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Aulas para quem?

Estudantes e funcionários vêem o retorno das aulas da UERJ sem condições financeiras de estarem na universidade


Por Maria Clara Pestre e Tatiana de Carvalho



A crise que abala a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) não começou agora. Os primeiros sinais apareceram no final do segundo semestre de 2015, quando os salários dos servidores começaram a ser pagos com atrasos. De lá para cá, o quadro se agravou. Em 2016, os problemas de pagamento levaram a uma greve de professores e técnicos-administrativos que durou, aproximadamente, um semestre. A situação dos terceirizados foi ainda pior, com meses de salários atrasados e demissões em massa. Até agora, a situação das aulas não foi totalmente regularizada: o segundo semestre de 2016 começou no dia 10 de abril deste ano de forma precária.

“SITUAÇÃO DE TORTURA”

Nas primeiras semanas de aulas, os salários dos professores e técnicos-administrativos estavam um mês atrasados e o 13º de 2016 ainda não havia sido pago. Devido a esse quadro, o semestre começou com os técnicos administrativos em greve e com os professores podendo aderir à paralisação a qualquer momento.

O atraso nos salários, iniciado em 2015, continuou em 2016 com pagamentos parcelados. “A gente começou a receber parcelado em duas vezes, dentro do mês, depois em duas vezes, mas já chegando ao outro mês. Depois começou com a história dos vários parcelamentos, em seis, sete, oito vezes.”, explicou a servidora técnico-administrativa, Perciliana Rodrigues, que trabalha na UERJ há 23 anos. Em janeiro de 2017, os servidores receberam o salário de novembro do ano anterior, seguindo assim até abril, quando receberam o pagamento de fevereiro.

Outro problema apontado pela servidora é a falta de calendário de pagamento. “Agora a gente não tem mais dia [de pagamento], a gente nunca sabe quando vai receber e de que forma vai receber. Ou seja, o que o servidor está vivenciando é uma situação de total instabilidade e insegurança. Uma situação de tortura mesmo.”, completou.

O professor e membro da diretoria da Associação de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ASDUERJ), Fábio Iorio, questiona o retorno às aulas quando grande parte dos funcionários não têm condições financeiras para realizar seu trabalho. “A vida das pessoas está precária. Porque se você receber parcelado, paga tudo atrasado. Você não tem previsão de quando entra o dinheiro. Então, tem que ter parente ajudando. Tem gente que não tem essa ajuda. Ou tem um custo maior. Tem gente que mora longe. Só de condução eles gastam uma nota”, diz o professor.



“VOLTA PARA UM GRUPO ESPECÍFICO DE ESTUDANTES”

Os alunos também estão prejudicados com a falta de recursos financeiros da universidade. O sub-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da UERJ, Egberto Gaspar, se orgulha do sucesso das ações afirmativas na universidade. Segundo ele, 37% dos alunos da UERJ são cotistas e têm um baixo índice de evasão dos cursos desde a implementação da bolsa permanência na universidade. Entretanto, o auxílio financeiro pago aos estudantes em situação de instabilidade socioeconômica está há dois meses atrasado, em abril.

“A situação não está normal. Nossa universidade volta, mas para um grupo bem específico dos estudantes. Porque no momento em que os cotistas não estão recebendo há dois meses, vocês está excluindo essa galera”, critica o estudante de Ciências Sociais e diretor institucional do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UERJ, Ian Ribeiro

Outra crítica do DCE é a falta do bandejão, que não retornou junto com as aulas. Ian Ribeiro explica como o não funcionamento do restaurante universitário impacta a vida dos bolsistas. “Antes eles pagavam R$ 2 no bandejão. Agora eles vão ter que pagar em torno de R$ 15 por cada refeição na universidade. O custo que era de R$ 4 se torna por volta de R$ 30. Para uma pessoa que recebe R$ 450 ao mês é inviável”, afirma. Segundo Gaspar, a reitoria estava em negociação para o retorno do restaurante universitário no momento em que as aulas voltaram.

Outra consequência da crise é a irregularidade do calendário acadêmico. Para recuperar o tempo perdido, o plano da reitoria é realizar três períodos este ano: o segundo semestre de 2016 e os dois de 2017. O atual período vai durar 75 dias, segundo proposta aprovada em conselho. Ian Ribeiro critica a duração do semestre acadêmico. “De fato não é um semestre, o que precariza ainda mais a educação da universidade”, afirma.

O sub-reitor de Pós-graduação admite o prejuízo pedagógico do curto semestre. “Óbvio que do ponto de vista pedagógico há um certo prejuízo, isso não tem como negar, mas a gente está trabalhando dentro do limite legal, que o Conselho Estadual de Educação permite”, afirma. Gaspar espera que os danos causados aos alunos sejam recompensados nos semestres seguintes. “A gente espera que, passando essa fase, a gente possa recuperar para aqueles alunos que ainda estejam fazendo a graduação aqui. Para aqueles que já estão no final do período, a gente conta com a excelência do curso anterior”.

