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Para sempre Nilo Peçanha, 80 (Artigo)

Por Luiza Gould*




[caption id="attachment_2078" align="aligncenter" width="338"]OLYMPUS DIGITAL CAMERA foto arquivo pessoal[/caption]

Ela era a casa mais imponente e vistosa da rua, a minha segunda casa, o melhor lugar do mundo para mim. Apesar de já passarem anos, guardo na memória a lembrança de cada detalhe, de cada objeto, a posição de cada móvel, e os momentos mais marcantes que passei ali. Se você fosse nos visitar, provavelmente quando se aproximasse do portão de grades cinzas com a placa Não estacione, e tocasse a campainha, veria meu avô dando aula de inglês. Depois de te receber com um longo sorriso ele te convidaria para conhecer a casa de que sempre teve orgulho de morar. Setenta e cinco anos de orgulho. Afinal, lá ele nasceu e de  lá ele saiu pela última vez em 2009.


Subindo as escadas, depois de ver o quintal repleto das plantas que meus avós regavam dia sim, dia não, você veria portas e janelas de vidro e entraria na mesma varanda que tinha visto ainda do portão. Depois de passadas as portas de madeira antigas, como as do século passado, chegaria à sala de jantar e veria uma grande mesa que já reunira a família em muitas festas. Logo meu avô te levaria até a estante de retratos e falaria com ainda mais orgulho “Esta é minha família”. E de lá você conheceria a sala, com seus quadros e lustre antigo, os quartos, a copa, o escritório do meu avô, o quarto que servia como boutique da minha avó e a cozinha, onde ela provavelmente estaria fazendo o almoço, e que almoço! Saindo da casa você encontraria entre os passarinhos do meu avô a churrasqueira de longos carnavais e já talvez cansado se sentaria no banco de praça que tinha ali perto. Meu avô então te contaria a história daquele lugar.


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Talvez ele começasse assim: “A simpática casa da Nilo Peçanha 80 foi comprada pelo meu pai quando ele veio da Inglaterra. Aqui ficou depois de se casar com a minha mãe e foi debaixo dessas paredes que fui criado e que criei três filhos e duas netas.” De fato, várias gerações passaram por ali. Eu fiz parte da geração mais recente e lá me sentia em casa, porque aquela de fato era a minha casa. Quando nasci fui para lá, morei lá por um mês e em 17 anos ia para aquela casa todo o final de semana. Brincava horas a fio no jardim, levava minhas bonecas para cima e para baixo, lia livros na hora da cesta para o vovô no quarto dele, ficava bisbilhotando a vovó cozinhando ou costurando na sala, procurava os ovos de chocolate na páscoa com a minha prima no quintal....


Mas se você fosse um corretor, talvez meu avô não o recebesse da mesma forma. Cansado de tanto recusar ofertas para vender sua casa, só faltava ele colocar uma placa dizendo que ela não estava à venda. A insistência, no entanto, era justificável: em um dos bairros nobres de Niterói, com o crescimento dos moradores da cidade, a realidade dos prédios era cada vez maior. Várias casas já tinham ido abaixo quando eu nasci e muitas outras ainda iriam, incluindo a dos meus avós. Em 2009, já mais enfraquecido devido a arritmia cardíaca, meu avô me chamou para conversar. “Luiza, sei que você gosta daqui tanto quanto eu. E sei que você sabe que nunca quis sair daqui. Mas vamos ter que vender a casa agora. Nossas vizinhas vão vender também, essa casa já é grande para eu e sua avó darmos conta, seríamos afetados com as obras..... Sei que é triste, mas vamos comprar um apartamento bem grande e com um quarto para você.”  Ele tentava me animar, mas via em suas palavras e nos seus olhos o sinônimo da tristeza. Afinal era ele que sempre dizia que dali só sairia para o cemitério.




[caption id="attachment_2080" align="alignright" width="282"]DSC05991 Prédio Ingá Offices, erguido no lugar da casa dos meus avós e da casa vizinha/ foto Luiza Gould[/caption]

Apesar do desespero inicial entendi os motivos do meu avô e para não entristecê-lo ainda mais evitava tocar no assunto. Ele não viu a casa sendo vendida, ele não viu a casa sendo demolida em 2010, ele não viu o prédio Ingá Offices sendo erguido em seu lugar, nem conheceu a creperia que abriu ali e já faz sucesso. Depois de sua morte, ainda em 2009, ficou ainda mais difícil manter aquela casa, que tanto lembrava ele, que era ele. E minha avó não podia ficar sozinha ali. Então foi assim, saímos da Nilo Peçanha 80, que sem meu avô também não tinha mais graça, mas levamos conosco as mais bonitas recordações. Os Natais, os aniversários, as risadas, “toda uma vida”, como diria a minha mãe, que hoje passa longe da rua para não ver o prédio erguido onde nasceu. Apesar das paredes que já haviam enfrentado uma grande reforma em 1992 terem caído de vez em 2010, o que fica são as lembranças e um sonho. Durante a participação desta série de reportagens sobre as casas que tiveram um destino diferente e continuam de pé nas grandes cidades, contei esse sonho para uma entrevistada: “Um dia, espero poder comprar uma casa e deixá-la igual a casa dos meus avós.” Quem saiba eu consiga. Por enquanto, o que fica é a certeza de que aquele lugar será para mim para sempre a casa da Nilo Peçanha, 80.


* Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense

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[caption id="attachment_1957" align="alignleft" width="226"]Lar doce Lar (Matéria principal) Lar doce Lar (Matéria principal)[/caption]



[caption id="attachment_1913" align="alignright" width="282"]A Casa da Martha A Casa da Martha[/caption]

A Casa da Rosane

[caption id="attachment_1906" align="alignright" width="282"]A Casa Restaurante A Casa Restaurante[/caption]

[caption id="attachment_1903" align="alignleft" width="282"]A Casa Videolocadora A Casa Videolocadora[/caption]

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