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Um negócio rentável entre o saudosismo e a moda

Por João Pedro Soares, Luis Pedro Rodrigues e Rafael Bolsoni Bastos


Quais são as profissões em que você pode trabalhar de bermuda e ganhar quatro vezes mais do que em um emprego na indústria de petróleo? Não são muitas, mas é em uma delas que Fábio Pereira, de 45 anos, trabalha. Em 2000, ele largou o seu cargo na distribuidora de combustível Ipiranga, onde trabalhou de terno e gravata por 12 anos, para investir em um novo mercado. “Eu estou há 15 anos nesse negócio e sou feliz; ando de bermuda o dia inteiro”, revela. Segundo Fábio, a rentabilidade é grande: “Têm meses que dá pra fazer mais de R$ 10 mil, R$ 15 mil, mas têm meses que você não faz R$ 5 mil. Uma vez um gringo veio aqui e, em um dia, gastou R$ 7 mil”. Para manter esse trabalho, Fábio diz que precisa de um depósito – nesse caso, o seu apartamento –, um carro e muita disponibilidade de tempo e paciência para organizar os seus 30 mil discos. É esse o rentável negócio que Fábio descobriu há 15 anos: vender discos.


Em um apartamento, que usa como estoque, apenas o banheiro não guarda vinis. As paredes parecem ser de capas que vão até o teto. Nos dois quartos, sala, escritório e cozinha, os discos se amontoam no chão e nas prateleiras. Fábio diz que tenta dar ordem no que chama de “império de discos”. O exército de vinis só nos cedeu um espacinho pequeno para a entrevista e parecia querer brincar de pique-esconde: em uma rápida olhada, eu achei um Clube da Esquina, um do Caetano, um da Gal e um outro do Pixinguinha.


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Seu empreendimento – que mantém sozinho – começou no ano de 1998, quando usava os fóruns de internet para trocar os discos de hard rock, que colecionava. Em um desses fóruns, um gringo sugeriu ao Fábio: “Se você me arrumar um disco do Marcos Valle, eu te pago R$S 80”. Foi o primeiro lampejo que aquilo poderia lhe render lucro. Então ele inverteu tudo: em vez de trocar, passou a vender, e, em vez de rock, investiria na bossa-nova. Em dois anos, conseguiu juntar 3.500 bolachões peregrinando pelos sebos e de doações; vendia tudo para exportação através de seu site. Ele entrou no que chama de “cadeia alimentar de disco”, que começa com a pessoa que ganha um vinil do vizinho que não quer mais, vende pra alguém que conhece o seu valor no mercado por R$ 5; esse vai vender por R$ 50 pra um estrangeiro e, às vezes, o estrangeiro ainda vai vender por US$ 50 no seu país.


Mas o cenário anda mudando; tanto o mercado quanto o público nacional cresceram, principalmente entre os jovens de 15 a 20 anos. Fabio passou a vender em feiras de discos, eventos e até abriu as portas do seu apartamento, há três anos, para os clientes. Ele conta que, depois que essa garotada descobriu os Novos Baianos, o LP Acabou Chorare passou a ser o disco mais vendido; seu preço de R$ 80 foi pra R$ 120. Há tantos eventos e procura por vinis, que Fábio reclama de ficar sem tempo: “Eu podia agora estar na praia, mas vou perder todo o meu sábado revirando esses discos, enfurnado nesse apartamento, para escolher 500 que vou levar amanhã para a feira”.


Nessa área, o vinil deixa de ser um objeto pra se ouvir música e passa a ser tratado como fonte de lucro. Fábio admite até que perdeu aquela paixão que tinha de comprar o disco e ir correndo ouvir em casa. Há vezes que ele nem consegue ouvi-los: “hoje, como o tempo entre a compra e a venda é muito rápido, eu não tenho chance nem de ouvir os discos que compro”. O profissionalismo chega ao limite de Fábio não querer aparecer nas fotos de divulgação, porque poderia atrapalhar os negócios. Segundo ele, as pessoas poderiam deixar de doar ou vender barato os seus vinis ao saberem que ele revende por um preço bem mais caro.



Eu podia agora estar na praia, mas vou perder todo o meu sábado revirando esses discos, enfurnado nesse apartamento, para escolher 500 que vou levar amanhã para a feira.

Sobre as novas bandas que estão lançando suas músicas nesse formato antigo, Fábio não quer nem saber, não é rentável para ele. O público o conhece pelos discos usados e raros de época e, de preferência, nacionais. Mais de 85% do seu “império de discos” são brasileiros da década de 60 e 70. “Eu tenho um disco aqui que vale R$ 3 mil do Moacir Santos, Coisa. Ele saiu no ano de 65 com 500 cópias. Esse disco não tem mais em lugar nenhum e eles saem muito rápido”, revela o dono do “império”.


A divulgação acontece no site e pelo Facebook. O site ele usa mais para exportação. Nas redes sociais é onde ele tem o público mais fiel, que espera chegar o final da tarde pra acompanhar as postagens dos novos discos. Fábio explica como funciona: “A negociação acontece pela ferramenta inbox do facebook. Às vezes, depois de uma compra, eu faço uma foto ainda no carro e naquele momento mesmo eu já vendo. É rápido. Faço a foto, vou pro inbox, falo o preço, dou a conta do banco e acabou”.


Se essa febre por discos, principalmente entre os mais novos, vai continuar, ninguém sabe – nem ele. Mas a fixação que as pessoas têm pelas capas enormes dos discos e o gosto que muitos têm de ouvir somente em vinil garantem a continuidade da profissão do Fábio: de vendedor de discos.

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