Por Felipe Gelani
"O Brasil é considerado um dos países com a maior concentração de terras do mundo. Um por cento de todos os proprietários de terra no nosso país, de acordo com os dados do IBGE, detêm 46% de todas as terras. Temos no nosso país em torno de 14 milhões de pessoas sem terra, que querem trabalhar na terra", explica Joaquín Piñeiro, do MST. Ele e a mestre em Mídia e Cotidiano, Mariana Pitasse, trouxeram para o debate a relação entre "Movimentos Sociais: Comunicação e Territórios". A apresentação ocorreu na sala Interartes, do Iacs, em maio, como parte da programação do ciclo Encontros do poder popular, realizado na UFF.
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Evento foi realizado no final de junho Fotos: Felipe Gelani |
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"O embrião do poder popular é a colaboração", afirmou Joaquín |
Joaquín contextualizou o cenário da produção agrária no país, desde antes de sua formação como estado nacional. "Nosso país foi organizado no modelo agrário-exportador, que durante 400 anos funcionou assim. Esse modelo era baseado em um tripé. Com a produção de monocultivos, primeiro com o pau-brasil, depois a cana, o café, agora a soja... Com a mão de obra escrava, pois a escravidão foi abolida apenas no papel em 1888, e com a terceira base desse tripé: a produção era para exportação", explicou.
Segundo ele, essas bases que favoreciam poucos – os latifúndios surgidos nas Capitanias Hereditárias – foram a fagulha que mais tarde originaria movimentos de revolta e resistência popular, como o próprio MST. "Se pegarmos os dez maiores produtos de exportação do Brasil, sete ainda hoje são commodities agrícolas e minerais. Ainda somos hoje um país produtor de matérias-primas para as nações chamadas desenvolvidas. Ainda hoje encontramos terras nas quais temos trabalho escravo. A própria ação da PM, formada antigamente para ir atrás de negros fujões, hoje é a maior causa da morte de pobres e negros nas favelas. Por causa disso tudo, movimentos de contestação foram criados. Houve um extermínio dos primeiros revoltosos, os índios, depois dos negros. Como consequência, houve uma luta. O país é constituído dessas lutas, e o MST é herdeiro dessas lutas."
Joaquín ressaltou a importância de uma reforma agrária no país, uma pauta muito antiga dos movimentos sociais. “Os países que detêm os meios de produção já fizeram suas reformas agrárias há cem, duzentos anos, pois se trata de algo importante para o desenvolvimento de um país. Precisamos democratizar o acesso a terra. Sua função social deve ser exercida." Ele ressaltou que, em nossa Constituição, "é respeitado o direito à propriedade desde que se cumpra sua função social. O MST nasce desse problema histórico não resolvido. O problema agrário."
"O MST foi criado em 1984, com as pautas de luta pela terra, luta pelas reformas e pela transformação social. Estamos organizados em 24 estados, menos no Amazonas, Acre e Amapá, mesmo por que a maioria dos trabalhadores nesses estados são extrativistas, e nossa luta não abarca esses setores. Mas com o avanço da fronteira ruralista estamos nos organizando lá também", detalhou Joaquín sobre o grupo.
Ele também revelou outros números sobre o MST. "Estamos em 2.300 municípios brasileiros, quase a metade. Nossa base social e organizada é dividida entre as famílias ainda acampadas, em luta, em torno de 100 mil famílias, e as famílias assentadas, que já conquistaram terras com reconhecimento do estado. São 300 mil famílias assentadas que conquistaram a terra nesses 30 anos de luta. Os números são estimados, pois não temos filiação. É um movimento de massa, social e aberto, no qual entra quem quer lutar pela terra. Dentro do movimento temos nossas normas de atuações. Isso demanda um trabalho muito duro para manter a organização."
Joaquín ressaltou que a entrada de pessoas no movimento se dá mais por pura necessidade do que por algum tipo de conscientização política, algo passado para as famílias posteriormente. "É uma vida dura. Só fica quem realmente precisa. Viver em um acampamento é muito difícil. Vivemos tensos, com a possibilidade de sermos atacados por jagunços, policiais, etc. Todos têm que cumprir uma tarefa, participar da organização. O embrião do poder popular é essa colaboração, a divisão de tarefas."
Ainda segundo Joaquín, atualmente a principal luta do MST é contra o agronegócio, ou a "aliança entre latifundiários e o capital internacional." E alertou: "70% do alimento que chega à casa das pessoas vêm dos pequenos e médios produtores. O MST, por exemplo, é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Já os grandes latifundiários produzem para fora, para exportar."
Mariana Pitasse: Um estudo sobre as ocupações populares
Mestre pelo PPGMC/UFF, Mariana Pitasse, que também é repórter do jornal Brasil de Fato, apresentou os resultados de sua pesquisa para a dissertação. Seu objeto de estudo foram as ocupações populares no Contestado, na cidade de São José, em Santa Catarina, e a 6 de Abril, em Niterói. Ela investigou as estratégias de comunicação implementadas nos dois territórios, refletindo sobre seu impacto e efetividade.
Mariana esclareceu que a ocupação do Contestado, ocorrida em outubro de 2012, começou quando um candidato a reeleição à prefeitura de São José prometeu para um grupo de famílias do bairro de Serrarias, na periferia da cidade, que um terreno em desuso seria desapropriado e destinado para moradias sociais. Segundo Mariana, o candidato incentivou as famílias a ocupar o terreno. No entanto, seis dias depois, o candidato perdeu as eleições, não cumprindo a promessa.
