Por Lucas Bastos
Em uma terça feira ensolarada, um menino de oito anos estava de pé em frente à obra mais famosa da maior exposição do museu mais importante de sua cidade. Infelizmente isso não dizia nada a ele, e o garoto não fazia menor do ideia do porquê estava ali.
Ele chegara há menos de 1 hora. Seu colégio, sempre conservador (ele não sabia o que significava a palavra, mas seus pais o chamavam disso, e nunca com uma cara feliz, então devia ser algo ruim), o levou para uma exposição de...sei lá quem, ele só sabia que toda a sua turma passaria 3 horas observando pinturas. Além disso, o professor deles pediu que cada um escolhesse uma obra específica e escrevesse uma redação sobre como se sentiam ao observá-la. Esse era um trabalho extra, mas mesmo assim valeria alguns pontos. Como ele não estava muito bem na aula de Artes, era essencial tirar uma boa nota nessa tarefa.
Aliás, ele odiava Artes. Ele não sabia desenhar, recortar, pintar, muito menos colar. Ele se achava inclusive um pouco daltônico (ele não sabia exatamente o que era também, mas ele sabia que as pessoas que tinham isso não enxergavam direito), pois nunca via as cores das quais suas amigas falavam tanto. Azul-sereia, o que é isso? É a cor da cauda de uma sereia? Enfim, ele não estava indo muito bem e corria sério risco de repetir na disciplina. Isso era ridículo: porque ele seria obrigado a repetir o ano só por causa de uma matéria inútil como essa, se ele mandava tão bem em matérias mais importantes, como Matemática?
Ah, a matemática... ele a amava. Os números frios, as contas simples que resolvem problemas complexos, a beleza da resposta certa. Aliás, até quando ele errava ele não se importava, pois era só achar o erro e corrigi-lo. Tudo tão simples, tão... matemático.
Agora, essas pinturas, essa tal de arte... isso era complicado. Nesse momento ele encarava um quadro no qual vários relógios foram desenhados derretendo. Na verdade, ele só o escolheu porque o achou engraçado. Imagina, se os relógios derretessem mesmo com o calor, o caos que seria para sabermos as horas em um dia de verão? Não, isso não faz sentido, era só conferir o horário no celular. Droga, ele perdeu o foco do trabalho de novo. O que ele sentia ao olhar essa pintura, afinal?
Será que o professor aceitaria se ele escrevesse “eu sinto alegria, porque ele é engraçado”? Talvez, não era uma má ideia tentar. Entretanto, agora que ele o via mais de perto (pelo menos o máximo que a maldita linha permitia), ele não via tanta graça. Os relógios pareciam... deprimidos? Estariam tristes porque estavam com calor? Ou aquilo era só tinta que estava escorrendo deles? Nesse caso seriam falsos, apenas pinturas dentro da pintura? Que confusão!
O menino observou aquele quadro durante 20 minutos. Muito mais do que qualquer outra criança dedicou a qualquer obra, já que seus olhos ávidos por emoção não viam menor graça naquelas figuras estáticas. Assim que cansou, voltou para junto do grupo principal e caminhou o museu inteiro com a turma. Mas sempre que podia dava uma espiada no quadro dos relógios de novo.
A visita acabou, a turma foi dispensada e o dia passou. Na aula da manhã seguinte, as crianças deveriam estar com as redações prontas, então o menino passou quase a noite inteira em claro tentando escrever seu trabalho. Eram tantas ideias, tão pouco tempo, um gigantesco medo de falhar... mas ele superou os obstáculos e terminou a tarefa! Mesmo que isso não garantisse uma nota boa, a sensação de ter vencido esse desafio já era gratificante e ele dormiu bem.
Na manhã seguinte, já na escola, chegou a hora da verdade. O menino foi o ultimo a entregar seu trabalho (não por escolha, seu nome era o último da chamada). O professor disse que corrigiria todas as redações até o fim da aula, e que durante isso os alunos deviam fazer seus deveres sobre adição e subtração. Com tamanha “diversão”, o menino se distraiu e nem viu o tempo passar.
Ele tinha terminado a última conta quando o professor chamou seu nome. Na hora, todos os números sumiram de sua cabeça, dando lugar ao medo. Medo de fracassar, de ter que repetir o ano, de ter encarar de novo aquele monstro chamado “Arte”. Suas pernas tremiam, ele suava, mas como não havia escapatória, o rapazinho caminhou até a mesa do seu professor orando pelo melhor resultado possível.
Quando os dois já estavam lado ao lado, o professor perguntou, em voz baixa:
- O que significa isso? Sua redação tem três palavras!
- Eu sei – respondeu o garoto, também baixinho.
- Não, sua resposta do trabalho foi “eu NÃO sei”. Essa é a sua grande resposta final?
- Creio... que sim – o menino respondeu, completamente apavorado.
Contrariando qualquer reação esperada, o professor riu. Depois da risada, ele passou a mão na cabeça do menino, bagunçou seu cabelo, e confessou:
- A primeira vez que vi esse quadro foi com 12 anos de idade. Hoje tenho 53. Eu ainda não sei o que pensar sobre ele. Tome sua redação de volta.
O garoto ficou perplexo. O que isso queria dizer? Ele tinha acertado? Ele seria reprovado? Ele não aguentava mais esse suspense, e perguntou ao seu professor a única pergunta que realmente importava em sua vida:
- Eu passei no teste?
O professor sorriu, e respondeu:
- Ainda não sei.
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