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Apropriação Cultural

Por Stephany Cordeiro e Luana Santiago
Fotos: Bruna Navarro




 De uns tempos pra cá, a apropriação cultural tem sido amplamente discutida, principalmente entre os jovens. O tema é polêmico e delicado, e coloca em destaque questões relativas às desigualdades históricas da sociedade brasileira, bem como o papel da mídia na reprodução de estereótipos e modelos culturais.

O próprio conceito de cultura é bastante problemático, mesmo nas Ciências Sociais. Para o antropólogo britânico Edward B. Taylor, “cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.

Num país em que, segundo o IBGE, 54% da população é negra, podemos falar em cultura minoritária ou naturalizar as representações culturais adotadas na mídia? Quando se olha para a TV, tem-se a ideia que somos um país de brancos: é a “nata” impondo através do inconsciente que a maioria é, na verdade, minoria, tirando sua força política, social e cultural; mantendo-os no lugar de oprimidos e conservando uma posição confortável de dominantes.



Mas cultura tem dono? A própria ideia de uma cultura nacional surge a partir da seleção e combinação de elementos das várias heranças que chegaram ao território brasileiro. Falar em apropriação, no entanto, diz respeito ao uso daqueles elementos que não estavam contidos numa unidade nacional. Então, o que os movimentos negros contestam na apropriação cultural é a utilização da memória histórica e das tradições e crenças como objeto de consumo no contexto capitalista.

Para Dara Sant’Anna, pertencente ao movimento Enegrecer, além de carregar uma história de resistência para a população negra, o turbante exerce o papel de passar a cultura afro a diante. Segundo Dara, a busca por uma pessoa que possa ensinar a amarração de um turbante ou trançar o cabelo vai além do saber fazer. É uma questão de cuidado que deve ser valorizada por representar um momento de troca de energias e experiências.








“O turbante é como uma coroa usada pelas mulheres negras como forma de resistência. Não tem a ver com beleza, e sim, com identidade, ancestralidade, e confronto aos padrões estéticos impostos pela mídia.”











Para a antropóloga Ana Enne, da Universidade Federal Fluminense, a apropriação e o hibridismo fazem parte de um processo “da vida”, porém o grupo que contesta a posse não legítima de um símbolo com valor histórico-cultural representativo, como o turbante, está em posição de fazê-lo desde que reconheça a ingenuidade da luta: com o avanço das interações humanas, potencializado pelo avanço das tecnologias, a apropriação é inevitável.

Passado histórico que deixou marcas

Ao falarmos sobre apropriação cultural, não podemos nos esquecer das relações de dominação vividas pelos negros. Falamos pois, de um passado em que uma cultura hegemônica se impunha à outras em condições de subordinação. Foi o que ocorreu nos tempos de escravidão e vale lembrar que o Brasil, mesmo após consagrar-se como um império independente e promissor em 1822, foi um dos últimos a abolir o sistema escravocrata, somente em 1889 e, mesmo assim, deixa para trás dúvidas quanto à benevolência do ato uma vez que não ofereceu nenhum suporte ao grupo posteriormente e eles continuaram, como continuam até hoje, 128 anos depois, marginalizados.



Mercado de Trabalho

Para entrar no mercado de trabalho, o negro encontra impedimentos já nos processos seletivos: o critério “boa aparência” é analisado de acordo com subjetividades. Subjetividades essas que se traduzem por “que não seja negro, de preferência” ou “se for negro: que tenha traços finos, cabelo não tão crespo e pele não tão escura”. Segundo o instituto Ethos, engajado na mobilização social de empresas, brancos ocupam cargos mais bem remunerados e relevantes que os negros. 

‘‘O racismo é um problema que só vai melhorar quando pessoas negras forem chefes. A empresa não vai contratar alguém diferente do perfil do resto e sim alguém  com a mesma história. Ter uma estética atípica, uma origem distinta, dificulta muito na hora de se apresentar porque a população negra não tem “o QI”. Quando conseguimos alguma coisa, é na cara e na coragem”.

