De MC Bob Rum a Anitta, as mudanças e os reveses que o funk sofreu nos últimos anos
Por Fernanda Costantino, Lara Vieira, Letícia Castro, Luísa Mello e Luiza Cunha
Na década de 90, era essa a realidade da favela que fazia parte das principais letras de funk. Vinte anos depois, a linguagem é outra: balada, bebidas e sexo. De MC Bob Rum a Anitta e Naldo, as mudanças foram muitas e agora o Rap do Silva, quando toca, deixa nostalgia entre os fãs.
Para Mano Teko, um dos integrantes do Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), o gênero vive o seu pior momento. “Eu escuto várias pessoas falarem que o funk está no seu auge porque está na novela, está no Faustão. O MC Coringa está nesse processo e me deixa feliz, porque eu sei como ele chegou lá. O Sapão e a Anitta também, espero que as carreiras deles continuem assim, só que eu não posso me prender a carreira de alguns. A galera foi sim pra televisão, o que é muito positivo, mas é altamente negativo saber que um jovem não pode ouvir funk dentro da favela.”
Sentados no tradicional Bar do Amarelinho, na Cinelândia, os funkeiros Teko, Pingo e Play se revezavam entre cumprimentar os amigos que passavam e a entrevista. De antropólogos a MCs, todos conheciam os membros do movimento. “Funk é cultura e ponto. A gente conseguiu avançar e aprovar a lei 5534/2009, que reconhece o gênero como cultura.” Apesar da legislação voltar os olhos da população para o mundo do funk, muitos que começam sua carreira nesta área, ao alcançarem a fama, terminam por se distanciar mais do que contribuir para a propagação do movimento.
“O meu questionamento não é a qualidade do trabalho da Anitta ou do Naldo, o problema é que as pessoas consideram esses artistas o ‘lado do bem’ do funk. Eles preferiram se afastar do movimento, que sempre foi considerado ‘submundo’, para serem vistos pelos grandes empresários. Esses artistas ganharam espaço e podiam debater a questão da criminalização do ritmo, dizer ‘isso que eu faço é funk’, e não renegar o movimento. Parece que eles passaram do limite, ganharam ‘qualidade’ e já não fazem mais parte do funk.”, conclui Teko.
Anitta e Naldo podem dizer que tiveram muita sorte de chegar ao topo. Teko destaca que um fator determinante para alcançar a fama é contar com o apoio de um empresário ligado ao ramo. Porém, a maioria dos funkeiros iniciantes não tem essa oportunidade e acaba sem espaço para divulgar seu trabalho. Na década de 90, muitos recebiam o auxílio da Furacão 2000, que surgiu para lançar no mercado esses novos cantores. “Hoje, para entrar em um DVD da Furacão, o artista tem que pagar R$ 10 mil por uma das 70 faixas do disco. É claro que ninguém que assiste ao DVD aguenta ouvir todas. A Furacão não trabalha mais as carreiras dos iniciantes, só os lança no mercado”, ressalta Mc Pingo.

Um jeito alternativo de divulgar o trabalho é pela internet, como por meio do portal Youtube. Alguns vídeos ganham milhões de visualizações, mas não há um critério de seleção. “Ao mesmo tempo que facilita a divulgação, a web também também deu uma banalizada. Tem muita gente jogando as coisas sem informação, sem procurar se aprimorar, sem ligação nenhuma com o movimento. Muitas vezes, uma parada tosca é o que tem mais visualização”, lembra Teko.
Com reconhecimento desde 1999, o site Funk Neurótico continua sendo uma porta de entrada mais fácil para os que estão começando. Celso Junior, fundador do site, conta que criou o endereço depois que tentou divulgar sem sucesso uma música não muito conhecida em um outro portal. A ideia então foi criar uma página própria para dar visibilidade aos trabalhos de quem está começando. Há critérios: músicas com palavrão, apologia às drogas e conteúdo pornográfico não entram. Como o site é colaborativo, o artista precisa ainda pagar uma taxa para a música ir ao ar, mas Junior garante que o Funk Neurótico pode trazer resultado. “Antes, o funk era praticamente restrito ao Rio, e à baixada Santista. A página ajudou a propagar praticamente por todo o Brasil.”
Funk em tempos de UPP

O DJ Thiago Firmino, nascido e criado na comunidade do Santa Marta, reforça que a entrada dos policiais nas favelas aumentou a discriminação e tirou a liberdade dos moradores. “A gente luta para fazer o óbvio. Quando somos nós que organizamos um baile, os PMs podem até proibir o evento. Agora, quando são eles que decidem fazer um ‘baile da paz’, os caras tocam funk e não são impedidos de nada. Quer dizer, os próprios moradores são discriminados e os policias, que estão no comando, conseguem fazer a festa deles sem problema nenhum.”
Para Teko, é preciso que haja um diálogo entre moradores e policias. “Não tem como a favela seguir as mesmas regras do asfalto. Nós não somos coitadinhos nem queremos ser privilegiados. Queremos é dialogar. Como faz para o morador ter o seu lazer? A gente não quer impor que as festas aconteçam até às 12h do dia seguinte, mas queremos mais flexibilidade. Hoje, o policial, por lei, pode proibir até que um morador escute funk em uma festa de aniversário na própria casa”, aponta o integrante do Apafunk.
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Quase dois anos antes da instauração das UPPs, um decreto já afastava o funk dos moradores da favela: a resolução da Secretaria Estadual de Segurança (Seseg) n° 013. Aprovada em 23 de janeiro de 2007, a medida dá liberdade para que os policiais tenham o poder de decisão sobre qualquer evento ou atividade cultural, sem aviso prévio. “O morador que sempre promoveu a cultura da favela não pode mais fazer sua festa. Estou falando do funk, mas a gente tem vários casos, por exemplo, de bares no Cantagalo, onde foi proibido o uso de televisão por conta da 013”, relata Teko. Para ele, a resolução confere ao policial uma autoridade exagerada, já que o agente pode criar ou abolir novas regras de acordo com seu próprio critério.
Atualmente, a revogação do decreto da Seseg está entre as prioridades da Apafunk. Teko esclarece que a resolução 013 é um resquício da ditadura: “A Fundação Getúlio Vargas fez uma pesquisa para descobrir a origem da resolução, já que ela precisa estar baseada em uma lei. Nesse contexto, descobriram que a lei que origina essas resoluções é da ditadura militar, ou seja, a 013 é inconstitucional.”
Em 13 de agosto, o governador Sérgio Cabral anunciou o fim do decreto e admitiu que os tempos são outros. Apesar do anúncio, a resolução 013 ainda não foi revogada no papel e os moradores das favelas continuam sofrendo com os abusos. ”Se 10% da comunidade do funk se mobilizar, a gente consegue derrubar essa medida. Se houver pressão popular nas ruas, principalmente nessa época de atos e manifestações, a gente chega lá”, previu Teko.
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ResponderExcluirMc weltinho do gloria...vai vendo !!!!