Por Gabriela Moscardini e Victoria Macdonogh
A palavra de ordem é autonomia e responsabilidade ecológica. Saber de onde vem e o destino do que você consome é essencial: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” - e compras e consomes. A épica frase do livro O Pequeno Príncipe, de Saint Exupery, traz um novo sentido quando falamos de itens de higiene e limpeza. As histórias que vamos contar aqui falam exatamente disso. Buscando poluir menos, utilizar menos compostos químicos e ter independência de grandes empresas, algumas pessoas têm substituído produtos industrializados por outros feitos em casa, com materiais naturais e orgânicos.
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Já bastante comum em alguns países europeus, onde o consumo sustentável é modelo, a prática é relativamente recente no Brasil e começou a crescer e se popularizar há pouco mais de um ano. Conversamos com cinco mulheres que resolveram produzir em casa mesmo os produtos que usam no cotidiano. São pessoas de perfis, profissões e lugares diferentes, mas determinadas em um mesmo objetivo: qualidade de vida e bem-estar.
Mas, em que consiste essa mudança e esse estilo de vida? Quais são as dificuldades encontradas na hora de fazer essa troca e quais são os benefícios que trazem?
Na casa dessas mulheres não há, como é costume, um produto de limpeza para cada parte da casa. A mesma matéria-prima para limpar os cabelos é também a mesma que limpa o chão e faz bolos. Bicarbonato de sódio, vinagre, sabão de coco, óleo de coco e óleos essenciais. Não é preciso muito para ter uma casa limpa e cheirosa. A história se repete para os cuidados de higiene pessoal: esses mesmos ingredientes substituem facilmente o sabonete, o xampu, o condicionador, o desodorante e até mesmo a pasta de dente. A eficácia é garantida e a natureza (e o bolso) agradecem!
Marina Lino tem 24 anos e mora no Méier, Zona Norte do Rio, há dois anos e meio. Paulista de Botucatu, hoje estuda Circo - motivo da mudança para o Rio de Janeiro - e faz pedagogia à distância. Foi buscando equilibrar a vida na cidade grande e caótica do Rio com bem-estar que Marina começou a fazer seus próprios produtos de limpeza.
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Há seis meses, ela criou o grupo Alquimia Caseira no facebook, para compartilhar dicas de como limpar a casa e cuidar da higiene pessoal de forma a não agredir o meio ambiente. Hoje o grupo tem 1.691 membros, e reúne vários conselhos e tutoriais para quem quer começar. De acordo com Marina, muitas coisas que consumimos não são realmente necessárias para a limpeza. “É puro hábito. Por exemplo: limpar o chão com esses produtos químicos. Não precisa”, garante a artista circense. Para limpeza, Marina utiliza, principalmente, o bicarbonato de sódio.
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O óleo essencial de eucalipto é antibactericida e antifúngico, além de ter um perfume refrescante.[/caption]
Thaís Figueiredo, estudante de psicologia da Universidade Federal Fluminense, adotou esse estilo de vida de fato desde o ano passado. Muito influenciada pelos Engas (Encontros Nacionais de Grupos de Agroecologia), Thaís passou a se envolver e pesquisar mais sobre o assunto. O bicarbonato de sódio também está presente no seu dia-a-dia. A estudante de 26 anos conta que o sal - ou, para os mais interessados, NaHCO3 - é ótimo para limpezas profundas.“Uso bicarbonato para limpar roupa, e também quando quero dar uma limpeza mais profunda para o chão”. Na hora de lavar o banheiro, Thaís usa bicarbonato, vinagre e óleos essenciais. “Para limpeza, uso óleo essencial de eucalipto, que é bactericida, antifúngico e antisséptico em geral, e limão. Grande parte dos óleos essenciais tem propriedades antissépticas, mas eu procuro os mais acessíveis e com os cheirinhos que eu curto”, explica Thaís.
Para Thaís, uma das coisas mais importantes e benéficas dessa prática é a redução do lixo e da poluição. Além disso, fazer seus próprios produtos garante uma independência de grandes empresas; “Eu tenho a autonomia de usar em mim, na minha casa e na minha alimentação coisas que sei de onde vêm, coisas que eu sei fazer”, explica. Marina concorda: “Nossa, dá uma consciência limpa, de saber que eu estou deixando de produzir um monte de lixo, de dar dinheiro a um monte de empresa grande e de jogar esse monte de coisa química de volta na natureza”.
Como esse estilo surgiu na vida das pessoas? Para Marina, teve a ver com a mudança de cidade, para Thaís, sua experiência nos Engas. Já para Sílen Cremonese, de 35 anos, um documentário mudou sua vida. Depois de assistir Food Matters (O alimento é importante), Sílen passou a pesquisar mais sobre a alimentação. “Após um período, percebi que não é só a alimentação que influencia na nossa saúde, mas também diversas substâncias tóxicas que são assimiladas por nossa pele e inaladas, como cosméticos, produtos de higiene pessoal e materiais de limpeza”, conta Sílen. “A pele é o maior órgão do corpo humano, e absorvemos muito mais do que pensamos através dela”. Formada em Engenharia de Produção com ênfase em química, Sílen resolveu unir seus conhecimentos sobre química com informações encontradas na internet sobre esses temas em seu blog “Estão te envenenando”.