“TUDO EMERGENCIAL, TUDO PROVISÓRIO”

Desde 2015 com salários atrasados, os funcionários terceirizados de limpeza e manutenção passaram por séries de demissões em massa e viram empresas prestadoras de serviços entrarem e saírem. Sem receber os repasses da universidade, uma das empresas terceirizadas da UERJ demitiu um grande número de funcionários em 2016. “Aqueles que foram mandados embora, alguns com quatro, cinco meses [de salário] atrasado, foram pra rua assim mesmo e estão correndo atrás na justiça”, afirmou a servidora Perciliana Rodrigues, que está lotada na área de Serviço Social do Hospital Universitário Pedro Ernesto.

Para conseguir voltar a funcionar, a universidade fechou um contrato emergencial com outra empresa ainda em 2016, mas também não conseguiu efetuar os pagamentos. Sem serviços de manutenção e limpeza, a UERJ entrou em 2017 sem condição de retornar às aulas.“Ficou nessa história da universidade adiar o retorno das aulas, porque já estava na situação dessa segunda empresa mandando o pessoal embora, não tinha como abrir”, explicou Perciliana.

Por volta do mês de março a reitoria conseguiu renegociar o contrato emergencial com a empresa terceirizada, garantindo o retorno dos serviços e possibilitando a volta das aulas. A servidora critica, entretanto, a forma como as atividades voltaram a funcionar. “A empresa contratou novas pessoas, mas um número bem menor. Na verdade, a gente ainda tá nessa situação, tudo emergencial, tudo provisório.”

Para o professor Fábio Iorio, o número de funcionários terceirizados não é proporcional ao número de pessoas que circula na UERJ. “Tem muito menos gente para limpeza, para manutenção do que tinha antes. E os alunos voltando… Só de aluno na universidade toda são mais de 30 mil. Se misturar isso tudo com professor e técnico fica impraticável”, afirma. Egberto Gaspar, sub-reitor de Pós-graduação, acredita que a quantidade de funcionários que trabalha hoje na universidade é suficiente. “Antes se tinha uma limpeza super eficiente que não deixava nada acumular, e agora você deixa acumular, mas sem riscos para a saúde”.

A adesão à greve não é unânime entre os funcionários da UERJ. Enquanto os servidores técnico-administrativos já começaram 2017 paralisados, os professores defendem o estado de greve. “A categoria docente não está em greve. Parece que eles estão de fato iniciando as aulas, mas no nosso ponto de vista em uma condição totalmente precária”, afirma Perciliana, uma representante dos servidores técnico-administrativos.

Perciliana defende que a greve é essencial para defender o direito dos trabalhadores, mas explica que isso não significa parar completamente de trabalhar. “Greve não é fechar a universidade simplesmente. A gente reorganiza o processo de trabalho. Vão funcionar as essencialidades. Essencialidades não é o que é importante, é o que é perda irrevogável, irreparável”, explica a servidora. Exemplos de serviços essenciais incluem emissão de comprovante de matrícula, de diploma e atendimento integral de pacientes internados no hospital universitário.

Fábio Iori explica que a maioria dentre os professores acredita que a greve vira a opinião pública contra os funcionários. “Eu penso que nós devemos ficar em greve igual aos técnicos, porque nós não podemos aceitar essa precarização, que é muito intensa.  Mas, o outro grupo acha que se nós fizermos a greve, vai ser desgastante e a opinião pública vai ficar contra nós”. O sub-reitor de Pós-graduação defende a volta às aulas. “O fato de estar tendo aulas aqui permite que a gente tenha os estudantes, os professores e os técnicos mais facilmente mobilizáveis, para reagir a alguma medida que o governo queira impor que prejudique a universidade”, afirma.


“A UERJ VALE A PENA”

De 2016 para 2017 a universidade viu o número de vagas disponíveis na primeira reclassificação dobrar em quase todos os cursos. Isso quer dizer que grande parte dos alunos que passaram nas provas da universidade desistiram da vaga. No Direito, curso mais reconhecido da universidade, o número de vagas não preenchidas na primeira chamada saltou de 28 para 105. Para o sub-reitor de Pós-graduação, não há dúvidas de que o aumento esteja relacionado à situação da universidade. “Muitos dos alunos que tinham como primeira opção a UERJ passaram a ter como primeira opção a UFRJ, a UFF e às vezes até universidades pagas, como a PUC. Foi um prejuízo muito sério para a imagem da universidade”.

Apesar das dificuldades, o DCE defende a qualidade da universidade por meio da campanha “A UERJ vale a pena” e frisa a importância do apoio dos alunos para sair dessa situação.“A UERJ continua valendo a pena. Ela é uma universidade de qualidade, porque quem faz a qualidade é a comunidade e a gente resiste”, afirma Ian Ribeiro. “Estamos passando por esse problema que não é culpa nossa, mas do governo que não tem a educação como prioridade. Para sair da crise nós temos que sair dela juntos. Se os alunos não entram, dificulta ainda mais a situação da universidade”, acrescenta. 

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