Por Marcela Macêdo, Gabriela Vasconcellos e Mariana Penna
A tarde do dia 27 de julho ficou mais democrática em Copacabana. Pela terceira vez consecutiva, a Marcha das Vadias ocupou uma das principais ruas da cidade maravilhosa para protestar em prol da mulher. Cartazes coloridos, músicas, pinturas, apresentações e gritos de reivindicações fizeram parte do evento. Porém, nessa luta não estão somente as mulheres, estão também todos os homens que condenam a violência sexual e de gênero.
O movimento surgiu em resposta à declaração de um policial do Canadá, que alegou que a causa dos ataques sexuais sofridos pelas mulheres estava no tipo de vestimentas que elas usavam. A partir desse fato, várias manifestações ocorreram pelo mundo até chegar a São Paulo, primeira cidade brasileira a receber a Marcha. Porém não tardou para que Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza, Brasília, Salvador, entre outros locais, apoiassem o protesto.
No Brasil, há ainda uma motivação extra para a Marcha. Afinal é o 7º país no ranking da violência contra a mulher, segundo dados da Organização Mundial de Saúde de 2012. O ranking desemboca na lamentável realidade de uma mulher assassinada a cada duas horas, de acordo com o Mapa da Violência do mesmo ano.
A Marcha se define como uma manifestação de cunho pacífico, apartidário, plural, autônomo e independente; e luta principalmente para reafirmar a autodeterminação sobre os corpos femininos. O desejo maior é uma sociedade que não se fundamente no machismo, no racismo, na diferença de classes sociais, na homofobia, lesbofobia e transfobia. Entre as inúmeras questões que circundam tal desejo estão pautas como: descriminalização do aborto; desvinculação de dogmas religiosos das políticas públicas e a adoção de um marco legal às prostitutas, permitindo que elas tenham todos os seus direitos de cidadãs garantidos e respeitados. (Confira aqui o Manifesto da Marcha das Vadias completo)
Indo contra ao que afirmou o policial do Canadá, a Marcha incentiva a liberdade da mulher para usar a roupa que quiser durante a manifestação. Muitas, inclusive, protestam com os seios de fora, como forma de apoio à causa. Uma das organizadoras, que chamaremos ao longo de nossa matéria pelo nome Sofia, comentou: “Acho que há dois principais objetivos na decisão de protestar com os seios à mostra: o primeiro é tentar naturalizar o corpo humano, sobretudo o da mulher, ou seja, tentar mostrar que nossos corpos não devem ser entendidos como ofensivos. O segundo é o empoderamento da pessoa que realiza a ação de tirar a blusa ou o sutiã: um gesto de superação da vergonha, medo, e rejeição ao próprio corpo que muitas mulheres ainda sentem”.
Com relação ao nome da Marcha, Sofia afirma que Marcha das Vadias não deve dar margem para críticas. “Só critica o nome da Marcha quem não entendeu o seu porquê ou quem continua a dividir mulheres entre ‘comportadas’ e ‘vadias’. Acho o nome ótimo, é importante pra mostrar que não existe isso de mulher ‘vadia’. Somos apenas mulheres, e como para ser rotulada dessa maneira basta que se tome uma decisão de autonomia sobre o próprio corpo, assumimos sermos todas vadias, então”, disse.
Já a blogueira Lola Aronovich não gosta muito do nome que a Marcha carrega. “O nome é um pouco chocante e feito para chocar. É uma tentativa de ressignificar o termo vadia. Mas há inúmeros outros termos para designar uma mulher que faz e gosta de sexo. A ressignificação sempre é difícil. Eu não gosto muito do nome, mas não consigo pensar em nada melhor. Imagine só uma marcha com o nome de “Marcha contra a violência sexual”. É meio óbvio, não? Pelo menos na teoria, quase todo mundo é contra a violência sexual.”
Ainda de acordo com ela, a Marcha no Brasil é um movimento de extrema relevância: “As marchas rejuvenesceram o feminismo. Para muitas mulheres jovens, as marchas servem como entrada para o feminismo. Deram um tom mais irreverente e irônico a lutas antigas”.
No entanto, frisa que não é a única forma de luta do movimento que quer acabar com o machismo: “As Marchas das Vadias não encerraram outros protestos feministas mais tradicionais. O importante é continuar com a luta na rua, na internet, e também defender uma regulamentação da mídia que abriria espaço para as minorias”, complementa Lola.
A Marcha
Esse ano, a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro contou com aproximadamente duas mil pessoas e ganhou pautas extras mais específicas. Entre elas estão, a condenação ao “Estatuto do Nascituro”, que prevê a criação da “bolsa estupro” – termo adotado pelas feministas - determinando que o estuprador se responsabilize por pagar uma pensão à mulher que ficar grávida em decorrência de uma violação sexual; e o repúdio à forma como a Jornada Mundial da Juventude foi organizada, usando, segundo os manifestantes, o dinheiro e os equipamentos públicos, como escolas, universidades e centros culturais, ferindo o princípio constitucional que preconiza o não favorecimento ou impedimento, por parte do Estado, às atividades de nenhuma religião. Durante a Marcha, houve também gritos de protesto contra o governador Sérgio Cabral e pedidos de resposta sobre o paradeiro do pedreiro Amarildo, que sumiu depois de prestar depoimento à policiais da UPP da Rocinha.
