Há mais de 20 anos as drag queens fazem parte da cultura brasileira, mas muito mais do que performar, algumas desempenham até mesmo um papel político na sociedade. E a mídia está cada vez mais de olho nelas!
Por Yuri Fernandes
Pode ser que muita gente nunca tenha visto uma de perto. Não é muito comum mesmo vê-las durante o dia, andando pelas ruas ou na fila de um supermercado. Pelo menos não com as maquiagens extravagantes, as roupas chamativas, com os saltos altíssimos ou perucas volumosas.
A maioria ganha forma e vida durante a noite. Artistas se transformam em verdadeiras e poderosas personagens femininas que dispensam apresentações. Elas falam por si só. São personagens que além de 'por a cara no sol' - ou nos refletores -, desmitificam padrões sociais, transmitem brilho e quebram tabus.
O Cadu por trás da Paju
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Maria Paju (Foto: Arquivo pessoal) |
Se alguém me falasse há 1 ano atrás que eu ia me montar toda semana e apesar do pé apertado e 20 kg de make na cara iria me divertir horrores eu jamais acreditaria.Esse é o depoimento sincero e bem-humorado expresso por Cadu, 24 anos, nascido e criado no Rio de Janeiro. Há cerca de 1 ano, ele criou a icônica Maria Paju, personagem que agita as noites cariocas e que além de diversão, levou segurança para a vida do jovem.
A Paju é uma extensão do Cadu, com menos filtros, talvez. Impossível imaginar um sem o outro, pelo menos por enquanto.Apesar dessa união entre criador e criatura, Cadu confessa que quando o assunto é família, os dois mundos se separam, já que seus entes não compartilham - digamos - do lado mais ousado e colorido do rapaz. Apesar da restrição, a transformação não perde seu encanto.
Tem alguma coisa muito mágica em poder se expressar livremente. A Paju significa liberdade para ser e fazer o que me faz bem sem medo de julgamentos.
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Maria Paju (Foto: Arquivo pessoal) |
Ela integra o grupo "Drag-se", um canal online estrelado por drags queens cariocas que apresentam programas de performances musicais, tutoriais de maquiagem e documentários sobre a vida das participantes. O projeto, que já possui mais de 18 mil seguidores no Facebook e 6 mil inscritos no Youtube, tem como lema espalhar o amor e serve para dar ainda mais visibilidade para o movimento.
O fazer drag não é só estar montado, maquiado, vai muito além. O projeto me ajudou a entender isso. Além de difundir a cultura drag e dar uma nova roupagem a uma cena que sempre esteve à margem - garante Maria Paju.
Tá curioso? Veja como o Cadu se transforma na Maria Paju:
O movimento drag teve grande influência da contracultura social dos anos 1960 e ganhou força no Brasil no final dos anos 1980, após influência sobretudo dos Estados Unidos e da Europa.
Marcela Barroso é outra pessoa bem ciente desse papel libertador e de valorização da figura feminina com o qual o movimento dialoga.
Drag por si só já é um movimento político. Transpassar os padrões estéticos de gênero impostos pela sociedade patriarcal é contestador e importante para avançar nesse sentido. Acho que em qualquer ambiente a mulher tem que estar inserida - declara.Mulheres no meio drag?
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Sirena Signus (Foto: Arquivo pessoal) |
Foi uma honra ser chamada para representar as mulheres no meio drag e nunca pensei que teria a repercussão que tem hoje! É incrível.Embora estejamos mais acostumados - mídia e culturalmente - com a imagem da drag queen associada a de homens travestidos com roupas femininas, isso não impede que uma mulher também crie uma personagem caracterizada como tal. E foi isso que a Marcela fez ao dar vida a Sirena Signus, nome escolhido por causa da ligação da artista com mitos do mar e astrologia.
A designer de moda sempre esteve envolvida com o meio e aos 18 anos já se "montava" para sair. Mulheres nesse universo são chamadas de drag kings - mulheres vestidas de homem - e também de faux queen, quando as artistas criam um personagem do mesmo gênero, como é o caso de Marcela, que prefere não se rotular como tal.
Prefiro usar real queen ou drag queen, como as outras. O faux tem conotação de falso, e o que tem de falso numa mulher personificando outra mulher? Nada né?, questiona Marcela.
Conheça mais sobre Sirena Signus no vídeo abaixo, feito pelo "Drag-se":
A hora e vez das drags
No início de 2009, nos EUA, estreava mais um reality show de competição. Gincanas, provas de dança, canto e desfile eram - e ainda são - as atrações que movimentam o programa. Até aí nada diferente dos outros inúmeros conteúdos do gênero. Mas o "RuPaul's Drag Race" - como o nome já deixa bem claro - tratava-se de uma corrida onde eram testadas as habilidades de drag queens. E o sucesso foi incontestável.
Saiba mais sobre Ru Paul, a apresentadora do reality
No Brasil, o canal VH1 exibiu o reality até a quarta temporada, mas o boom foi mais recente, com a ascensão do serviço de streaming Netflix, que disponibilizou todas as edições para os assinantes. Percebendo o alcance e a repercussão que o programa teve no país, o Multishow logo tratou de comprar os direitos de exibição e está transmitindo a 7ª temporada e já comentam sobre uma versão brasileira.
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Elenco da 7ª temporada do "RuPaul's Drag Race" |
Tinha medo e preguiça, mas tinha vontade. Até que um dia comecei a tomar interesse pelos clipes musicais das drags de "RuPaul's Drag Race", gostei das músicas e comecei a assistir os episódios. Aí me apaixonei e comecei a me montar.Para o jornalista cultural Kavad Medeiros o programa foi além e quebrou preconceitos.
Peter Collins / Zafira Levine (Montagem: Arquivo pessoal)
A drag queen sempre foi marginalizada. Mesmo dentro de uma comunidade já marginalizada, todos tinham medo, preconceito ou algum sentimento negativo para com as drags. O "RuPaul's Drag Race" trouxe de volta a cultura drag, que é riquíssima para os holofotes, e com isso ganhou novos fãs e conseguiu derrubar estigmas que elas sempre carregaram.E os fãs do reality, claro, assinam embaixo:
"O programa ajuda na visibilidade e na queda de preconceito ao abordar um pouco da trajetória e da história de cada uma, mostrando que elas não fazem aquilo 'para aparecer', mas por uma questão de identificação, felicidade e até mesmo como alternativa à depressão", diz a estudante Letícia Cindra.
"O programa mostra também uma das artes mais antigas - porém não muito valorizada - que existe. Ele fez com que muitos artistas ganhassem o mundo e o seu devido valor, fora que muitas pessoas se espelham nas histórias dos participantes para encarar seu dia-a-dia", reconhece o professor David Batista.
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