O mesmo aconteceu com Karen Cecconello. A sulista de 24 anos é vegetariana há dez e, desde então, procura adotar um modo de vida mais orgânico e natural. Foi através de leituras que Karen tomou consciência da quantidade de tóxicos que ingeria e optou por diminuir a necessidade de ir ao supermercado. “Ao optar por comprar de pequenos produtores e de fazer meus produtos em casa, eu pensei não só na harmonia com a natureza, como também em uma alternativa ao sistema de consumo que está imposto. A cada produto industrializado que se consome, se sustenta uma produção via exploração da mão de obra, da natureza e a terceirização das nossas necessidades”, conta a estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.
Na higiene pessoal, itens também caseiros
Para além da limpeza da casa, cuidar do corpo também está entre as múltiplas funções do nosso “agente X”. O xampu que compramos nos supermercados produz espuma que vai direto para os rios, poluindo as águas, impedindo a entrada de oxigênio e desequilibrando ecossistemas (se você parar para pensar, a espuma que você produziu inocentemente acaba influenciando, inclusive, na sua alimentação), e contém componentes químicos que não fazemos ideia do que significam ou o que podem causar na natureza. E por que existem tantos tipos? A cada mês, são potes e potes de produtos jogados no lixo e, na maioria das vezes, o destino não chega nem perto de ser a reciclagem.
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Usar bicarbonato de sódio misturado com água é uma alternativa barata e ecológica para o xampu. É o que Marina faz uma vez por semana, lavando o cabelo com esta mistura. Nos outros dias, ela lava apenas com água. “A gente usa a vida inteira xampu e creme, e não sabe como é nosso cabelo de verdade, sem nada. E aí você fica uma semana lavando o cabelo com água e vê que o seu cabelo é muito melhor do que você esperava, sabe? O tanto de creme que eu já procurei para tirar frizz, e nenhum tirava. E agora que não uso nada, tenho muito menos frizz”, afirma Marina.
Thaís também lava o cabelo desta forma, mas por não ser aconselhado usar todos os dias, ela alterna com sabão de coco e garante: é ótimo!. Karen e Sílen também, nada de xampus. Sílen costuma dizer que os produtos industrializados não são lá tão bons quanto parecem: “A indústria só nos vende a xepa!”, afirma. Ao produzir você mesma seus produtos, a matéria-prima tem garantia de ser de boa qualidade, afinal, foi você quem comprou e sua finalidade não é obter lucros e sim cuidar de si mesma. Mas não se lava cabelo só com xampu, certo? O condicionador também pode ser substituído facilmente pelo vinagre, que dá maciez e brilho. Outras opções com frutas e óleos também estão incluídos nessa gama de substituições.
Vamos falar dos antitranspirantes? Caso delicado… desodorante, convenhamos, não é uma coisa opcional, principalmente se tratando do Rio de Janeiro. Mas, e a embalagem que jogamos fora? E todos os componentes químicos que bloqueiam os poros das axilas para evitar o suor - produzido naturalmente pelo corpo para controle térmico? Bom, essas coisas são opcionais. O bicarbonato entra em cena novamente. Ele funciona como desodorante tão bem quanto os comprados em mercado, e diminui drasticamente as chances de reações alérgicas e até mesmo de câncer de mama. O funcionamento químico é o mesmo de todas as outras reações e não faz mal nenhum à pele. Ele pode, ainda, ser usado com óleos essenciais e outros componentes, deixando-o mais elaborado e do jeito que a pessoa preferir. Outra opção é o leite de magnésia diluído em água. De acordo com Antônio Carlos, professor de química do Colégio Pedro II UNED Niterói, o funcionamento do bicarbonato de sódio ou do leite de magnésia como desodorantes se dá pelo caráter básico dessas substâncias, que neutralizam a acidez, que junto com as bactérias são responsáveis pelo odor.

Do jeito que a pessoa preferir… bem, nesse estilo de vida não há regras: a base é a experimentação. Cada um vai reagir de uma forma, preferir de determinada maneira. É uma verdadeira alquimia. Mas falando em alquimia: esses produtos são realmente bons para o meio ambiente? O que são essas reações químicas?
http://www.youtube.com/watch?v=VUE0UGeBUTk
As vantagens e desvantagens
Perguntamos para as entrevistadas: quais os pontos negativos desse estilo de vida? O preço das mercadorias foi lembrado: apesar de o bicarbonato de sódio, o vinagre e o sabão de coco serem bem baratos e renderem muito, outros ingredientes que são buscados para complementar a receita são mais caros e de difícil acesso. Mesmo assim, as pessoas que usam afirmam que no final das contas vale a pena. Para facilitar o acesso, existem grupos de compras coletivas, onde os interessados se juntam e compram diretamente dos produtores.
