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Combinação que vence jogo

ImagemImagemRelação próxima entre organizadores e dirigentes de atléticas é o segredo do sucesso dos jogos universitários

Por Marcos Kalil, Paula Rodrigues e Rafael Bolsoni


Fotos: Thiago Machado





Nos últimos anos, um fenômeno vem se destacando no ambiente universitário carioca: as Associações Atléticas. Organizações estudantis voltadas para o esporte, elas ganharam visibilidade ao atrair cada vez mais jovens para competições e festas. Os jogos universitários, usualmente realizados em cidades do interior do estado, chegam a reunir 6.000 pessoas, em torno de disputas entre faculdades e latas de cerveja. O público-alvo desses eventos, para os quais as Atléticas se preparam ao longo do ano, paga cerca de 500 reais por um pacote que inclui transporte, hospedagem, quatro dias de jogos e três festas. Caneca na mão, nome da faculdade estampado no peito, grito na garganta e muita disposição para aguentar a maratona esportes-álcool-festas. Esse é o clima das 96 horas de evento.


Victor Max Melo, 22 anos, é uma das figurinhas carimbadas que podem ser vistas, em dias de competição, a todo gás pelas ruas das cidades que sediam esses eventos – Vassouras, Volta Redonda, Friburgo, Petrópolis. E não poderia ser diferente. Afinal, o estudante de Engenharia Agrícola e Ambiental é presidente e fundador da Atlética de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF), a Associação Atlética Pio Orlando, cujo nome é uma homenagem ao zelador que há 40 anos trabalha no Campus. Ao ingressar na Universidade, em 2010, Victor, que desde a 5ª série competia pelas escolas onde estudou, resolveu criar a Atlética a fim de não perder a paixão pela disputa esportiva. O presidente também não abre mão do cargo mais alto da Associação, que ocupa desde o início. “Eu tinha esse sonho e não via ninguém com potencial para fazer, só gente querendo ‘sugar’. Eu montei a receita do bolo. Se outra pessoa entrar, vai acabar tudo. Quando eu vir a necessidade, a gente muda”, disse o estudante.


Um mês antes de fundar a Atlética, Victor também ajudou a dar forma ao Intereng, os Jogos Universitários de Engenharia. “Eu costumava fazer súmula de jogos de handebol e vôlei. Um dia, na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), um moleque de lá me perguntou: ‘O que acha de criarmos os jogos para o nosso curso, como os Jogos Jurídicos (Jogos de Direito) e o OREM (Jogos de Medicina)?’ Topei na hora”. Mas se já é difícil organizar uma pelada, que dirá um evento com mais de 15 modalidades esportivas. O problema foi resolvido de imediato: estavam presentes na ocasião alguns sócios da JC2, empresa organizadora de competições esportivas, que compraram a ideia.


Formada por ex-alunos e integrantes da Atlética de Direito da UERJ, a JC2, cuja razão social faz alusão aos nomes ou sobrenomes de quatro sócio-fundadores – Juan, João e os irmãos Rafael e Daniel Cotta –, ingressou nesse mercado, quase nada explorado, em agosto de 2010. A empresa venceu a primeira concorrência feita com outras empresas para a organização do OREM, realizado dois meses depois. Desde então, monopoliza esse segmento ao organizar os principais eventos, como o Jucs, Jogos Universitários de Comunicação Social, e o Intereng, ambos realizados recentemente em Vassouras, além do Super 15, que na última edição reuniu 21 Atléticas de diferentes instituições.


O negócio surgiu de uma necessidade de emprego de Juan Guillermo Souza, 30 anos, então estudante de Direito na UERJ, após perceber que não seria efetivado em seu estágio. Como tinha experiência em organizar esse tipo de competição, visto que a atlética de direito da UERJ organizou os Jogos Jurídicos de 2003 a 2010, convenceu os irmãos Cotta, presidente e vice-presidente da Atlética à época, a embarcarem na ideia. “A dificuldade que tínhamos como atlética, enxergamos no mercado também. As empresas não se interessavam em organizar eventos universitários, achavam uma bagunça. Então, nós pensamos: ‘Cara, vamos tentar fomentar esse mercado de alguma forma!’”, explicou Juan.


