Por Carolina Lopes e Vitória Lopes
Imagine que, num país onde as
projeções demográficas apontam para um crescimento populacional, o governo
resolvesse congelar os investimentos em setores-chave, como educação e saúde,
por 20 anos, corrigindo os valores apenas pela inflação. Considere, agora, que
a estagnação econômica provocada pela retração nos gastos do próprio governo,
incluindo a redução no poder de compra dos servidores públicos, ampliasse a
demanda por serviços do Estado. É possível prever uma recuperação da economia
num cenário como esse?
Para os defensores da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 55, sim. Aprovada em 25 de outubro na Câmara, como PEC 241, e em 29 de novembro no Senado (em 1º turno), agora como PEC 55, a medida estabelece um teto de gastos primários para o
Governo Federal. Vendida como a solução para o descontrole nas contas públicas,
segundo a gestão de Michel Temer, considera que problema principal da economia
brasileira é o crescimento desses gastos.
Para o professor João Sicsú, do
Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor de Políticas e Estudos
Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no entanto,
o congelamento não toca nos problemas estruturais da economia brasileira, e
ainda agrava o cenário de crise.
“O corte de gastos provoca problemas na economia, na sociedade e no governo. Porque a economia para de crescer, as pessoas têm menos serviços e benefícios sociais e a arrecadação do governo cai” João Sicsú
Além de saúde e educação, setores
como assistência social, segurança pública, cultura e moradia popular também
serão afetados pela medida, caso seja aprovada pelo Senado. Segundo a
Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná (APUFPR SSind), os
gastos sociais terão uma queda de 40% com a PEC.
Com o crescimento populacional e
o aumento da demanda por serviços públicos, estima-se que haverá não apenas um
congelamento, mas efetivamente um corte regressivo do orçamento. Se não há um
aumento real no volume de investimentos e mais pessoas precisam de atendimento
em hospitais, de moradia, de vagas em universidades e escolas, há, de fato, uma
diminuição do gasto per capita nesses setores.
Um estudo do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) simulou os
impactos que a PEC traria, caso fosse implantada há 14 anos, em 2002. A redução
no setor de educação seria de 47% e, na saúde, de 27%. Isso significa uma
diferença de R$ 295,9 bilhões na saúde e R$ 377,7 bilhões na educação em
relação aos investimentos atuais.
Estudos divulgados por institutos
federais, entre outubro e novembro de 2016, avaliaram o prejuízo nas contas
caso a PEC já estivesse em vigor. Em um período de 10 anos, a Universidade de
Santa Maria (UFSM) receberia R$ 3 bilhões a menos e o orçamento da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) teria sido reduzido para menos da metade.
A Universidade Federal de Goiás
(UFG) divulgou que os recursos para todas as universidades federais diminuiriam
em R$ 196,8 bilhões, caso a medida valesse desde 1999. João Sicsú destaca que o
prejuízo vai além, com menor oferta de vagas para estudantes nas universidades,
o que também influenciaria os concursos para professores, menos verba para
bolsas e programas e para a própria manutenção das instituições.
“O que é lamentável, pois as
universidades federais se destacam como centros de formação e pesquisa”, avalia
o economista.
Sicsú reconhece que o país
enfrenta um problema fiscal, provocado pela desaceleração do crescimento da
economia, a partir de 2014, e a consequente queda na arrecadação do Governo. E
lembra que a própria Dilma fez cortes nos gastos sociais, incluindo as verbas
para as universidades. Mas considera que este é um problema recente. A questão
estrutural do Brasil, que a PEC passa ao largo, é o gasto com pagamento de
juros da dívida pública.
Banqueiros e rentistas nunca
ganharam tanto dinheiro como em 2015. De acordo com dados da Secretaria do
Tesouro Nacional, a dívida pública teve aumento recorde de 21,7%, em 2015,
chegando a R$ 2,79 trilhões. Desse valor, R$ 367,6 bilhões foram destinados só ao
pagamento de juros. Um estudo do economista Jason Vieira, publicado no site
MoneYou mostrou que o Brasil tem as maiores taxas de juros reais, ou seja,
descontada a inflação, dentre 40 países pesquisados (ver gráfico).
A dívida pública é uma das formas
de o Governo se financiar e muitos países têm dívidas superiores à nossa. O
problema é o quanto de juros se paga aos rentistas pelos títulos da dívida.
Segundo o projeto Orçamento ao seu Alcance, do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (Inesc), em 2015, 59% do orçamento federal foram destinados aos
chamados encargos especiais, que englobam dívida pública, ressarcimentos e
indenizações (ver gráfico). A PEC não toca nessa questão, da mesma forma que
ignora a distribuição da carga tributária no Brasil. Segundo o ex-diretor do
Ipea, há uma injustiça tributária no país. Impostos sobre alimentos, por
exemplo, têm impactos muito maiores sobre a população mais pobre. No entanto,
helicópteros, jatinhos, iates e lanchas estão isentos de cobrança.
O professor Sicsú dá outros exemplos
da injustiça tributária. A arrecadação com Imposto Territorial Rural é mínima
em relação ao IPTU, ou seja, há uma seletividade na atribuição de descontos e
isenções tributárias, beneficiando, por exemplo, os latifundiários. O Imposto
de Renda, que é descontado da folha de pagamento do trabalhador, não tem uma
taxa progressiva, na qual os ricos paguem proporcionalmente mais do que os
pobres, assim como não há imposto sobre lucros e dividendos no Brasil. Um
estudo divulgado pelo Ipea, em 2015, mostrou que se houvesse imposto de 15%
sobre lucros e dividendos, seria gerada uma receita adicional de R$ 43 bilhões
ao ano.
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