Em meio a diversos movimentos de resistência democrática, as ocupações vieram acompanhadas de projetos de lei conservadores que criminalizam a educação
Por Camila Shaw e Amanda de Oliveira
No
ano de 2016 os estudantes secundaristas mostraram que querem fazer parte da
política brasileira. Ocupações de escolas aconteceram pelo Brasil e o Rio de
Janeiro também foi palco do movimento. Em 23 cidades, quase 70 escolas foram
ocupadas. Esse movimento expõe as delicadas relações de poder que permeiam na
educação.
Diversos estudantes fizeram
relatos de coerção e opressão. L., 16 anos, ex-aluna do colégio Liceu Nilo
Peçanha, que resistiu fortemente à ocupação, diz que sente essa pressão quando
é proibida de colar cartazes nas paredes da escola. Além disso, L. ainda conta
que muitas vezes é intimidada por algum funcionário do colégio, temendo uma
ação dos estudantes. “Quase todo dia vem uma inspetora conversar comigo,
tentando se aproximar, falando pra eu não desanimar de vir para as aulas”.
Para
o professor da Faculdade de Educação da UFF e coordenador do Observatório Jovem
do Rio de Janeiro, Paulo Carrano, esses comportamentos intolerantes vêm de
pessoas que de certa maneira são ameaçadas pelo movimento das ocupações.
“Essas pessoas viram com certa desconfiança a mudança do tempo/espaço da
escola, do deslocamento do poder e reagiram, reagiram como se os jovens
estivessem usurpando um direito, um poder”, afirma.
Ao
mesmo tempo em que as ocupações explodem, muitos projetos de cunho conservador
para a educação são criados e representam um risco ao processo formativo dos
estudantes. Interessante perceber que eles se colocam como forma de contenção
das ocupações, movimentos de questionamento das estruturas hegemônicas de
poder.
Exemplos
são os projetos de lei do programa Escola Sem Partido, que tramitam na Câmara
dos Deputados e outras esferas legislativas, baseados na acusação de que há
uma doutrinação moral e ideológica nas escolas brasileiras.
Esses
projetos, amparados no discurso de defesa de uma educação neutra e da
imparcialidade, acabam negando a liberdade dos professores de ensinar e
barrando práticas pedagógicas plurais. Dessa maneira, educadores passam a ser
vigiados e controlados, visto que as regras estipuladas impõem uma censura e
alunos são prejudicados em sua formação crítica, já que perdem o acesso à
diversidade de pensamentos.
Partindo
da mesma lógica, outro projeto de lei ligado à Escola Sem Partido vem sendo
discutido em âmbito federal. Este possui um documento intitulado Base Nacional
Comum Curricular, que já passa pela terceira versão a ser repassada ao
Conselho Nacional de Educação e determina o que cada aluno deve aprender
durante os anos e o que se espera que eles saibam no final de cada período
letivo. Professores contra o Escola Sem Partido e estudantes veem nisso a
restrição da pluralidade de ideias e retrocessos em discussões importantes,
principalmente nas ligadas à diversidade de gênero, como já aconteceu no Plano
Nacional de Educação
Esses
projetos ganham um ar convincente por defenderem o discurso da neutralidade e
desligamento com partidos políticos. Contudo é preciso se atentar que as
propostas acabam fortalecendo uma posição conservadora, pois geram a
manutenção do status quo. Esses projetos impedem de forma bem direta a discussão
de temas ligados à realidade dos alunos. E coloca a questão da
responsabilidade de instituições socializadoras.
Paulo
Carrano considera que a internet possibilita um amplo acesso ao conhecimento, e
assim tanto a escola, quanto a família, trabalho, religião já não detêm o
monopólio da formação social dos jovens. Dessa forma é possível perceber que
esses projetos se colocam como tentativa de garantir o monopólio dessa
formação.
“O movimento ‘Escola Sem Partido’ contraria diretamente a
Constituição brasileira”
Fernando Penna
Fernando
Penna, professor de educação da UFF e coordenador do projeto Professores
Contra o Escola Sem Partido, ressalta o debate sobre o “privado” em texto
publicado no site da Revista de História da Biblioteca Nacional, “Ao tentar
tornar a educação uma questão privada, responsabilidade exclusiva das famílias,
o movimento ‘Escola sem partido’ contraria diretamente a Constituição
brasileira, que em seu artigo 205 afirma: ‘A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’.”
Apesar de sua
inconstitucionalidade o projeto Escola Sem Partido tem ganhado força. Os
criadores do movimento disponibilizam o modelo dos PL’s em site on-line. Há
diversas outras propostas derivadas desta plataforma em tramitação no país,
tanto em nível federal, quanto estadual e municipal. Hoje já existe um projeto
sancionado no estado de Alagoas. Além disso, no Rio de Janeiro o debate tem
se fortalecido, exemplo disso foi a aprovação do novo Plano de Educação de
Niterói, o qual proíbe a discussão de gênero nas escolas do município.
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