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O objetivo inicial da JC2 era organizar os Jogos Jurídicos no Rio de Janeiro. No entanto, por serem da UERJ, foram rejeitados pela Liga Jurídica Estadual que, de meados de 2005 até hoje, organiza a parte esportiva desse evento. A Liga é formada por seis faculdades fundadoras, dentre as quais o Direito da PUC-Rio, à época liderado por Marcelo Queiroz, atual vereador mais jovem da cidade. Após esse primeiro fracasso, surgiu a oportunidade de conduzir a parte esportiva do OREM. “E já foi logo um batismo de força, porque em nenhum evento acontece tanta coisa como lá. Não há grande diferença em relação aos outros jogos, a questão é que no OREM há muito mais doidos em quantidade circulando pela cidade. Se você consegue levar um OREM até o final, leva todos os outros eventos até o fim”, disse o “J principal”, em tom orgulhoso.


O que muitos não sabem, no entanto, é que a empresa não organiza as festas dos jogos universitários nos quais trabalha – exceto quando o evento é exclusivamente dela. A forma encontrada para ganhar dinheiro está na cobrança de um valor fixo por pessoa para a organização da parte esportiva. “Óbvio que a gente ganha nosso dinheiro. Nossa intenção é alcançar o lucro, mas sem extrapolar. A gente poderia aumentar o preço todo ano, mas não o faz”, afirmou Juan, que há três anos consegue viver exclusivamente da empresa.


Mas, então, quem é o responsável pelas tão comentadas festas, que tanto preocupam os treinadores em véspera de jogos? Sócio de uma boate em Copacabana e um dos principais nomes da noite carioca, o empresário atende pelo nome de Bernardo Egas. O carioca de (x) anos diz que, mais do que o retorno financeiro, os jogos são importantes para ele como portfólio. “A gente acaba virando uma referência no ramo, a ter uma credibilidade no mercado que te ajuda em outras coisas. Para mim, é importante ter essa marca que são os Jogos Jurídicos. Me abre outras portas”, disse.


Egas organizou ininterruptamente as festas dos Jogos Jurídicos de 2009 a 2013, quando perdeu sua primeira licitação para o evento, que ocorreria em Petrópolis. “Quando você começa a fazer isso por muito tempo as pessoas crescem o olho. Duas empresas se juntaram e fizeram uma proposta muito fora do normal para disputar comigo. Acabaram ganhando”, contou. “No meio dos Jogos, a Liga me contatou desesperada. Tive que ir à Petrópolis no domingo com dinheiro emprestado pra resolver problema dos outros. Nesse ano, eu quis fazer o pessoal entender que os Jogos, com três dias de evento, em uma cidade diferente e problemas de liberação de órgãos públicos, demanda alguém com esse know-how”, defendeu ele, que não só venceu a licitação para 2014, como também fechou um contrato para os próximos três anos.




       “Nossa intenção é alcançar o lucro, mas sem extrapolar. A gente poderia aumentar o preço todo ano, mas não o faz”



As empresas do segmento parecem se alicerçar sobre o conhecimento prático pela organização anterior de eventos similares e o networking dentro da hierarquia das atléticas. Essa mistura de informalidade e camaradagem não foge muito ao sistema de ingresso e organização das próprias atléticas, nas quais usualmente não há eleições. Os cargos são preenchidos por indicação e confiança. “As Atléticas não são uma entidade de representação estudantil. O negócio sempre passa do membro mais velho para o membro mais novo, que foi colocado por ele lá dentro. Isso pode parecer errado, mas é o segredo do sucesso”, detalhou Bernardo. “Justamente, a alternância de poder é o que é totalmente contra o que a gente faz. Para manter a consistência do evento, as Atléticas se voltaram para uma hierarquia temporal. O presidente respeita os ex-presidentes. Fica bem familiar o evento.”


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Nesse arriscado misto de negócio e paixão, irmandade e parceria, integrantes de atléticas gastam tempo e dinheiro para defender até o último grito suas instituições no Rio, em Petrópolis, Volta Redonda, ou onde quer que seja. “É muito difícil você falar de negóciocom algo que envolve sua paixão. É um evento onde eu estou e existem 3 mil amigos”, disse Egas. “Então, eu quero fazer o melhor evento possível. É muito difícil você separar seu hobby da sua paixão.” Do outro lado, os empresários responsáveis por dar forma aos quatro dias de jogos e loucura o fazem porque tem nos seus negócios a extensão de uma vida universitária que até pouco tempo ainda levavam. O resultado dessa combinação parece bem claro: no final, todos saem ganhando.

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