Por Felipe Gelani
Art. 6º É dever do jornalista:
III – lutar pela liberdade de pensamento e
de expressão;
– do Código de Ética dos jornalistas
brasileiros. Ele pode ser encontrado aqui.
Na
noite de quinta-feira do dia 21 de julho, eu e um colega fomos à igreja da
Lagoinha para fazermos uma matéria para outra disciplina. Durante o
inverno, o local abriga pessoas em situação de rua, fornecendo alimento,
banho e colchões para que eles possam passar a noite com um pouco mais de
conforto e calor. Queríamos entrevistar essas pessoas, ouvindo suas histórias,
filmando seus hábitos e entender o funcionamento do projeto. A intenção de nossa matéria
era dar rosto e voz a pessoas que fingimos não ver quando andamos nas ruas da
cidade.
Fomos
impedidos de fazer imagens pelos coordenadores do projeto.
A
justificativa deles foi de que alguns dos desabrigados possuem passagem pela
polícia, sendo até mesmo foragidos da lei. O medo do “Carioca”, o líder do trabalho, era de atrair publicidade ruim para a igreja e o programa, além de criminosos ou policiais, o que poderia impossibilitar sua continuidade.
É
importante ressaltar a relevância do projeto. Ele representa um fôlego de
energia e fé no dia a dia exaustante dos desabrigados. Todos os que conversamos
defendem a importância da obra de caridade quando ninguém mais olha por eles.
Nem suas famílias, nem o Estado.
O
que incomodou foi a forma que a justificativa foi feita, colocando todas as
pessoas no mesmo bolo. Os “meninos”, como Carioca se refere aos homens e
mulheres ajudados pelo projeto, tiveram suas identidades e o direito à própria
imagem removidos. Carioca não destacou os possíveis envolvidos com
criminalidade, não disse seus nomes. Com essa informação, poderíamos
entrevistar todas as pessoas (muitos demonstraram abertura e interesse em participar) e posteriormente, durante a edição, removeríamos os nomeados para proteger o projeto e todos os envolvidos nele. Mas os
indivíduos viraram uma massa disforme e homogênea de pessoas sem sua própria
individualidade, sem seus rostos e suas vozes. Mas aceitamos, pois o artigo seis
do Código de Ética dos jornalistas brasileiros diz:
VI – não colocar em risco a integridade
das fontes e dos profissionais com quem trabalha;
Já
que não pudemos diferenciar ninguém por causa das regras impostas a todos pela
coordenação, não mostramos ninguém. Até porque:
Art. 7º O jornalista não pode:
IV – expor pessoas ameaçadas, exploradas
ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela
voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou
quaisquer outros sinais;
Nossas
interações acabaram sendo menores do que queríamos, pois esperávamos a boa
vontade dos organizadores para que pudéssemos, enfim, filmar com responsabilidade. A sensação de
impotência e percepção de que algo estava errado me enraiveceu. Com a raiva
perdi a racionalidade e – até então desconhecendo o artigo 7º, inciso IV – filmei, indo contra as determinações da autoridade do
projeto. As pessoas precisavam saber daquilo tudo, não?
Art. 11. O jornalista não pode divulgar
informações:
III – obtidas de maneira inadequada, por
exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones
ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas
todas as outras possibilidades de apuração;
A
resposta é não. Nossa matéria ficou sem imagens, assim como essa. Não temos
vídeo da brincadeira de pião na nave da igreja, o casal se beijando na porta, o
homem de joelhos na frente do altar com uma bíblia sobre o rosto emocionado, nem de todas
as piadas, risadas, conversas e interações que tivemos. Tudo isso porque, na
visão do organizador do projeto, todos os “meninos” eram parte de um mesmo
problema. Só que o problema está em outro lugar.
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