Por Igor Caldas
Sob seu semblante metálico, ele observa passivamente o outro lado
da baía de Guanabara, em cima de um pedestal de pedra onde seu nome é cravado
para nomear a praça onde chegam e partem as barcas que levam ao Rio de Janeiro: Praça Araribóia, no centro de Niterói. Nesse pedaço de terra litorânea, resta
apenas uma pequena faixa de areia do que já foi a maior praia da baía de
Guanabara. A enseada da Praia Grande se estendia da Ponta da Armação (onde hoje
está o porto de Niterói) até o morro do Gragoatá (onde hoje está o Campus da
UFF). Todas as praias que compunham a enseada da Praia Grande foram aterradas e
por cima das águas esquecidas ferve a cidade de Niterói.
A urbanização da enseada da Praia Grande
veio com a edificação da Vila Real da Praia Grande, ainda no século XVIII e foi
ampliada na época do Império. Com o governo republicano, Niterói passou a ser a capital do estado do Rio, a partir de 1903. Seguindo o modelo desenvolvimentista da cidade do Rio de
Janeiro do início do século XX, tornou-se alvo de um esforço modernizador que inscreve
planos de desmonte de morros, novos loteamentos, arruamentos e grandes faixas
litorâneas de aterro. Foi apenas em 1940, no Governo do Estado Novo de Vargas,
que o projeto do aterrado central da cidade foi inaugurado. Foi um longo
processo de irregularidades nas licitações e problemas judiciais que tiveram a
maior parte do aterro concluído apenas nos anos 70.
Para o pesquisador Stevenson Ismael, as transformações
urbanísticas na cidade foram uma forma de exclusão de identidades relacionados à praia que ainda resistem no ambiente densamente urbanizado, como é o caso dos
pescadores. “É muito importante destacar o que o Aterro da Praia Grande fez: sabendo que era a maior praia da baía de Guanabara, havia vários grupos de
pescadores que atuavam no local. Esses grupos foram esquecidos pelos projetos
urbanísticos. No final das contas, mesmo que esquecidos, esses pescadores foram
se adaptando a essas transformações urbanísticas violentas. Teve um grupo que
ficou lá na Ponta da Areia, na Rua da Lama, e se instalou num pequeno lugar ao
lado do Caminho Niemeyer onde tiveram que construir suas próprias casas e
continuar a pescar. Outro grupo foi se constituindo tanto por pescadores
da área quanto por catadores de mexilhão”.
[Rua da Lama]
Novos processos de exclusão
Com as transformações urbanas, grupos de identidades se transformaram, desapareceram. Outros grupos surgiram e se misturaram à diversidade presente no ambiente urbano. Muitas pessoas que se auto-identificam em grupos específicos sentem a discriminação e pressões sociais que põem em risco a sua existência. É o caso dos artesãos que dependem de expor o trabalho na rua para fazerem dinheiro. “A prefeitura atual não está deixando a gente trabalhar. A guarda já sai levando tudo como se fosse um camelô que tivesse revendendo produtos ilegais. Isso é uma covardia, na verdade. Eles alegam que o problema é o nosso visual, que a gente é ‘pé-no-chão’, que colocamos os trabalhos no chão. Só que eles esquecem que nós somos cultura. Nós não estamos vendendo só o produto, estamos transformando a natureza em arte", diz Cláudio, conhecido como Bob, que prefere não informar seu sobrenome. Além de Bob, outros artesãos que tentam expor o trabalho na proximidade das barcas – local de intenso movimento – sofrem com abusos da Guarda Municipal de Niterói. Segundo Bob, que trabalha com artesanato há 24 anos, esse espaço já era usado pelos artesãos como a ‘pedra’ - local de exposição e confecção de artesanato - de Niterói durante os anos 80 até o final da década de 90, quando havia um bar e restaurante chamado Snoopy, ao lado das barcas.
Com as transformações urbanas, grupos de identidades se transformaram, desapareceram. Outros grupos surgiram e se misturaram à diversidade presente no ambiente urbano. Muitas pessoas que se auto-identificam em grupos específicos sentem a discriminação e pressões sociais que põem em risco a sua existência. É o caso dos artesãos que dependem de expor o trabalho na rua para fazerem dinheiro. “A prefeitura atual não está deixando a gente trabalhar. A guarda já sai levando tudo como se fosse um camelô que tivesse revendendo produtos ilegais. Isso é uma covardia, na verdade. Eles alegam que o problema é o nosso visual, que a gente é ‘pé-no-chão’, que colocamos os trabalhos no chão. Só que eles esquecem que nós somos cultura. Nós não estamos vendendo só o produto, estamos transformando a natureza em arte", diz Cláudio, conhecido como Bob, que prefere não informar seu sobrenome. Além de Bob, outros artesãos que tentam expor o trabalho na proximidade das barcas – local de intenso movimento – sofrem com abusos da Guarda Municipal de Niterói. Segundo Bob, que trabalha com artesanato há 24 anos, esse espaço já era usado pelos artesãos como a ‘pedra’ - local de exposição e confecção de artesanato - de Niterói durante os anos 80 até o final da década de 90, quando havia um bar e restaurante chamado Snoopy, ao lado das barcas.
Outra parcela marginalizada que depende da rua para sobreviver e
sofre com a invisibilidade são os moradores de rua, que muitas vezes são
conduzidos compulsoriamente a abrigos. O Estudante de História da
Universidade Federal Fluminense Vinícius Rocha trabalha há mais de um ano em um projeto de pesquisa com os moradores de rua que tentam se fixar no entorno da
praça da Cantareira. Ele acredita que a logica usada por aqueles que estruturam
as transformações urbanas não leva em conta a perspectiva daqueles que utilizam
esses espaços para moradia e trabalho por que partem do princípio de que o que
existe nestes espaços está morto, velho e inútil, criando a falsa necessidade da
revitalização.
“ O processo de revitalizar pressupõe a retirada da camada que está morta, portanto, a existência de determinados grupos de natureza e de conduta escusa, que reflita a situação de degradação daquele espaço, tenha que ceder lugar ao esteticamente aceitável por aqueles que têm o poder de consumir este futuro espaço esterilizado dos desempossado", argumenta Vinícius Rocha.
Ele lembra que aqueles que não possuem moradia, ou aqueles que pretendem uma vida nômade são também afetados por esta perspectiva de formalização dos espaços. "As instituições tanto de amparo quanto de repressão atendem a esta demanda estética. Visualizar o ser humano em muitos casos significa romper com esta visão que pretende imprimir a esterilidade aos espaços públicos. Transformar tudo em ruas e vitrines onde os manequins veem de dentro e de fora.”
“ O processo de revitalizar pressupõe a retirada da camada que está morta, portanto, a existência de determinados grupos de natureza e de conduta escusa, que reflita a situação de degradação daquele espaço, tenha que ceder lugar ao esteticamente aceitável por aqueles que têm o poder de consumir este futuro espaço esterilizado dos desempossado", argumenta Vinícius Rocha.
Ele lembra que aqueles que não possuem moradia, ou aqueles que pretendem uma vida nômade são também afetados por esta perspectiva de formalização dos espaços. "As instituições tanto de amparo quanto de repressão atendem a esta demanda estética. Visualizar o ser humano em muitos casos significa romper com esta visão que pretende imprimir a esterilidade aos espaços públicos. Transformar tudo em ruas e vitrines onde os manequins veem de dentro e de fora.”
[Assista ao vídeo que mostra fatos e fotos sobre a história do Aterro Praia Grande narradas pelo jornalista Jourdan Amora e o Antropólogo Stevenson Ismael]
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