São esses mesmos critérios “rigorosos” que impedem os negros de ocupar um espaço maior em propagandas. Hoje há representantes da população negra na mídia, porém há a repetição dos mesmos rostos (como Lázaro Ramos e Taís Araújo, que dominam o cenário). Em revistas como a Veja e a Época, duas das mais populares do país, somente 13% das propagandas contêm negros.

Como se não bastasse, 90% dessas representações são estereotipadas ou tentam inserir os negros dentro de padrões que os aproximem aos brancos. A ativista do movimento Energrecer acredita que o diálogo na escola sobre questões raciais pode ser uma forma de conscientização, se for valorizado não só no dia da Consciência Negra, mas fazendo parte do currículo escolar de forma efetiva, com aprofundamento do tema, inclusive da apresentação das religiões de matrizes africanas, que continuam sendo hostilizadas, e apoio relevante de um número expressivo de interessados. 

Dara também acredita na força e expansão das auto-organizações negras para que determinadas questões sejam esclarecidas em diversos ambientes e o conhecimento seja multiplicado. Ela aposta na apresentação e investimento de um tema pouco abordado: o afro-empreendedorismo como forma de empoderamento econômico. Nele, estampas africanas são valorizadas, e sabe-se, por exemplo, a origem dos tecidos dos turbantes e formas de amarração para ensinar aos clientes.


A luta é necessária, os rios devem fluir

Embora resistir seja importante para quebrar a dominação, Ana Enne esclarece que a discussão e exposição é, até então, o melhor caminho para a identidade da minoria se infiltrar num espaço doutrinado por uma ideologia dissimulada. No final, é importante entender que o grande vilão da apropriação não é o singular, portanto não se fundamenta o ataque das minorias enraivecidas (e elas tem o direito de estar!) à menina branca que escondia a careca ocasionada pelo câncer com um turbante, mas à classe com interesses deturpados de ganhar sobre algo que não cabe a eles comercializar ou controlar. 

O programa Esquenta, um recanto da cultura afrodescendente na maior emissora brasileira, é um exemplo claro dessa tentativa mascarada de parecer gentil e justo ao ceder espaço para uma minoria, porém nos termos da emissora e representado por uma apresentadora branca que, apesar de afirmar entender muito de favela, pertence à sociedade do Leblon, o bairro mais nobre do Rio de Janeiro.

Após séculos de opressão, o que o oprimido tinha para dizer finalmente aflorou e encontrou a própria voz. Ana Enne concorda que a tendência é as discussões se fortificarem, mas garante: “comparemos esses pequenos grupos com um rio: quando esse rio "desrepresar", esse rio das contenções das minorias, não tem como o processo acontecer de forma meiga. É uma questão muito complexa e de muita briga; a água vai descer violentamente”.




Afinal, qual é o problema de visto na loirinha de trança nagô?

- Não é pelo fato dela ser loira e usar a trança nagô. Vivemos em um país livre, onde cada um usa o que quiser. O problema é que ela será vista como “estilosa”, enquanto uma menina negra com o mesmo penteado será questionada “ Você lava o cabelo?”

- O problema é que quando a loirinha de trança nagô for concorrer com a negra também de trança nagô, à uma vaga de emprego em uma loja de roupas, a loirinha será
considerada “good vibes, desapegada dos bens matérias, cult”, enquanto a negra atrairá pensamentos do tipo “Ih! Esse povinho ativista acha que tudo é racismo. Melhor não!”.

- O problema é quando no baile da Vogue com a temática África , as roupas típicas são chamadas de “fantasia” e os flashes são direcionados massivamente para as loirinhas de rança nagô, esquecendo as duas principais estrelas da noite, que eram negras (Thaís Araujo e Glória Maria).

- O problema é quando as revistas de moda escolhem as loirinhas de trança nagô para estampar a capa, para lançar esse novo penteado “cool”, e não modelos negras porque
não vai vender muitos exemplares e não vai ficar tão bonito.



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