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Martins Penna resiste

Única escola pública de teatro do Rio luta contra o sucateamento

Por Igor Oliveira Simões
Fotos: Camila Shaw

Escola de teatro em atividade mais antiga da américa latina com 109 anos de existência. Fundada pelo escritor Coelho Neto. Celeiro de grandes talentos da dramaturgia do passado e do presente, como o ator Procópio Ferreira e o autor Jô Billac. Mesmo com todo seu peso histórico, a única escola técnica que oferece formação teatral gratuita no Rio de Janeiro, batizada com o nome do ator precursor da comédia de costumes no Brasil, a Martins Penna vive um verdadeiro drama com os reflexos da crise financeira que atinge o Estado desde 2015.

A escola faz parte da rede FAETEC e está desde 1950 na Rua Vinte de Abril, no imóvel onde nasceu o Barão do Rio Branco. As dificuldades dos cerca de 200 filhos da Martins, como são chamados os alunos da escola, começam com o processo de desmonte estrutural da instituição. A unidade sofre com a falta do repasse das verbas de manutenção, que não ocorre desde agosto do ano passado. Os aparelhos de ar condicionado não funcionam por falta de manutenção, as instalações elétricas são constantemente improvisadas por funcionários da escola e a sala de caracterização não possui iluminação adequada.

Instalações da Martins Penna
No sexagenário teatro Luiz Peixoto, de modelo italiano, a situação não é diferente. Além do problema da climatização, que compromete a realização de espetáculos com utilização de roupas mais quentes, as varas de iluminação são de madeira e foram improvisadas, pois as originais foram comidas pelos cupins. O palco onde grandes artistas fizeram suas primeiras apresentações, hoje se sustenta após a colocação de uma chapa de madeira por funcionários da escola. E como se não bastassem os inúmeros problemas, um defeito no telhado faz com que o teatro fique alagado quando ocorre uma chuva mais forte. Já o teatro de arena Armando Costa, que teve sua construção iniciada na gestão do então diretor José Wilker, em 1981, apresenta melhores condições estruturais, com uma vara de iluminação de metal, mais leve que a de madeira, que facilita a operação das luzes. Apesar disso, o chão é feito de concreto, o que aumenta o impacto no corpo dos alunos e o equipamento de iluminação é obsoleto.

Os obstáculos na formação dos estudantes também se estendem ao acesso à instituição. Até 2015, eles tinham direito a um lanche e ao riocard escolar nos dois anos e meio em que permaneciam na escola. A retirada desses direitos prejudicou os alunos que vêm de outros estados ou que se encontram em situação de vulnerabilidade financeira. “Pagar aluguel, bancar a passagem e alimentação é algo que encarece a permanência e muitas vezes impede o acesso e a continuidade no curso”, diz o aluno formando, Pedro Barroso.

Apesar do sucateamento proveniente do descaso estatal, a Martins Penna ainda é procurada por alunos de outros estados e até de outros países, sendo referência na revelação de novos atores que, com uma formação ampla, têm a oportunidade de aprender também sobre iluminação e cenografia. O clima nos corredores é de muita mobilização e parceria entre professores, alunos e funcionários, que se desdobram para manter a escola viva e potente. “A escola cai aos pedaços, mas sempre tem gente para amparar”, diz Herbert Said, ex-aluno e instrutor de iluminação cênica.

Emblema
A luta contra a desvalorização da cultura pode ser vista em todos os cantos da escola. Já na entrada é possível ver escrita no muro azul a mensagem: “Sempre tentam acabar com a nossa arte, mas ela resiste e nunca perde a sua realeza”. O amor dos “filhos” pela Martins é o motor da resistência que impede o fim do espetáculo e o fechamento das cortinas da escola centenária.

O mesmo amor é compartilhado por professores e funcionários, que enfrentam a redução do quadro e o atraso nos salários, mas mesmo assim mantém o trabalho. A Martins, que já teve em seu corpo docente figuras como Cecília Meireles e Fernando Pamplona, hoje enfrenta mais de dois meses de salários atrasados dos professores. Muitos funcionários terceirizados foram demitidos sem indenização após oito meses sofrendo calotes sucessivos, prejudicando o andamento da instituição. A escola chegou a ficar sem secretaria, o que impedia a emissão dos certificados de matrícula dos novos alunos. Além disso, a redução forçada no quadro de funcionários compromete a organização das doações de figurinos e cenários recebidas pela escola e contribui para a deterioração do rico acervo da biblioteca, impedindo o acesso dos estudantes. “A biblioteca ano passado funcionou com cinco funcionários que não receberam, fazendo rodízio pra ficar uma hora por dia só pro pessoal fazer prova”, conta Marcelo Biar, co-gestor da unidade.

Alunos da Martins Penna
O vigia Luis Fernando, 56 anos, trabalha há pouco mais de três anos na escola e foi um dos funcionários terceirizados que ficou oito meses sem salário. Demitido, recebeu apenas uma parte do FGTS depositado pela empresa PROL Serviços, no valor de R$ 104. Depois de seis meses sem conseguir emprego fixo e fazendo bicos para ajudar a esposa no sustento dos dois filhos adolescentes, retornou as funções na Martins Penna por outra empresa terceirizada. “Foi um sufoco, passei um período difícil, até porque o mercado aí fora não tá fácil, você não consegue arrumar emprego”, conta Luis.


Luis Fernando
O professor Ricardo Rocha compartilha da mesma situação de Luis Fernando e, mesmo com dois meses de salário em atraso, mostra que a resistência encontrada nos alunos que se formam na unidade encontra ressonância no engajamento permanente dos funcionários, que ajudam a manter a Martins Penna de pé desde 1908.

“Se a escola não funciona, é fácil desmontá-la, então a gente tá na resistência, continua mantendo a qualidade que tem, com os estudantes que tem”.


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