Muito se falou sobre a polêmica matéria de Chico Otávio na edição dominical do jornal O Globo, de 4 de agosto, que criticava as práticas da Mídia Ninja. O jornalista desqualifica a sua prática ao dizer que os participantes entendem-se como jornalistas, mas não o são, quando se confundem com os personagens de suas histórias ao “executar “suas” pautas com a paixão de um ativista”.
Com tantas suposições feitas e um fim temeroso que insinua uma ameaça à democracia por este e outros coletivos que surgem como uma grande oposição à mídia tradicional, a parcialidade tão ferrenhamente condenada pelo jornalista, se mostra presente do início ao fim. Um texto que exemplifica com clareza a contradição entre o que se diz e o que foi feito. Sendo o conglomerado onde trabalha uma das principais representantes do que chamamos de mídia tradicional, mais que uma contradição, a matéria fere alguns dos princípios do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros:
Art. 2º Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse, razão por que:
I - a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;
Capítulo II - Da conduta profissional do jornalista
Art. 6º É dever do jornalista:
III - lutar pela liberdade de pensamento e de expressão;
Art. 7º O jornalista não pode:
III - impedir a manifestação de opiniões divergentes ou o livre debate de idéias;
A apresentação de diferentes pontos de vista e a pluralidade de versões é essencial para que se cumpra o dever social do jornalismo, que deve agir em nome da sociedade e não contra ela.
A Mídia Ninja, assim como outros coletivos, ganharam grande projeção durante as manifestações, justamente por mostrarem o que a grande mídia não mostrava. A democracia não se encontra em risco, quando o que se quer é democratizar a informação, democratizar o espaço ocupado pelas grandes corporações e, principalmente acabar com o monopólio e o pensamento hegemônico que impera em nossa sociedade. Essa é sua principal luta. Diante das circunstâncias, seria então a parcialidade assumida por esses coletivos passível de condenação? Se esse lado é a sociedade, talvez esse seja um novo modo de praticar o jornalismo. Um jornalismo que tem em sua raiz defender os interesses sociais, e não de grupo privados.
No entanto, muito deve se discutir sobre o caminho que será seguido. Para fazer valer a multiparcialidade defendida por esses grupos, deve-se abrir espaço para todos os lados da questão e a todas as opiniões divergentes a elas.
Nem tudo são flores
A Mídia Ninja tem passado por um bom momento, ganhando grande projeção e tendo milhares adesões voluntárias. São pessoas que se identificam com a proposta do grupo e estão buscando uma alternativa ao que temos hoje disponível. No chamado “1 Grande Ato Contra o Monopólio da Mídia Ninja busca financiamento 4 ago 2013” a Mídia Ninja colaborou na mobilização da população contra a corrupção e a manipulação dos grandes grupos.
Quando entrei em contato no dia 01 de agosto, para que participassem desta matéria através de algumas perguntas, o grupo mostrou grande interesse em participar. As perguntas enviadas giravam em torno de temas como a democratização dos meios de comunicação e a prática do jornalismo em nossa sociedade. No entanto, na data marcada para a entrega, dia 07 de agosto, o que recebi em minha caixa de e-mail foram respostas às perguntas que eu não havia feito. Eram afirmações que respondiam questões de interesses do próprio grupo como: “É muito claro que a PMERJ está usando de força absurda, ainda mais pra quem está participando dos protestos. A grande mídia, no entanto, possui outro tipo de abordagem sobre essa truculência da polícia, diferente da dos ninjas. Por que vocês acham que isso ocorre?”.
Antes de pensar equivocadamente, respondi o e-mail questionando se não haveria tido algum engano, pois aquelas não eram as perguntas que eu havia enviado no documento que estava anexado ao e-mail. O retorno foi feito às vésperas do fechamento desta matéria, dia 14/08. No entanto, apenas uma promessa às respostas corretas. Apenas uma vaga promessa, sem hora ou data.
As reivindicações levantadas pelo grupo são válidas, no entanto, devem corresponder a sua postura. Profissionalismo e compromisso não podem ser qualificações defendidas apenas pelo lado corporativo. Essas são questões fundamentais para que a Mídia Ninja, e outros coletivos, possam ganhar legitimidade e credibilidade na sociedade. Para se fazer oposição, é preciso não apenas ter argumentos fundamentados, mas agir de acordo com eles.
Sem dúvida é uma grande conquista à sociedade que grupos, como o Mídia Ninja, surjam para opor-se à hegemonia e ao monopólio que as grandes corporações possuem sobre o espaço público da comunicação. Mas ainda temos um longo caminho, com questões que ainda devem ser debatidas, como a técnica utilizada, o sustento desses grupos, qual o limite de ação deles, a parcialidade assumida e a credibilidade como meios de comunicação.
Abaixo uma entrevista da Mídia Ninja no programa Roda Vida de 05 de agosto, que debate o surgimento dessa nova forma de cobertura, que se projetou após os protestos que ganharam as ruas do país.
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