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Código penal: protege ou desampara?

Por Gabriela Vasconcellos, Marcela Macêdo e Mariana Penna


Sentindo-se invadida, exposta e desamparada, muitas vezes a vítima prefere se esconder e deixa de tomar as medidas cabíveis. Segundo os advogados Ana Cláudia Fontenelli e Gabriel Riva, o primeiro passo é ir até a delegacia registrar queixa. "A vítima, que está tendo sua intimidade violada, pode entrar com processos nas esferas Cívil e Criminal. Caberiam acusações por crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e exposição pública da imagem. Dependendo do caso, se for compartilhado em massa nas redes, cabe até mesmo o atentado violento ao pudor. Se a vítima for menor de idade, o caso fica ainda mais complicado", esclarece Fontenelli.


No entanto, fica claro que o que ocorre é uma "adaptação" do atual código penal para os crimes que acontecem no mundo virtual. Segundo Riva, a ausência de uma legislação penal sobre o assunto dificulta a aplicação da lei. "O sistema penal é de uma interpretação rigorosa, rígida, tendo como máxima ‘não há crime sem lei anterior que o defina’. O que temos visto é o encaixe destes atos dentro dos crimes contra a honra - em especial os de injúria e difamação. O problema é que a prática difamatória é aquela feita com o objetivo de causar aquele efeito de ‘sujar a honra’ de alguém. Daí, passamos a ter uma discussão de se realmente, ao divulgar a imagem, a pessoa teve o dolo, ou seja, queria com isso causar danos à reputação do outro", explica.


É justamente essa dificuldade de tipificação do crime que desmotiva Fran. Ainda em entrevista ao G1, a jovem disse acreditar que seu ex companheiro não vai ser punido judicialmente: “Não tem punição para este tipo de crime, não tem uma lei que enquadre ele. Ele até pode ser considerado culpado, mas não vai ficar preso. Ele nunca vai conseguir pagar pelo mal que me fez”, afirmou.


Para a advogada Fontenelli, nossa atual legislação é desatualizada e não contempla os crimes que acontecem no mundo virtual, que crescem cada vez mais, devido a alguns facilitadores: "A internet tem a possibilidade não só do anonimato, mas da ‘viralização’, que dificulta ou impede a identificação da primeira pessoa que compartilhou o conteúdo na rede", afirma.


E o problema da “viralização” não termina aí. Uma vez que se torna viral, é praticamente impossível que o conteúdo seja completamente retirado do ar, sem deixar nenhum vestígio, o que foi ainda mais dificultado com a propagação dos chats de mensagens privadas - como o aplicativo de celular Whatsapp, que envia mensagens multiplataforma (áudio, fotos, vídeos e textos) instantâneas sem custo, usado para compartilhar o vídeo da goiana Fran.


Compartilhar coisas virtualmente tornou-se comum, parte do cotidiano das pessoas. É como se existissem duas vidas correndo em paralelo, a “real” e a “virtual”. Por isso, é difícil não só controlar, mas também conhecer as verdadeiras intenções de terceiros – pessoas que não estão envolvidas na situação – ao compartilharem conteúdos que podem ser até mesmo de desconhecidos. A internet é vista como uma grande democratização do acesso à informação e todo tipo de conteúdo. Quando se fala em controle e privacidade, os termos muitas vezes são logo associados à palavra censura. Você, ao compartilhar um vídeo de desconhecidos, está sendo criminoso por violar a privacidade de alguém?


“O instituto da responsabilidade civil neste caso atua sobre a forma chamada ‘subjetiva’. Por este esquema, é necessária a comprovação de uma conduta culposa. De forma simples, podemos definir que uma conduta culposa é aquela que vis contra um consenso de valores éticos que devem ser observados. Na prática, torna-se muito difícil provar que o terceiro, e friso aqui que falo apenas dos ‘segundos compartilhamentos’, tomou determinada atitude sabendo da não autorização de divulgação daquela imagem ou do dano que podia vir a ser causado", explica Gabriel Riva.


Avanços


O Código Penal apresentou um avanço ao criar a primeira legislação que define delitos no mundo virtual: a Lei 12.737/2012, conhecida como "Carolina Dieckmann". No entanto, o caso de Fran e de tantas outras meninas que "caem na net" não podem ser contemplados pela lei em homenagem à atriz. Ocorre que esta trata apenas de questões envolvendo invasão de computadores, por meio da violação de mecanismos de segurança de equipamentos de informática. No caso de Carolina Dieckmann, seu computador pessoal foi “hackeado” através de seu e-mail, e 36 fotos íntimas foram roubadas. A lei também engloba a falsificação de cartões de crédito e interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública.


Em 2011, tramitou no Senado a PLS 386/2011, um projeto de lei específico para inibir a publicação não autorizada de conteúdo íntimo, como no caso de Fran: "Punirá com prisão, de 1 a 2 anos, e multa, a pessoa que difamar alguém através de divulgação ou compartilhamento na internet de fotos ou vídeos que contenha cena de sexo ou exposição de intimidade de outra pessoa, sem a permissão da vítima." A proposta, no entanto, precisava ser aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, o que não aconteceu.


Alguns juristas e estudiosos confiam que a solução pode estar por vir, com a Reforma do Código Penal. O projeto, que aguarda aprovação, traz um capítulo específico para os crimes cibernéticos, que podem ser divididos em duas categorias: os próprios da informática (como invasão de dispositivos e roubo de identidade virtual, por exemplo) e os "crimes comuns" com auxílio da informática (onde se encaixam os casos de conteúdos íntimos expostos, crimes contra a honra, pedofilia, roubo de informações, entre outros). A reforma define como crime práticas bastante conhecidas no mundo virtual, como o cyberbullying (estabelecido com ‘Intimidação Vexatória’, consistirá em atos de violência física ou psicológica, intencionais e reiteradas, valendo-se de pretensa situação de superioridade.") e o stalking (definido como “perseguição obsessiva ou insidiosa”, será caracterizado como ato de invasão de privacidade, reiterada ou continuada, que ameace a integridade física ou psicológica.).


Existe ainda o projeto Marco Regulatório na Internet, uma iniciativa para regular o uso de internet no Brasil, estabelecendo garantias, direitos e deveres dos usuários da rede. O Projeto de Lei 2126/11 possui vinte e cinco artigos tratando de questões como confidencialidade e segurança, e definindo as atribuições dos provedores de acesso e conteúdo à internet e do poder público. Quando chegou ao Congresso Nacional, em 2011, teve sua votação adiada por oito vezes. No entanto, depois das denúncias feitas por Edward Snowden, a respeito da espionagem norte-americana na rede brasileira – inclusive a empresas e autoridades – a questão voltou à tona, e é possível que seja votado ainda este ano.


Conheça o caso de Fran


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