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A voz da coragem

Por Bianca Alcaraz e Luciana Maline

 

Ela decidiu abandonar o conforto do lar para tomar as rédeas de sua vida. Roseli Gomes de Araújo, servidora pública, 50 anos, há 20 encontrou em Tânia um porto seguro. Uma companheira para toda a vida, como ela mesma define. A mãe de dois filhos fez da insatisfação um impulso para soltar sua voz. O segredo? Coragem.









Roseli de Araújo exemplifica a mulher que não tem medo de soltar sua voz. Foto: Arquivo pessoal


1- É muito comum as mulheres alegarem que permanecem em uma relação por comodismo ou, até mesmo, por medo de ficarem sozinhas. Como você lida com essas questões e o que te motivou a terminar um casamento de dez anos?

A gota d’água foi ter percebido que eu não gostava mais de quem estava do meu lado. No início, eu pensava: “eu ainda gosto, então vamos tentar”. Eu casei apaixonada. E durante muito tempo fui apaixonada. Afinal, fiquei dez anos casada. Você vai compartilhando a vida... Eu dividia muito, trabalhava muito com ele. Mas chegou um momento em que eu percebi que ele só sonhava, e eu estava bancando os sonhos dele, não só financeiramente, mas emocionalmente também. Quando percebi que as coisas estavam muito difíceis financeiramente, eu falei pra ele: “Vamos embora! Vamos abandonar isso tudo!” Ele tem família no interior de Minas Gerais, eu disse que poderia pedir transferência da minha matrícula no estado pra lá. Ele poderia arrumar um emprego ou abrir um negócio. Mas ele não quis. Aí você começa a perceber: “não, eu não gosto mais”. Apesar disso, ainda tinha tesão. A cama ainda era uma coisa que funcionava. Mas no dia que a cama não funcionou, foi a gota d’água. Porque pra mim sexo é fundamental. Foi nesse momento que eu pensei: “não dá mais pra ser feliz”.

 

2-Como foi tomada a decisão de quem ficaria responsável pelas crianças?

Quando nós conversamos, a primeira coisa que ele me disse foi: “Os filhos ficam comigo”. Eu nunca tive problema com relação a isso, pra mim os filhos são dos dois. Por isso respondi: “Tudo bem, então me prova que você tem condições financeiras de ficar com eles”. E ele disse: “Você sabe que eu não tenho”. Então já estava resolvida a questão. Ficou combinado que quando ele tivesse condições, as crianças poderiam ficar com ele. O engraçado foi que o meu filho mais velho, na época com 4 anos, me perguntou: “Você não acha que é injusto?” e eu não entendi, pedi pra que ele me explicasse o que era injusto. E ele disse: “Você ficar com dois filhos e meu pais sem nenhum”. Quando eu me mudei pra Niterói o Daniel ficou com o pai, mas não deu certo e logo ele veio morar comigo também.

 

3-A partir da separação, quais foram as dificuldades que você encontrou pela frente e de que modo as superou?

Sozinha, com duas crianças. Uma mulher sozinha é sempre um problema. Eu nunca fui tão assediada na minha vida, mesmo com dois filhos. Assediada por amigos comuns que falavam: “Não, agora você está sozinha, precisa de alguém...”. Mas não era assim, eu não estava procurando, não estava “catando”. Existe ainda a questão de que a sociedade vê uma mulher sem homem como um alvo. As pessoas acham que a mulher que não tem um homem é frágil, ela precisa dessa figura masculina. Para completar, eu ainda tinha que lidar com a questão da dificuldade financeira. Na época, eu saí com um salário de professora, para comprar comida, pagar aluguel, etc. As crianças eram pequenas, tinham 2 e 4 anos, não podiam ficar sozinhas, então eu ainda tinha que pagar alguém pra ficar com elas enquanto eu ia trabalhar. Com o salário que eu tinha, eu consegui alugar uma quitinete, num beco, numa espécie de favela. Mas ainda tive sorte porque a quitinete era na entrada, por isso não precisava subir muito o beco. Além disso, eu ficava preocupada de deixar as crianças com alguém que eu pouco conhecia. Não tinha uma janela no lugar. Não tinha cama. Tinham só os colchões dos meninos, que eu juntava pra dormir todo mundo junto. Você tem que ter disposição, tem que ter coragem para acreditar: “Não, eu vou dar um jeito na minha vida”.

 

4-Em que contexto Tânia, sua atual parceira, surgiu na sua vida e o que ela representa para você?

Tânia surgiu no momento em que eu estava perdida. Saindo de uma relação sufocante, doentia, me afastando de uma pessoa por quem estava apaixonada. Foi uma relação de 3 anos, e quando ela surgiu, primeiro eu não me interessava. Mas ela me conquistou. Eu digo sempre para ela que ela foi corajosa. Quando aconteceu com Tânia, eu ainda cogitava a possibilidade de voltar para aquela relação doentia. Mas ela bancou, graças a Deus. Eu ainda tive momentos de dúvidas, de recaídas, mas ela sempre ficou do meu lado. E aí com ela foi uma outra relação, uma outra história. Eu passei a vida inteira cuidando das pessoas, e ela foi a primeira que cuidou de mim. E cuida até hoje. São pequenos detalhes do dia a dia... Um copo d’água que a pessoa levanta para pegar faz a diferença. O apoio nos momentos de doença, quando você precisa correr pro médico... Ela sempre esteve ali. E a relação com as crianças sempre foi muito tranquila. Essa era uma das minhas maiores preocupações. Eu queria preservá-los. Mas deu tudo certo. Tem coisas que os meus filhos preferem conversar com ela, inclusive. O meu filho mais novo fala que quando ele se casar, quer que a vida dele seja como a nossa, sem conflitos, sem brigas. É claro que às vezes discordamos em algumas questões, mas não brigamos. E foi assim que eu reconstruí minha vida, consegui uma casa, um lugar aonde chegar, um prazer. Mas não é fácil. Homem não é nada que me faça falta, mas também não é nada que eu tenha eliminado. Eu nunca pensei se prefiro homem ou mulher. Acho que é a pessoa. Tem que ser gente, e tem que ser gente boa. Já disse muito para as outras pessoas que a Tânia era minha amiga, minha prima... Hoje, se me perguntarem, eu respondo, é a minha companheira. Outro dia, a mãe do meu neto me perguntou: “Queria saber como você fez pra tomar as rédeas da sua vida”. E eu respondi: “Tem que ter peito, querida. Tem que ter coragem!”.

 

Saiba mais sobre mulheres que não têm medo de soltar sua voz aqui.

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