Navigation Menu

O retorno do chiado

Por João Pedro Soares, Luis Pedro Rodrigues e Rafael Bolsoni


Nos anos 90, um colecionador de LPs tinha facilidade em encontrar amigos desfazendo-se de coleções inteiras, acumuladas durante anos, quando o disco em vinil era a principal mídia de reprodução musical. Com o surgimento do CD, deixou de fazer sentido, para muitos, acumular um material que ocupava tanto espaço, enquanto se poderia ter uma mídia compacta, com um som digital, considerado mais “limpo”. Hoje, o vinil voltou a ser uma realidade. Os motivos são diversos, mas, em síntese, uma parcela do público que consome música teve a percepção de que os diferentes formatos podem conviver em harmonia, sem que a inovação tecnológica de um deixe o antecessor no ostracismo.


O retorno do vinil vem motivando o surgimento de diversos eventos que têm como objetivo reunir colecionadores e vendedores. Um dos maiores acontece, semestralmente, no Instituto Bennett, no Rio de Janeiro. Trata-se da Feira do Vinil. Em sua décima edição, a Feira reuniu 3 mil pessoas. Engana-se quem imagina que o público seja formado, exclusivamente, por quem viveu a época em que o vinil era a principal mídia. Os jovens são tão numerosos quanto eles, e há, até mesmo, pais e filhos que, hoje, dividem a coleção. Para o organizador da Feira, Marcelo Maldonado, de 46 anos, a procura dos jovens é motivada pelo fato de o LP proporcionar uma experiência que vai além da mera reprodução musical.


Imagem


"Há uma conjunção de fatores, incluindo um certo saudosismo. O LP provoca uma memória afetiva nas pessoas, que o CD não provoca, evidentemente. Principalmente, na geração de 30 anos para cima. Um pouco abaixo disso, talvez. O novo formato de vinil que está saindo é o chamado 180 gramas. Então, a qualidade de som, que já era boa, está absurda. Eu gosto muito de uma frase que me foi dita por uma menina, na 5ª edição da feira. Ela deveria ter uns 18 anos, estava revelando um excelente gosto e me falou: 'Sabe o que é, moço? A gente chama os amigos para tomar uma cerveja ou um vinho e se reúne para ouvir um LP. A gente não faz isso com o CD'. Aquilo, para mim, foi emblemático”.


Maldonado também destaca que o movimento de substituição do vinil pelo CD só ocorreu de forma tão abrupta no Brasil. “Com a entrada do CD, na década de 90, a produção de LPs foi paralisada. Isso nunca aconteceu lá fora. Os EUA, Europa e Japão sempre mantiveram suas produções, mesmo que em menor escala. Recentemente, uma das lojas mais famosas de Londres anunciou que o LP responde por 68% de sua vendagem. Isso é muito significativo. Além disso, mesmo na época de vacas mais magras, vários pesos pesados da indústria fonográfica peitavam-na para terem seus trabalhos lançados em LP, também. São exemplos Madonna, U2, Pearl Jam, Rolling Stones e Amy Whinehouse. Lá fora, está saindo tudo em LP. Ocorre um novo boom do vinil. Aqui, ainda é uma coisa mais lenta. A gente torce para que não seja só uma “modinha”, oxigenada por essa nova geração de artistas que também estão lançando seus trabalhos em LP”.


Imagem

Um disco novo, no Brasil, custa uma média de R$ 100,00. Já os vinis usados podem ser encontrados em sebos, lojas de revendas e feiras a preços bem mais modestos, variando de R$ 5,00 a R$ 30,00. Porém, as raridades têm maior valor, e podem chegar a R$ 180,00. Em um mundo no qual é possível baixar a discografia de um artista de forma gratuita, sem sair de casa, pode parecer irracional gastar essa quantia para consumir somente um disco. Mas, para os amantes do chiado, não é possível pensar dessa forma.




"Tem uma coisa que não adianta, nenhum CD, nem MP3 substitui: o objeto. Você manusear o encarte, as fotos, o crédito, tudo faz parte da experiência. Quando teve o advento do MP3, eu chamei de música sem rosto. A pessoa pega o pendrive, baixa tudo que quiser na internet e coloca lá. Às vezes, não sabe o nome da banda, da música, de nada. No vinil, quando eu comprava, via a ficha técnica e quais foram os músicos que gravaram. A gente não tinha internet, então, só via fotos da banda no interior do disco", afirma Sérgio Carvalho, de 56 anos, que hoje divide sua coleção de vinis com seu filho Francisco Carvalho, de 25, e é responsável pelo Espaço NECTAR, em Vargem Grande, que busca manter viva a cultura dos anos 70.


Imagem


Para os pesquisadores da música, o retorno do vinil é visto de forma extremamente positiva. Apesar das facilidades que a internet oferece, a dispersão das informações não permitem um aprofundamento. O tecladista da banda O Rappa, Marcos Lobato, acrescenta, ainda, a consonância do formato com o próprio ritmo da vida humana. "Com essa visão tecnológica, há uma overdose de informação. As pessoas acabam lendo menos, com mais superficialidade. Baixam toda a obra do artista, sem conhecer o que aquilo representa. Com o vinil, você tem uma experiência sonora mais rica. Fora que o som é melhor. A curva sonora do vinil está mais adaptada à do nosso ouvido. É tudo mais interessante. E tem essa coisa de ser mais lento, porque o nosso ritmo não é digital. A gente anda, respira, faz cocô. Então, o vinil tem essa coisa do ritual e até do cuidado. Tudo isso dá uma baixada de bola nessa exasperação, nesse ritmo muito acelerado, que é só mental, e não real. Hoje, apesar de ter muita informação, falta cultura e criação de conteúdos interessantes".


Ao que parece, a procura pelo vinil só tem aumentado. Dessa forma, os fãs do formato ficam na expectativa por uma redução nos preços dos novos e usados e, também, pela gravação de novos artistas em LP. É no Brasil que a Polysom mantém sua única fábrica na América Latina, localizada no município de Belford Roxo, no Rio. Segundo o representante da gravadora, Michael Meneses, de 39 anos, o vinil veio para ficar.


Imagem

"A cada feira que passa, mais gente está interessada em comprar vinil. Colecionadores antigos nunca pararam de comprar, e compram cada vez mais. O que mais me surpreende é uma molecada que nasceu com o MP3 em casa e, hoje, está aí comprando vinil. Gente de 14, 15 anos comprando bandas que acabaram muito antes de ele nascer. Público para consumir e colecionar vinil é o que mais tem. É uma bobeira pensar que a mídia física, seja vinil ou CD, está com os dias contados. Baixar faz parte e, para conhecer, é bacana. Mas ouvir vinil é uma arte. Tem toda uma magia: a capa, que é maior e mais trabalhada; o encarte; é você sentar na sua casa e colocar a vitrola para tocar com um vinil bacana. Tem gente que reclama de ter que mudar o lado, de arranhar o disco. Mas quem escuta vinil não liga para isso".

0 comentários: