A busca pela verdadeira identidade que permita o autoconhecimento e a aceitação social
Por Gabriela Vasconcellos, Marcela Macêdo e Mariana Penna
“Eu nunca brinquei de boneca, menstruei com dez anos e não entendi nada. Começaram a nascer seios e eu não queria usar sutiã”. Foi dessa maneira que Marcos Vinícius Belarmino, aos poucos, descobriu sua verdadeira identidade. Hoje, aos 22 anos, o jovem conta que teve uma infância difícil, pois os pais, os únicos que pareciam aceitar sua essência, morreram durante a adolescência do rapaz.
Órfão, Marcos se mudou para a casa de seus tios. Discriminado e obrigado a assumir uma identidade que não lhe pertencia, o garoto conta que precisou insistir nos padrões femininos impostos pela família. “Tive que me tornar uma menininha, andar que nem uma princesa. Emagreci, alisei meu cabelo, e o deixei comprido”, conta. Agindo sob pressão, ele ainda precisou lutar contra a própria sexualidade. Contudo, após constatar que o namoro com um homem jamais daria certo, Marcos optou por sair da casa dos tios.
Depois de conhecer um rapaz transexual, o jovem decidiu mudar de aparência. Corte de cabelo, tentativa de esconder os seios e novas roupas foram suas primeiras transformações. O segundo passo foi se relacionar com uma mulher virtualmente. No entanto, o namoro frustrou o rapaz, que ao encontrar a moça, sofreu novamente discriminação. Segundo ele, a garota afirmou preferir namorar um homem de verdade a uma mulher que parecesse um homem. Assim, a vontade de se masculinizar aflorou ainda mais.
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Atualmente, Marcos toca em uma banda e cursa faculdade de Letras, mas tem dificuldades para seguir uma vida normal. O medo da discriminação o impede de sair de casa com frequência. O rapaz ressalta que o preconceito é fruto da ignorância da sociedade ao lidar com a questão. A falta de entendimento fez também com que perdesse o contato com os familiares. Ainda de acordo com ele, muitas pessoas confundem transexualidade com homossexualidade.
O transexual recorda um caso em que foi agredido verbalmente. “Um namorado de uma amiga minha falou: ‘É homem que nem você ou homem que nem eu, com bolas?’. Meu sangue subiu na hora”, admite.
Os próximos passos de Marcos ainda giram em torno de sua aparência. O jovem junta dinheiro para realizar a cirurgia de retirada dos seios e se prepara para o início de um tratamento hormonal, que deve acontecer em breve. “Vou ter mais elos, minha voz vai engrossar, meus seios começarão a atrofiar e meu corpo vai ficar mais masculino. Vai mudar tudo, não vejo a hora!”, relata, entusiasmado.
Ele conta também com o auxílio de uma psicóloga para lidar com os problemas que aparecem pelo caminho. Entretanto, já possui suas escolhas futuras bem definidas. Marcos quer ser pai, seguir a carreira de professor e construir uma nova família.
O jovem confessa ainda que não se sente representado. Segundo ele, muitos esquecem dos transexuais no movimento LGBT, que agrega lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Marcos diz que gostaria que o movimento ajudasse a divulgar mais informações sobre a classe, para que esta conseguisse mais respeito.
Uma questão muito discutida, e que representa grande barreira para pessoas trans, é o fato de a transexualidade ainda ser considerada uma doença da ordem da psicose. Para muitos especialistas, o que caracteriza essa patologia é uma pessoa se propor a viver outra realidade, neste caso, mutilar-se a fim de transformar o próprio corpo em algo que ele não é.
Um olhar científico
De acordo com a psicanálise, a psicose corresponde a um funcionamento psíquico que obedece a um princípio de rejeição primordial, que consiste na expulsão de ideias ou pensamentos próprios, os quais passam a ser tratados como estranhos ou não acontecidos. Como um efeito, pode ocorrer a cisão do eu em duas partes, uma que é e outra que não é reconhecida como própria. E quando os pensamentos não reconhecidos são localizados em outras pessoas, é caracterizada a psicose como paranoia.
As principais características clínicas de uma psicose são delírios, alucinações e alterações da consciência do eu. A memória e o nível de consciência não são prejudicados. Se isto acontece é devido a outras alterações clínicas, bem como a substâncias psicoativas.
Para o psicólogo Júlio D’Amato, existem dois caminhos para pessoas que rompem com o padrão de gênero já instituído. Primeiro, considera-se a hipótese já levantada da psicose, quando a pessoa se vê como outro tipo de ser que não é e altera seu corpo para que pertença a outro sexo. Por outro lado, podemos encará- los como pessoas que verdadeiramente bancam uma realidade, uma condição muito corajosa. “Alguém que se flagela, se mutila na defesa de uma sexualidade merece uma atenção, seja na ordem de uma psicose ou de uma valentia sem precedentes”, declara.
Para Júlio, a discussão do assunto é importante para que possamos superar preconceitos e consigamos aceitar as diferenças na sociedade. Por mais que exista uma grande sensação de inutilidade nos debates deste assunto, muito já foi conquistado, visto que qualquer mudança social demanda bastante tempo. Hoje é possível conversar sobre transgênero de uma maneira menos traumática do que há cinco anos. As crianças, por exemplo, já lidam com essas situações de maneira muito melhor do que as outras gerações. Pois não conseguem ver preconceito, a não ser que sejam influenciadas.
El@s precisam ser mostrad@s para acabar com o sentimento de aberração. Só o que a gente desconhece nos espanta. Julio D'amato, psicólogo
Um grande passo para administrar esta situação é dar direito de trabalho a essas pessoas, e impedir que a sociedade os deixe no desvio, como aleijados do mundo do trabalho. “Não se entende o direito que alguns acham ter de colocar os diferentes em um armário escondido. Eles precisam ser mostrados para acabar com o sentimento de aberração. Só o que a gente desconhece nos espanta. Quem sabe um dia possamos ver essas pessoas como alguém que precisou de uma mudança pra se encaixar”, diz o especialista. A contradição é que os transexuais submetem-se a tantas mudanças porque se sentem fora de contexto, acreditando que desta forma vão se encaixar melhor na sociedade. Com essa tentativa, acabam sendo colocados à margem social, excluídos pelo preconceito que ainda predomina.
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