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Quase unamidade entre as respostas foi a questão do tempo. É preciso se dedicar para a produção. Mas, para elas, esse é um ponto que se converte para algo positivo. Marina lembra que tudo é questão de prioridades. Thaís reitera: “tudo isso é tempo, mas é um tempo delicioso também. Você tá aprendendo, trocando com outras pessoas”.
“O momento onde eu me dedico para fazer este produtos é, de certa forma, uma meditação, onde o meu foco e minha atenção se voltam para o cuidado e para a experimentação”. É o que diz Gabriela Ventapane. A arquiteta carioca de 25 anos faz parte do time que defende o uso desses itens, mas sabe que é difícil aceitar a mudança, principalmente por costume. “A principal questão é que temos o apego ao cheirinho de limpeza e às aparências. Os produtos caseiros não tem o odor forte, nem mesmo a viscosidade dos produtos industrializados. Isto pode causar uma estranheza no início, porém a eficácia é incontestável. É uma questão de hábito!”, lembra.
Karen afirma que parte dessas convicções da cultura do consumo a incomoda bastante: “nos convenceram a terceirizar nossas necessidades - a alimentação, saúde, bem-estar - nos convenceram de que não somos capazes de compreender o nosso próprio corpo e tão pouco o universo.”
Assim como Sílen procura democratizar o acesso à informação sobre a substituição de produtos industrializados e Marina administra o grupo no facebook de trocas sobre essa prática, Gabriela também tem essa missão: sua atuação é dando cursos sobre limpeza de base natural. “Foi um desejo muito verdadeiro de compartilhar uma experiência que eu estava vivendo na minha vida e uma vontade de trocar com outras pessoas que também se alinhavam com este propósito. Cada vez mais as pessoas têm se conscientizado e assumido a responsabilidade por cada ação e escolha feita. Não é simplesmente uma mudança de hábito, e sim um apelo muito forte para prestarmos mais atenção aos resíduos que geramos e o que eles causam em nós e em nosso contexto”, afirmou Gabriela.
Produzir itens de higiene e limpeza em casa também pode ser a solução para quem sofre com alergias. Gabriela recebe muitos relatos de pessoas que fizeram seu curso de limpeza natural e tiveram uma melhora nas alergias. Thaís percebeu essa diferença quando substituiu produtos industrializados pelos naturais. “Minha rinite melhorou muito depois que eu parei de usar essas coisas com cheiros artificiais”, disse Thaís.
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Participação masculina
Aos atentos: somente mulheres nos deram entrevistas. Quando analisado, o grupo no facebook que reúne as pessoas interessado em substituir industrializados por produtos caseiro, infelizmente, não surpreendeu: dos quase 2 mil membros, cerca de 300 são homens. Ou seja, isso representa apenas 18% de participação masculina.
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O que isso reflete? Para Karen, é o espelho da sociedade patriarcal e machista em que vivemos. “A mulher historicamente foi quem cuidava do lar, da limpeza da casa, das atividades domésticas. Sem contar que as mulheres tendem a ter mais a conexão com a natureza, com o universo. Porém, isso não descarta a problemática da baixa participação dos homens, pois isso também pode ser interpretado como falta de responsabilidade deles nesses segmentos”, afirma.
Gabriela também vê a participação de homens em grupos como baixa. “É praticamente inacreditável”, comenta Gabriela. No entanto, ela tem visto um envolvimento masculino em suas oficinas. “Eu tenho cada vez mais turmas mistas, onde muitas vezes é o homem que leva a sua companheira para aprender junto”, afirma. O companheiro de Gabriela também participa, pesquisando sobre o assunto, fazendo experimentos e dividindo o processo de confecção. Para ela, é uma experiência positiva: “nos sentimos cuidando juntos da nossa casa e caminhando em direção às mudanças que queremos ver acontecer”.
Com tantas possibilidades de preparação e utilização desses produtos, o envolvimento e curiosidade são inevitáveis. Ao longo da construção dessa matéria, testamos nós mesmas algumas das alternativas. O resultado você pode conferir no diário de reportagem Cobaias do Jornalismo.

A relação e o respeito, tanto com a natureza quanto o próprio corpo e ambiente em que se vive é um convite para quem quer levar um novo estilo de vida. A exposição a substâncias tóxicas e cancerígenas diminui, não há prejuízos à saúde dos animais... Para Marina, a consciência limpa é ótima: “sei lá eu estou cada vez mais eu mesma, sabe?”, conta a artista.
“Me agrada a aproximação que tenho do meu eu, da minha ancestralidade, do contato com a natureza. Às vezes me sinto fazendo bruxaria, é algo incrível você juntar um monte de coisa e transformar em algo útil e que faz bem para seu corpo.” afirma Karen.
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