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‘BOA NOITE, BOM DIA’

Por Alexandre Strachan e Rebeca Letieri


Eles não são atores profissionais, e sequer possuem alguma habilidade para atividades artísticas, salvo algumas exceções. São estudantes, em sua grande maioria, do primeiro e do segundo período de Medicina. Juntaram-se a outros estudantes da área da saúde, além dos agregados de outras áreas. Baseada nos famosos Doutores da Alegria, a equipe do “Boa Noite, Bom Dia” procura trazer um pouco mais de alegria e cor ao ambiente comumente triste e preto e branco do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), que fica no Centro da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. O público-alvo, diferente do que se espera, são os estudantes dos cursos de graduação na área da saúde, os protagonistas do projeto. Em segundo plano, porém não menos importante, está a clientela hospitalizada. O público atingido indiretamente é formado por acompanhantes, visitantes e familiares dos pacientes, assim como funcionários do HUAP.


O projeto visa a contribuir para o resgate do cuidado à saúde, com um olhar mais sensível e humano, fortalecendo a valorização dos pacientes como sujeitos. Para os idealizadores e adeptos do grupo, proporcionar aos participantes a possibilidade de convivência e de maior aproximação com a população certamente contribui para a formação de melhores profissionais, mais humanos, críticos, responsáveis e éticos, conforme as diretrizes do Ministério da Educação (MEC), do Pró-Med Medicina Diagnóstica (PROMED), do Projeto Pedagógico Institucional da UFF (PPI/UFF) e do Sistema Único de Saúde (SUS).




[caption id="attachment_5335" align="aligncenter" width="470"]Visita às enfermarias Visita às enfermarias / Foto Rebeca Letieri[/caption]

O Projeto “Boa noite, bom dia HUAP!” (BNBD) nasceu da proposta de um acadêmico de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) e se tornou um projeto de extensão universitária no início de 2008. Desde então, tem sido coordenado por professores do Departamento de Saúde e Sociedade, que compõe o Instituto de Saúde da Comunidade da UFF. Atualmente, participam dois professores desse departamento com formação médica, a coordenadora do projeto, Dra. Lenita Lorena e Fernando Bragança, e uma terapeuta ocupacional, do mesmo departamento, Celia Sequeiros. “O Hospital Universitário tem muito movimento de manhã, de tarde um pouco menos e à noite fica muito vazio. Já não tem estudantes circulando, certas pessoas estão de plantão, os pacientes ficam mais tristes e mais solitários. Então a ideia inicial era levar alguma atividade à noite para os pacientes dormirem melhor e no dia seguinte terem um dia melhor ainda”, afirma Lenita. Para Fernando, o cansaço do dia é compensado no final da noite. O professor citou exemplos de pacientes que mesmo em estado grave, ou deficiência visual, por exemplo, conseguem ser afetados pela música. Ainda assim, Fernando afirma que sexta é o pior dia. “Porque quem fica no final de semana é quem não teve alta na sexta”.




[caption id="attachment_5336" align="aligncenter" width="470"]DSC_0062-002 Fernando Bragança tocando violão / Foto Rebeca Letieri[/caption]

Bom dia, calouros


E como todo bom e tradicional calouro, ansioso para entrar em contato com as práticas da profissão e aderir a tudo e qualquer tipo de oportunidade que a faculdade oferece, ele é o principal público-alvo do projeto. Um tipo de disposição a curto prazo, que acaba, segundo os professores, quando o tempo começa a apertar, e as disciplinas começam a pesar mais do que o de costume. No primeiro período, a grade curricular obrigatória soma um total de 720 horas, o que resulta em uma média de 7h de aulas por dia durante todo o semestre, de segunda a sexta. A profissão carrega, e não é de hoje, um peso significativo de dedicação, compromisso, e responsabilidade, que nem se compara a outros cursos, mesmo dentre os mais tradicionais, como Direito e Engenharia. A questão discutida aqui não é o valor de uma sobre a outra, e sim, o discurso que a primeira carrega: “para fazer medicina, tem que gostar, e muito”. O caso é de vida ou morte, literalmente. São seis anos de graduação, somado a, pelo menos, mais dois anos de residência, que vão preparar os próximos "salva-vidas de branco".


