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Crise política brasileira

Reformas, representatividade, partidos e novos caminhos

Por Felipe Gelani

As eleições de 2014 representaram a maior fragmentação do parlamento brasileiro desde a redemocratização do país: 28 partidos políticos foram contemplados com pelo menos uma cadeira na Câmara dos Deputados. Essa diluição representativa é um reflexo da falta de identificação ideológica que os partidos políticos possuem em relação ao público. A relevância demográfica dos “sem partido”, que ganharam força nas manifestações de junho de 2013, já sinalizava esse fenômeno e era um indicativo do que aconteceria nas votações do ano seguinte. Na época, parte daqueles que foram para as ruas demonstrou insatisfações comuns e populares, mas uma constante nos protestos era o apartidarismo. Aos gritos de “abaixa a bandeira”, militantes partidários eram inibidos de exercer com liberdade sua participação em um movimento que se dizia democrático.

Na época, parte daqueles que foram para as ruas demonstrou insatisfações comuns e populares, mas uma constante nos protestos era o apartidarismo. Aos gritos de “abaixa a bandeira”, militantes partidários eram inibidos de exercer com liberdade sua participação em um movimento que se dizia democrático.

Os números comprovaram a insatisfação com os partidos. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope em oito capitais brasileiras, ainda em 2013, 96% dos manifestantes não tinham afiliação partidária, e 89% diziam não se sentir representados por legenda nenhuma. Embora as manifestações tenham começado por iniciativa do Movimento Passe Livre (MPL), só 14% dos entrevistados faziam parte de algum sindicato, entidade de classe ou estudantil.

Para o professor de Ciências Políticas da UFF Marcus Ianoni, a crise se expressa na queda da confiança dos cidadãos nas instituições eleitorais e partidárias, no não comparecimento às urnas, na não filiação a partidos políticos e, recentemente, no surgimento de alguns “movimentos-partidos“ tentando renovar a política, como é o caso do Podemos, na Espanha.

Apesar da crise de representatividade política ser um fenômeno mundial, ela tem algumas características próprias ao Brasil. Para entender essas especificidades, é necessário observar como se deu a origem do sistema representativo vigente no país. Durante o período da ditadura, havia apenas dois partidos políticos: o Arena, da base do governo, e o MDB, de oposição. O bipartidarismo foi abandonado nos anos 80, com o processo de redemocratização do país.


Desde então, as legendas começaram a se  multiplicar, fragilizando os posicionamentos ideológicos desde o início: o Arena, partido do governo militar, se consolidou no PDS, enquanto as inúmeras vertentes dentro do MDB, único partido em oposição ao Arena,  deram  origem  ao  PMDB, com outros integrantes e ideias se espalhando por PT, PDT e PTB.

“A reforma política é necessária, mas muito difícil, pois as regras atuais favorecem os que se beneficiam delas” Marcus Ianoni

Porém, segundo Ianoni, apesar da liberdade partidária que proporcionou essa proliferação de legendas, a maioria desses partidos já não tinha programas ou projetos definidos e passaram a funcionar como grupos de interesses para favorecer causas mais privadas do que públicas.

Um exemplo disso é a fragmentação partidária resultante das eleições de 2014 e suas consequências. A votação possibilitou a ascensão e subsequente predominância da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia), o que configurou um retrocesso na pluralidade e no debate sobre as problemáticas sociais e democráticas do país. Avanços em discussões ambientais, de minorias, e até o laicismo do Estado ficaram ameaçados desde o último pleito.

A estagnação ideológica é fator fundamental para o distanciamento entre sociedade e classe política. A maior parte das legendas permanece liderada pelos mesmos caciques que as formaram, distanciando-as das novas problemáticas enfrentadas pelo país, e consequentemente, dos eleitores.  Dos 549 parlamentares do Congresso Nacional, 271 começaram a carreira política durante ou antes do governo FHC, quase metade dos congressistas.

A mensagem é clara: os partidos precisam se reciclar para alcançar o público. Mas será que os partidos entendem, ou mesmo desejam essa aproximação? O clima de despolitização não é interessante para o poder estabelecido?

Apesar dessa aproximação se mostrar fundamental, uma reforma que proporcione essa e outras mudanças se mostra distante. “A reforma política é necessária, mas muito difícil, pois as regras atuais favorecem os que se beneficiam delas”. Ianoni ressaltou que, embora os esforços de movimentos sociais terem conquistado resultados, como o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, ainda não houve acordo para mudar o sistema eleitoral de lista aberta, por exemplo.  “Esse modelo incentiva o individualismo de candidatos e de políticos, em detrimento de uma relação política entre eleitor e partido. O eleitor não vota em partidos (para as eleições proporcionais), ele vota em candidatos”, disse o professor.

Como explicado por ele, outro elemento que distancia o público do funcionamento da política é o nosso sistema eleitoral. O presidencialismo de coalizão gera confusão na cabeça do eleitor, e transforma os partidos em uma sopa de letrinhas, em vez de separá-los pela variedade de ideias. Nesse modelo, os acordos e alianças entre forças políticas com o objetivo de chegar ao poder geram algumas anomalias, como a aliança entre PT, um partido de centro-esquerda, com partidos conservadores, como PP, PRB, PR e o próprio PMDB. Tudo em nome da “governabilidade”.

Esse processo dilui a já escassa ideologia partidária, o que origina dissidências, por sua vez dando origem a novos partidos. Mas até que ponto as novas legendas conseguem trazer algo novo para modificar o atual quadro de crise? Atualmente, existem 35 partidos no Brasil reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número elevado de organizações partidárias torna quase impossível o exercício do governo sem a formação de coalizões.


Nove em cada dez entrevistados disseram que o jovem pode mudar o mundo.





A variedade de partidos, e até o sistema de coalizões, poderiam trazer benefícios para a política nacional. Em tese, um quadro partidário pluralizado estaria apto a oferecer representações de todas as correntes ideológicas presentes na sociedade. Mas na verdade, o que de fato há é uma disputa pelo poder esvaziada de discussões importantes. Ocorre então uma política fisiológica de troca de favores e benefícios privados; e clientelista, de proteção em troca de apoio político.

Já o sistema de coalizões poderia ser interessante dentro do contexto de um pacto, que levasse em conta o interesse da população sobre o dos partidos. Dessa forma, dentro do presidencialismo de coalizão, seria possível uma união de ideologias com toda a população como beneficiada, mediante negociação entre os partidos. O problema é que um partido não necessariamente coloca a população em primeiro lugar, exceto na contagem de votos. Além disso, esse sistema é dependente da capacidade de negociação de suas partes, principalmente do líder da chapa.


Pesquisa realizada pela SNJ revelou dados importantes

A Pesquisa Agenda Juventude Brasil de 2013, realizada pela SNJ com apoio da Unesco Brasil, buscou analisar o perfil e opinião dos jovens brasileiros naquele ano sobre vários aspectos, inclusive na política. Ela mostrou que o distanciamento da juventude dos partidos não significa desinteresse político. 54% dos ouvidos considerou a política “muito importante” e nove em cada dez entrevistados disseram que o jovem pode mudar o mundo.

Mas ao serem perguntados como podem ou devem atuar, a maioria  afirmou  que  a  participação em associações e coletivos ou ações políticas diretas, realizadas na rua, têm mais efeito do que o envolvimento com partidos políticos. Essa opção ficou em terceiro lugar, empatada com o ativismo na internet. Por fim, 88% dos jovens afirmou que nunca faria parte de uma sigla política.

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