A Marcha se concentrou no Posto 5 da Avenida Atlântica e estava planejada para prosseguir até o Posto 2. Contudo, o local foi motivo de polêmica. A Jornada Mundial da Juventude, que inicialmente estava marcada para ocorrer em Guaratiba nesse dia, acabou sendo transferida para Copacabana de última hora. Isso contraria algumas especulações que afirmavam que a Marcha foi colocada no mesmo ambiente propositalmente. O encontro entre os dois movimentos causou certa estranheza. Curiosos da Jornada pararam para observar a Marcha e alguns peregrinos se sentiram ofendidos com os protestos, que divergem das orientações dadas pela Igreja Católica. Entretanto o clima geral foi de paz.
As Vadias
Nádia Gonçalves, 33 anos, publicitária, levou seu filho e seu marido à Marcha das Vadias. “Legalização do aborto e a questão da homofobia são os principais motivos que me fizeram vir à Marcha”, contou ela.
Ao ser perguntada o porquê de levar seu filho de um ano e três meses ao protesto, Nádia respondeu: “Ele tem que aprender desde já a tratar uma mulher como uma pessoa. A mulher tem que ser respeitada pelo que ela quiser ser. Meu filho, Miguel, tem que aprender primeiro a sair na rua. Quando ele não gostar de alguma coisa ele tem que pintar a cara, gritar, pegar em panela e protestar! E também por ele ser homem acho importante ele estar aqui. Ele tem que ver o que está acontecendo, mesmo pequeno; afinal um dia ele vai crescer e vai ter uma mulher, ou não. Talvez ele tenha um homem. Enfim, ele tem que sentir esse clima e como homem entender que a mulher é como ele e merece o mesmo respeito. Sendo ele homem, mulher vadia ou gay”.
A Marcha não foi exclusivamente formada pelos jovens, como na maioria dos protestos. A professora Divina de Jesus de 53 anos, e a massagista Inês Cintra, de 56 anos, compareceram à manifestação. Divina apoia as reivindicações que pedem um Estado laico e a descriminalização do aborto. Já Inês chama a atenção para a ditadura da beleza e a descriminação da idade para as mulheres. Segundo ela, todo mundo é bonito e cada idade tem a sua beleza específica.
Os homens também marcaram presença. O estudante de História, Pedro “He-Man”, de 22 anos, conta porque compareceu: “Estou aqui pela liberdade da mulher, e pela laicidade do Estado, para que as bancadas religiosas não interfiram nas liberdades da mulher. O que é pecado pra umas não pode ser crime pra todas. A gente está aqui não contra os religiosos, mas contra os fundamentalistas da religião, que se utilizam dela pra impor sua fé como regra, como forma jurídica pra criminalizar as liberdades da mulher. A Marcha ajuda a chamar atenção pra essa luta latente"
- A marcha também atraiu gente de longe! Thaís Pereira, 26 anos, advogada, é de Belo Horizonte e veio ao Rio para a Marcha das Vadias. Ouça aqui o que a levou ela ao protesto.
- A atriz Taisa Machado, de 24 anos, fez uma apresentação na manifestação. Ouça aqui porque ela estava na Marcha.
- A Marcha contou com uma grande participação dos homens! Ouça aqui as palavras de Michel Carvalho, 25 anos, cientista social.
- A fotógrafa Claudia Regina, de 24 anos, protestou com os seios de fora. Ouça aqui seu depoimento.
A Polêmica
A maior crítica feita à Marcha das Vadias foi o polêmico caso de quebras de símbolos religiosos, como crucifixos e santos. O ato foi promovido por dois manifestantes que fazem parte do coletivo “Coiote”, conhecido pela realização de performances cujo objetivo é chocar. A organização da Marcha publicou uma nota de posicionamento sobre o caso, informando que a ação não foi planejada por eles. Entre os próprios manifestantes, o ato dividiu opiniões.
A estudante Mariana Vita, que participava de sua segunda Marcha das Vadias, não aprovou a quebra. Mas afirma que também não condena. Ela explica: “O que quero dizer é que eu não faria isso. Mas isso não quer dizer que eu condene a ação. Como disse, os protestos são momento do espetáculo, e a performance deveria ter servido para incitar o debate. Eu não sei se foi uma boa estratégia para atingir o público religioso, pensando como estudante de comunicação. Mas acho válido. Nós temos motivo para não gostar das religiões cristãs, porque há muitos vestígios da cultura cristã na sociedade. Por mais que as pessoas não sejam cristãs, o cristianismo está presente pelo sentimento de culpa, a separação entre o corpo (com seus desejos pecaminosos) e alma (pura, mais importante). As pessoas falam das religiões que prendem as mulheres, escondidas em vestimentas como o véu. Mas e as freiras? Elas até hoje não podem rezar missa. Por que?”
Para Lola, a performance não ajudou nada a luta feminista – pelo contrário: “Associou as Marchas das Vadias com a intolerância. Não será fácil desfazer essa associação”, completou.
Imagens e edição: Douglas Nascimento
Confira a galeria de Mariana Penna:
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