Os participantes são divididos em grupos, coordenados por um profissional de saúde ou docente, que realizam visitas semanais, segundas, quartas e sextas-feiras, a enfermarias do HUAP, incluindo CTIs, pediatrias, e etc., no horário de 18h30 às 20h, sem incluir a preparação e organização da visita nos trinta minutos antecedentes. O projeto dispõe de fantasias, adereços, instrumentos musicais, dobraduras (origami), jogos (de tabuleiro, memória, etc.), materiais gráficos e expressivos diversos para estimular a interação entre estudantes e pacientes. A música, assim como outras atividades lúdicas (mágicas, fantoches, brincadeiras, palhaçaria, etc.), complementam as intervenções como fator principal de uns anos pra cá. Periodicamente, os participantes de todos os grupos se reúnem para avaliar, discutir as estratégias e atividades realizadas e sugerir novas abordagens. Oficinas de capacitação são promovidas para favorecer e aprimorar o desenvolvimento de habilidades artísticas e comunicativas. “Eu queria fazer coisas diferentes quando vim pra UFF. Sempre lidei com arte, e achava que os alunos precisavam disso. Eles entram no curso, muitas vezes, com habilidades artísticas - muitos tocam piano, violão, e etc. - que vão deixando de lado por ser uma profissão que requer dedicação exclusiva. E a arte é um grande aliado", ressalta Célia. "Eles vão perdendo a noção de corpo, por exemplo, durante o curso, porque o corpo que eles investigam é um corpo morto. E esse projeto fala da vida”.


A música, marca registrada do grupo, que conta com um ou outro aluno com habilidades instrumentais, é a atividade mais bem recebida dentro do hospital. “Reflete no bem-estar do paciente e no nosso trabalho, porque se o paciente fica mais feliz, isso torna o nosso trabalho muito mais leve. Às vezes, o humor do paciente influi até mesmo na melhora do estado de saúde dele, ou piora, dependendo do caso”, ressalta a enfermeira Josélia, que trabalha há mais de 10 anos no hospital.




[caption id="attachment_5337" align="aligncenter" width="470"]Grupo do BNBD cantando e dançando no corredor do HUAP Grupo do BNBD cantando e dançando no corredor do HUAP / Foto Rebeca Letieri[/caption]

Entre os idosos, a preferência é sempre a mesma: Roberto Carlos, e canções religiosas, são as mais tocadas, entre as opções de um grande livro de partituras. Atingindo desde pacientes em estado estável a estado grave, a melodia é capaz de fazer o paciente em seu mais alto grau de “demência” mexer o corpo. Com os olhos brilhando, e os pés num ritmo frenético, seu Dorival, ex-motorista de taxi, de 77 anos, internado por Parkinson e Alzheimer, desde o dia 28 de abril, se emociona ao ouvir as músicas tocadas pelos meninos, que muito gentilmente se aproximam de sua cama no hospital. A professora Simone Barbosa, sua filha e acompanhante, explica que há muito não via o pai em estado de transe e alegria, e se emociona sem vergonha, pela felicidade exaltada. "Determinadas musicas provocam reação nele. Eu estava aqui encantada com isso. Minha mãe é muito católica, a música do padre Marcelo mexe com ele em um outro nível", comentou Simone. "Ele não está aqui, ele está no meio do trânsito, mas ainda assim, a música desperta alguma memória nele”. E completa: “Todos os dias Deus me prova que está presente de alguma forma, e hoje ele está aí, provando com música”.




[caption id="attachment_5338" align="aligncenter" width="470"]Paciente recebendo música Paciente recebendo música / Foto Rebeca Letieri[/caption]

Além dos jogos e brincadeiras, projetos de pesquisa são desenvolvidos, dando oportunidade de participação a alunos interessados na Iniciação Científica, que é uma atividade optativa nos currículos. Dentro do tema, a professora Célia Sequeiros, especializada em arteterapia, fez uma dissertação de mestrado sobre o projeto, responsável por trazer uma visão mais ampla das consequências que ele trouxe, e traz a todas as partes envolvidas. Em sua pesquisa, o depoimento de ex-alunos que fizeram parte do projeto, e hoje são formados no curso, ou residentes do hospital, foi importante para reforçar os benefícios que a participação traz para a vida profissional do graduando. O contato estabelecido entre médico e paciente que só acontece a partir do 5° período de medicina se antecipa, e faz com que, mais tarde, essa experiência seja reaproveitada. "A maioria falava da diferença na aproximação com o paciente, em comparação com os colegas que já estavam lá no quinto período e começaram a entrar na enfermaria. Para eles era muito mais fácil", comentou Célia. "Tem muitos alunos que se emocionam. Nunca aconteceu de um aluno desistir por isso, pelo contrário, é sempre uma motivação. Eles vão começar a enfrentar essa situação no dia a dia deles depois, mas de uma forma que eles possam construir essa maneira de estar". E acrescenta: "Essa coisa da fantasia dá a oportunidade do aluno se personificar. Uma hora você está ali como aluno, outra hora, está como palhaço".




[caption id="attachment_5339" align="aligncenter" width="470"]Alunos fantasiados de palhaços Alunos fantasiados de palhaços / Foto Rebeca Letieri[/caption]

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