Navigation Menu

Enfim, chega a vez delas

Após ser dominado pelo público masculino durante anos, o rap finalmente abre as portas para as mulheres

Por Gabriel Rolim e Lucas Alves

Trecho de “Anaconda”. Videoclipe criou polêmica pela internet.
Trecho de “Anaconda”. Videoclipe criou polêmica pela internet
Chegou a hora das mulheres no rap. O movimento musical, que sempre foi dominado pelos homens, começa a ver rappers femininas se destacando e quebrando recordes. A australiana Iggy Azalea alcançou o topo na Billboard e igualou os Beatles, únicos a ter dois singles nas duas primeiras posições do Top 100 simultaneamente. Outra mulher que vem se destacando no rap internacional é a americana Nicki Minaj, que superou Michael Jackson em número de singles na história do Top 100 (51 a 50). No Brasil, mulheres como Karol Conka e Flora Matos estão entres os grandes destaques do rap nacional.

No entanto, o movimento como um todo ainda é predominantemente masculino e, muitas vezes, machista. As mulheres ainda se apresentam em menos eventos e recebem cachês menores que os homens. A rapper mineira Bárbara Sweet, 28, traz o feminismo como bandeira em suas batalhas e busca incentivar outras mulheres a enfrentar o machismo, tanto no rap, como fora dele. “Acho que o rap é a expressão da visão, do ponto de vista, a síntese poética de quem o faz. Pra mim, a relação entre rap é feminismo existe porque eu amo rap e acredito no feminismo. E vi que ao unir ambos eu não só fortalecia a mim mesma antes de batalhar, como também outras mulheres que buscam representatividade, empoderamento e um novo discurso”, destaca Bárbara.

Bárbara Sweet na batalha. "Batalhar com mulher é bem mais difícil"
Bárbara Sweet no duelo: "Batalhar com mulher é bem mais difícil"
 A rapper relembra também o início da carreira, em um tempo onde o machismo era mais forte e as mulheres que quisessem entrar no ambiente do rap, tinham que se adequar e usar um estilo semelhante ao dos homens para serem aceitas. “Eram outros tempos bem mais difíceis. Não tínhamos espaço nem pra saias no rap. Estávamos condicionadas a uma postura masculinizada para ter respeito. Hoje, a mulher, como uma mulher, é mais aceita”, afirma Bárbara. Apesar de perceber uma evolução, Sweet diz que o caminho ainda é longo para que se chegue próximo a uma situação de igualdade. “Bom, acho que ainda tem muito a ser feito. Ainda somos minoria e os apoios são menores. Vejo que tem evoluído, mas acho que é só o começo. Tocamos menos nas festas, somos pagas com cachês menores... enfim, tem muitas minas nesse corre. Não é só a Flora e a Conka”, alerta a rapper.


Apesar do ambiente ainda machista, o público do rap tem, cada vez mais, recebido um maior número de mulheres nos eventos. A estudante de moda Adriana Fernandes, 20, frequenta shows e festas de rap e tem percebido uma maior participação feminina. Ela também ressalta a importância do sucesso que rappers femininas têm obtido. “Acho importante, porque incentiva outras mulheres, que na maioria das vezes, não tentam ou não fazem, por serem minoria e terem medo de sofrer preconceito”, comenta Adriana. Outra frequentadora é a estudante de fonoaudiologia Raphaela Farias, 19, que concorda com o incentivo proporcionado pelo destaque de mulheres como Karol Conka e Flora Matos. “Eu adoro o trabalho das duas e acho ambas autênticas. Elas passam muito isso, o estilo próprio, a autenticidade. E muitas mulheres pegam as duas como exemplo mesmo. Muita mulher querendo ser Flora e Karol. Tenta ser igual, agir igual, se vestir da mesma forma”, opina Raphaela.

