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O forjador de arqueiros

Com mais de 50 anos de dedicação ao Tiro com Arco, Seu Wilson apresenta humildade de aprendiz


Por André Borba, Felipe Magalhães e Gabriela Antunes


Fotos de Felipe Magalhães


O banheiro mais próximo estava em reforma. O jovem Wilson Rodrigues precisou, então, tomar a ducha em outro, mais afastado. Após o treino do Tênis de Mesa, o rapaz caminhou por um trecho pouco explorado do Club Municipal em busca do local para a higiene. Ali, meio afastado de tudo, encontrou uma porta aberta e resolveu espiar. Em um campo grande, plano, perfeito para uma pelada, viu dois senhores praticando o esporte que lhe daria um novo sentido para a vida.

- Bom dia – eles disseram.

- Bom dia – respondeu Wilson, tímido

- Gostou?

- Gostei.

- Então vem para cá que a gente te ensina – propuseram.

- Hoje eu não posso. Amanhã eu dou uma passadinha aí – prometeu. No dia seguinte, lá estava ele. A data 18 de outubro de 1963 ficou marcada para sempre na memória do rapaz. Foi quando ele praticou, pela primeira vez, o Tiro com Arco.

Aaos 82 anos (83 em agosto, faz questão de frisar), o Seu Wilson perdeu as contas de quantos alunos já passaram pelos seus treinos. Pudera, são mais de 50 anos de dedicação ao esporte. Ele é considerado como o treinador mais velho no Brasil. “Aqui eu tive uma pentacampeã brasileira, um hexacampeão brasileiro e tive uma colega de time que foi decacampeã brasileira. E muitos outros que não foram campeões, mas foram segundo, terceiro lugar”, orgulha-se.

Com os olhos voltados para o passado, relembra uma fase de ouro para o Tiro com Arco no Rio de Janeiro. No final da década de 1960, existiam, segundo suas contas, cerca de 10 clubes que se dedicavam ao esporte na cidade. Hoje, há apenas quatro. “Tinha bastante gente atirando, mas as distâncias eram menores. O máximo era 30 metros. Depois começou a aumentar e o pessoal começou a sumir”, conta Wilson. Nessa época, em que os arcos e flechas ainda eram de madeira, o esporte atraía muitos adultos. “A maioria já era coroa. Com o passar do tempo, as pessoas foram ficando mais velhas, morrendo...”, lamenta.

[caption id="attachment_4726" align="aligncenter" width="470"]14061543290_6ee52bb44a_o Wilson Rodrigues: tradição no Tiro com Arco[/caption]

Atualmente, as flechas são de carbono com o interior de alumínio. Os arcos não são mais inteiriços e se dividem em duas lâminas e o punho. Mas não foi só o material que mudou. As idades dos atletas passaram a variar muito. Seu Wilson ressalta que os mais novos desistem facilmente. “O jovem não dura muito. Eles somem rápido. É um esporte muito individual. Se o cara gosta, ele fica”, ressalta o treinador, responsável por 20 atletas no Club Municipal.

Com o passar dos anos, os materiais foram aprimorados. A partir de então, os recordes passaram a ser mais difíceis de serem batidos. “O recorde de 50 metros é 357/358 pontos de 360. Naquela época era 316, 320. Para você ver como é que cresceu. Participar de competições lá fora era muito mais fácil”, opina Seu Wilson.

[caption id="attachment_4729" align="alignright" width="300"]14246040572_a4bd45e39d_o Há 51 anos, Seu Wilson se dedica ao esporte[/caption]

No cenário internacional, a Coreia do Sul é o país que mais se destaca em torneios mundiais e Olimpíadas. O Tiro com Arco é uma prática comum nas escolas e universidades do país e estima-se que 100 mil sul-coreanos pratiquem o esporte. “É muito difícil competirmos internacionalmente. Antes dos Jogos Olímpicos, o atleta sul-coreano é dispensado do trabalho e se dedica só ao esporte. O cara já chega na competição disparando a flecha bem no centro do alvo. É o esporte nacional deles”, explica. Também veterano no esporte, o treinador asiático e o Seu Wilson compartilham a mesma idade.

Antes, acompanhava de perto a delegação brasileira e o seu desempenho nas Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos e Mundiais. Com o passar dos anos, a disposição para as viagens diminuiu. “Viajar não é brincadeira, não”, sentencia. A televisão, assim, passou a ser fundamental. “Pela TV eu acompanho. E eles me avisam, me ligam. Eu sei tudo o que os meus atletas fazem. Dou muita bronca”, ressalta o treinador.

Além de ter criado a Federação de Tiro com Arco do Estado do Rio de Janeiro (FETARCO) Seu Wilson também ajudou na criação das de São Paulo, Minas Gerais e da nacional, o CBTARCO. Com o passar dos anos e a experiência nas costas, o experiente treinador passou a se dedicar somente às aulas no Club Municipal. Ele não atira mais desde setembro de 2013, por conta da bursite. A dedicação ao ensino continua, com paciência e humildade de aprendiz. “Não quero mais nada, só o arco e flecha”, declara.

 

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Um comentário:

  1. […] Conhecido por seu temperamento severo e rígido, suas ações foram importantíssimas para que a primeira célula do Kyudô no Brasil tivesse um endereço, um local apropriado para crescer. Registramos aqui a tristeza na perda de uma pessoa que literalmente dedicou a sua vida a uma causa. Para quem quiser conhecer um pouco mais de sua história, recomendo a leitura desta matéria de Junho deste ano, no link abaixo: http://jornalocasarao.com/2014/06/01/o-forjador-de-arqueiros/ […]

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