Isso provocou uma expulsão dessas famílias, que já estavam se estabelecendo no local. Elas foram violentamente retiradas do terreno. Porém, algumas famílias, que não tinham para onde ir, foram apoiadas por militantes políticos e movimentos sociais, como o próprio MST, Brigadas Populares, e o coletivo anarquista Bandeira Negra. As famílias foram realocadas em um ginásio, e posteriormente também ocuparam um terreno privado, que estava em desuso há quase 40 anos. Lá, as pessoas tentaram reconstruir as moradias que lhe foram prometidas. O grupo foi batizado de Ocupação Contestado.
Já a Ocupação 6 de Abril foi formada em agosto de 2015, mas começou a ser planejada um ano antes, quando os militantes do MTST chegaram ao Rio com o objetivo de identificar demandas locais de moradia e dar início à atuação do grupo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar de uma atuação forte em São Paulo, o grupo ainda não realizava grandes atos no Rio, até uma ocupação em São Gonçalo e posteriormente a ocupação de 6 de Abril.
O grupo procurava famílias afetadas economicamente com o objetivo de realocá-las em ocupações, para reivindicar os direitos à moradia. Na época, havia muitas famílias que foram fortemente prejudicadas pelas fortes chuvas, que inclusive soterraram várias casas no deslizamento do morro do Bumba, em Niterói, deixando cerca de sete mil pessoas desabrigadas.
Desde a tragédia, a prefeitura da cidade prometeu entregar unidades habitacionais para os desabrigados, promessa até hoje ainda não cumprida. "Por isso, em agosto de 2015, um grupo formado em grande parte por essas famílias que perderam suas casas com as chuvas se juntou e ocupou um terreno localizado no Largo da Batalha, perto da Região Oceânica de Niterói, um terreno de propriedade da prefeitura, há muitos anos abandonado também. O grupo foi chamado de ocupação 6 de Abril de 2010, data da tragédia do morro do Bumba", explicou Mariana.
O trabalho de Mariana incluiu as duas ocupações como objeto de pesquisa por se tratarem de experiências recentes e por possuírem características semelhantes: pessoas com baixa renda salarial que reivindicam a casa própria. Outro motivo da escolha das ocupações foi o motivo delas terem sido estruturadas por organizações políticas apartidárias, como o MTST e a organização das Brigadas Populares, que reivindicam moradia por meio de diferentes formas de ocupação.
Mariana buscou problematizar a formação dos movimentos de ocupação e mostrar como eles se estruturaram em resposta à segregação econômica e social dos grandes centros urbanos. Ela realizou uma pesquisa qualitativa baseada em entrevistas, com base em um método etnográfico, com membros das ocupações e das organizações políticas. Na dissertação, ela conta histórias das pessoas envolvidas em ambas as ocupações.
No entanto, ela ressalta a grande diferença entre as ocupações: enquanto a do Contestado permanece até hoje, a 6 de Abril durou apenas um mês, por conta de um acordo com a prefeitura de Niterói. No acordo, estava estabelecido que as famílias deveriam desocupar o terreno, e a prefeitura doaria outro terreno, com casas construídas com verbas do programa Minha Casa Minha Vida.
Ela destacou outras diferenças nas estratégias de organização política e social nas ocupações, além de analisar as formas de comunicação estabelecidas. "Logo que começa a ocupação do Contestado, a comunicação aparece como instrumento de organização das ações de urgência, que eu chamo de período emergencial. A comunicação está presente desde a nomeação da ocupação, em referência a Guerra do Contestado, até a organização de eventos que ajudaram a apresentar publicamente a ocupação e a suprir necessidades básicas dessas famílias ocupantes", explicou.
Posteriormente, a comunicação foi planejada para comemoração de um ano da ocupação, tendo como intenção reformular a imagem pública do movimento, como a recriação do logo da ocupação, criado e decidido pelos próprios membros do grupo em votação. Nessa época, também foi criado o jornal Contestado Vive, que funciona como um panfleto de notícias e como um meio de representação formal que ajudava a definir a identidade pública do grupo.
Ela destaca que, durante um período posterior, com o afastamento dos moradores dos grupos sociais, que cuidavam dos mecanismos de comunicação do Contestado, e a consequente diminuição das publicações dos panfletos, jornais, e outros suportes comunicacionais da ocupação, a ação repressora da Polícia Militar de Santa Catarina aumentou.
Isso incentivou uma nova fase na comunicação das famílias afetadas, como uma reativação das páginas das redes sociais relacionadas ao Contestado e a produção de um pequeno documentário com relatos dos moradores sobre a ação policial. Segundo Mariana, o projeto de comunicação do grupo teve sucesso, e foi notada uma redução da violência policial. O movimento continuou forte em 2016, mobilizando inclusive manifestações contrárias ao governo Temer.
Isso incentivou uma nova fase na comunicação das famílias afetadas, como uma reativação das páginas das redes sociais relacionadas ao Contestado e a produção de um pequeno documentário com relatos dos moradores sobre a ação policial. Segundo Mariana, o projeto de comunicação do grupo teve sucesso, e foi notada uma redução da violência policial. O movimento continuou forte em 2016, mobilizando inclusive manifestações contrárias ao governo Temer.
Sobre as estratégias comunicacionais da ocupação 6 de abril, foi um elo de comunicação entre as famílias que formaram a ocupação. As estratégias foram estabelecidas pelo MTST, no caso dessa ocupação, e foram divididas entre comunicação interna e externa, com diferenças entre o período de ocupação e o aguardo das famílias pela realização das promessas da prefeitura.
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