oo
Mesmo que a participação feminina tenha crescido muito nos últimos anos, a MC carioca Aika Cortez, 19, acredita que as mulheres ainda não ocupam um lugar de destaque. “A verdade é que na maioria das vezes, quando tem uma mulher, ela é a última a cantar, fica o evento todo esperando e vai cantar tarde, quando a maior parte do publico já foi embora”, completa. Aika acredita que a autoconfiança é primordial, mas destaca que essa postura nada tem a ver com arrogância. “É você ter atitude pra enfrentar qualquer constrangimento, não ter medo de brigar e denunciar o que estiver errado, seja rimando com bom humor ou gritando ferozmente”, diz a carioca que quer ver meninas cada vez mais novas sendo imponentes e independentes pra não sofrerem nenhum tipo de abuso.

Atitude. Aika não tem medo de denunciar o preconceito em suas letras
 Atitude. Aika não tem medo de denunciar o preconceito em suas letras

Em relação às rappers nacionais e internacionais que estão em voga, Aika não se sente totalmente representada. “Me sinto representada pelo som de algumas, principalmente as que trazem um empoderamento sexual como no Funk, mas acho que falta muito protesto. No rap em geral está faltando”. Ela afirma que muitos assuntos são tratados de forma rasa, superficial e sutil, quando deveriam ser abordados de forma mais agressiva. “Minha música fala de mulher que aborta, de mulher que apanha, das que acordam às 5h da manha pra ir trabalhar, das crianças que são marginalizadas e vivem nas ruas, das meninas que engravidam aos 16, das que são ou já foram estupradas, das que falam de política sem falsas informações impulsivas... Sinto falta disso nos sons”, finaliza a MC que se mostra esperançosa com a nova geração, para ela, a população está ficando cada vez mais politizada e, por isso, tudo pode acontecer.

Juntas elas são mais fortes - A Liga Feminina de MC´s
A ascensão de mulheres no rap é constante, entretanto o número de MC’s ainda não é satisfatório para muitas. A partir da vontade de fazer com que a participação feminina cresça ainda mais, a rapper Taz Mureb teve a ideia de criar a Liga Feminina de MC’s, surgida em 2014 no Rio de Janeiro. A Liga Feminina é uma competição de freestyle que reúne mulheres de 8 estados diferentes e divulga o trabalho das rappers, incentivando novas meninas a se integrarem na cena. Já existe uma Liga que é unissex, entretanto a maioria é masculina, o que ocasiona na falta de espaço para as mulheres.

A primeira fase da Liga consiste em eliminatórias estaduais, das quais saem uma vencedora de cada estado. As 8 campeãs estaduais disputam a grande final, realizada em Belo Horizonte. O objetivo do evento é fomentar, apoiar e conectar as mulheres que tanto lutam para permanecer nesse espaço que ainda é tão misógino. ”Fazendo uma competição entre nós, nos preparamos e incentivamos as minas a entrar em todas batalhas. Porque batalhar com mulher é bem mais difícil! (risos)”, comenta Bárbara Sweet.

Liga Feminina de MC's. Coletivo incentiva novas rappers a integrarem a cena
Liga Feminina de MC's. Coletivo incentiva novas rappers a integrarem a cena
A Liga não recruta apenas MC’s, mas também produtoras musicais e artísticas, DJ’s, beatmakers, B-Girls, grafiteiras, fotógrafas e produtoras de imagem. Aika Cortez, que também é integrante, afirma que não há patrocínio e ainda nota certa dificuldade de algumas em se auto-organizarem. “Temos poucos recursos através da internet. É um trabalho que estamos aprendendo sozinhas”, completa. Aika fala sobre as críticas que a Liga recebeu no ano passado, de homens em sua maioria, por não conseguir terminar um projeto. “Nos acusaram de segregar o rap, mandaram muitas mensagens de deboche e escárnio, mas colhemos muitos frutos também, conseguimos fazer conexão com o Brasil inteiro, vejo mais meninas interessadas em fazer rap, a se empoderar através do rap, e isso no faz perceber o quanto a liga é importante”, finaliza a MC.

0 comentários: