data – já para aproveitar a pertinência do protesto frente à agenda religiosa na cidade –, a Marcha das Vadias não abriu mão de acontecer a alguns quilômetros de distância da principal Vigília da JMJ. Pautado principalmente na defesa da autonomia das mulheres contra o machismo e homofobia, a Marcha das Vadias demarcou um forte contraste de visões de mundo na praia de Copacabana. Movimentos antagônicos que, juntos, tanto deram exemplos de que discursos diferentes podem coexistir quanto de como a intolerância – de ambos os lados – pode demarcar o fracasso de qualquer tentativa de construção de uma sociedade moralmente livre.


Bruno Teles, de 19 anos, veio do Espírito Santo para a JMJ. Acompanhado da namorada, atravessou o trecho onde acontecia a Marcha das Vadias pela areia, longe dos manifestantes – “Como todo protesto hoje no Rio, tudo acaba em baderna e vandalismo. O Papa vai passar por aqui e tem gente nua na rua. O protesto precisa ser feito de forma íntegra, tem que ter respeito. Isso não é protestar, é querer aparecer”. Se a liberdade que alguns têm com o próprio corpo incomoda a uns, o respeito a dogmas religiosos também o faz, a outros. Mais tarde, o relato de que um peregrino havia cuspido em manifestante se confundia com radicais que quebraram e se masturbaram com símbolos e imagens da Igreja católica.




[caption id="attachment_2063" align="aligncenter" width="470"]foto: Douglas Nascimento foto: Douglas Nascimento[/caption]

Intolerância sexual versus intolerância religiosa


As vozes oficiais fizeram sua parte, parcimoniosa, embora muitos representantes tivessem agido de forma contrária a estes. Em nota, os organizadores do ato lamentaram a quebra de imagens: "A performance que envolveu quebra de imagens de santas na Marcha das Vadias hoje não foi programada pela organização deste evento". Mas no dia da Marcha o uso de cartazes provocativos usando símbolos religiosos foi bem frequente. Crucifixos foram quebrados e pisoteados por muitos manifestantes, não apenas pelos radicais. Com frequência se via a imagem de Cristo ligada à ovários e órgãos sexuais. Signos que, se não representavam a organização, representava muitos dos seguidores. No fim da Marcha, manifestantes (não tão radicais assim) foram até o cordão de isolamento da Força Nacional que separava as duas propostas para provocar peregrinos.


A ONG Católicas pelo Direito de Decidir distribuiu uma carta aberta ao papa Francisco pedindo mudanças na Igreja, como o fim da condenação ao aborto e a bênção à união de casais do mesmo sexo. O Papa, em seu último dia no Brasil, discursou em prol dos homossexuais, pregando que eles não deveriam ser criminalizados. Na prática, a grande maioria dos fiéis que passou pela manifestação mais pareceu despertar repulsa pela Marcha que apoia à descriminalização, como fizeram Bruno Teles e muitos outros. O cuspe de um peregrino em manifestantes rebolando marcou, simbolicamente, a intolerância e incompreensão que pode vir de um fiel. Os intolerantes podem ser poucos dentro de movimentos tão grandes. Podem não representar os organizadores do evento ou uma instituição como um todo, mas eles sempre estão lá. São comportamentos de pessoas comuns, que se repetirão no cotidiano, que representam o quanto ainda precisamos nos educar e só indica nossa incrível capacidade de fazer juízos de valor.


"Cristo Vive!"


Berrava repetidamente uma peregrina em direção à Marcha das Vadias, afrontando e, ao mesmo tempo, se esquivando do movimento, ao dar passos para trás. Mas afinal, se admitirmos que, sim, "Cristo vive", seria a troco de quê? Qual a interpretação dada – por fiéis ou não – a seus reais valores? Seja para um peregrino da JMJ ou um manifestante da Marcha das Vadias, "Cristo vive". Mas a interpretação dessa expressão, condicionada a olhares engessados e discursos selecionados, está cada vez mais invertida.






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