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Liberdade sob opressão na cultura pop

Como acontecem os abusos contra cosplayers em eventos cada vez mais famosos


Por Felipe Gelani, Jéssica Rocha e Luana Santiago

Cultura cosplay é muito influente no Japão
O que antes era de interesse de grupos sociais isolados, nichos fascinados por quadrinhos de super-heróis (tanto orientais quanto ocidentais), desenhos animados e videogames, hoje é uma indústria bilionária. Quando o capital internacional descobriu a mina de ouro em potencial de histórias antes relegadas aos “nerds”, os personagens e cenários dessas tramas foram levados às telas de cinema, TV, e outros veículos de amplo alcance midiático. Das dez maiores bilheterias da história do cinema, nove filmes fazem parte da cultura pop de alguma forma. Só Titanic se salva...
Hoje, o valor econômico atrelado a essas obras é refletido até na pele, roupas e expressão cultural de alguns jovens: os cosplayers. A atividade propõe assumir a aparência, trejeitos, e até a personalidade de personagens de desenhos, jogos e quadrinhos, tanto em eventos quanto nas redes sociais. A prática reflete a busca da própria identidade de muitos adolescentes. Ao encarnar as características de heróis e vilões da ficção, as pessoas se sentem parte de um grupo, de algo maior e mais significativo do que o dia a dia mundano, e a autoestima deles é afetada positivamente. Por isso é tão prejudicial quando esses mesmos adolescentes sofrem algum tipo de assédio enquanto fazem cosplay, justamente quando se sentem mais empoderados e importantes.

Edição de 2015 da Comic Con Experience, em São Paulo
No final de 2015, foi realizada no Brasil a segunda edição da Comic Con Experience (CCXP). Inspirado na tradicional convenção americana homônima, que ocorre anualmente em várias cidades nos EUA, o evento de cultura pop superou todas as expectativas de público, recebendo cerca de 120 mil visitantes. O programa de TV “Pânico na Band” esteve presente, televisionando uma cena de assédio protagonizada por um dos repórteres da atração.


O fato demonstra irresponsabilidade da emissora, ao reafirmar a cultura do estupro dentro de um canal proprietário de concessão pública, além de inibir e afetar a liberdade de expressão dos participantes da convenção. A vítima, a capixaba Marina Eis (conhecida entre os cosplayers como Myo Tsubasa) decidiu não tomar nenhuma atitude legal, mas denunciou o assédio aos organizadores do evento. A organização da CCXP emitiu uma nota de repúdio dias depois, banindo o Pânico de futuras edições da convenção.

A produção do programa debochou do acontecimento: uma panicat se vestiu com a mesma fantasia da menina
Se até uma atração de televisão se sentiu à vontade para tratar com desrespeito uma cosplayer, será que os frequentadores desse tipo de evento e a sociedade reproduzem essa atitude? Ana Cristina da Silva vive em Ribeirão Pires, no ABC Paulista, tem 20 anos e participa de convenções de cultura pop desde os 14. Atualmente, ela faz ensaios fotográficos fantasiada de personagens de animes (desenhos japoneses) e é fotógrafa profissional.

 Ana faz cosplay desde 2010
Ela diz que comportamentos como o do repórter são comuns nesses ambientes. “Certa vez, um homem bem mais velho me perguntou se podíamos ir para um canto mais reservado ‘conversar’. Nessa ocasião, minha mãe estava junto. Fiquei congelada. Se ela não estivesse lá, eu poderia ter sido arrastada por ele”, relata.

Pandora tem 18 anos e faz cosplay desde os 12
Ana Cristina também já foi hostilizada por seu hobby em redes sociais. “Encontrei um fórum de um anime do qual eu fazia cosplay. Fizeram um tópico só para postar fotos minhas e me humilharem. Falavam como eu era horrorosa, feia e gorda; que eu devia parar. Fizeram isso porque descobriram minha identidade”. Ana explica que era popular por trás do personagem, e que teria sido atacada por “não atender às expectativas” das pessoas, ao conhecerem sua identidade real. “Fiquei mal depois, é claro. Para fazer outro cosplay de novo, demorei um ano”, conta.

Não só homens praticam assédio. Diversas cosplayers relatam que meninas também abusam do momento de aproximação para as investidas. N.K. (que preferiu não se identificar) foi agarrada por uma jovem em um evento realizado no Rio de Janeiro. “Ela passou a mão em mim e não queria me largar, eu não sabia o que fazer no momento, só pude ficar parada no lugar”. Outras reclamam das cantadas e desrespeito vindo de mulheres, como Pandora Carvalho. “Eu estava com cosplay de Ren de Uta-Pri, uma mulher apareceu e se jogou no meu colo, começou a querer abrir o blazer do meu cosplay e eu segurei, mandei ela sair.”
Muitas vezes a roupa não importa. Giovana Tobayashi, de São Paulo, ressalta que prefere as roupas mais cobertas e nem por isso é menos desrespeitada nos eventos. Em animes e HQs em geral, as personagens usam roupas decotadas e curtas, sexualizando-as. Hoje, Ana Cristina vem optando por fazer cosplays masculinos para se proteger.

Segundo Ana, o apoio da família é o mais importante nessas horas. “Meus pais sempre me ajudam a montar as roupas. Eles gostam muito do hobby por que eu era uma criança tímida e isolada. O cosplay realmente me ajudou”, ela também não desanima com essas atitudes “Única coisa que me desmotiva é minha tinta não secar a tempo, meu cosplay quebrar no evento, mupy (suco de soja em saquinho, marca registrada dos eventos de anime) a R$ 4,50 e meia-entrada a R$ 60,” conclui.

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