Por Marcella Ramos
Em 2016, o projeto Migrantes Desaparecidos da Organização
Internacional pela Migração calculou cerca de 7,5 mil mortes de migrantes.
Dessas, mais de 5 mil teriam sido durante a travessia no mar Mediterrâneo.
Apenas nos primeiros quatro meses de 2017 foram mil mortes na rota. A
organização avalia que entre o período de 2014 até maio de 2017 cerca de 21 mil
pessoas desapareceram ou morreram. Desses, mais de 13 mil no Mediterrâneo. A
crise migratória dos últimos anos é a mais grave desde a 2ª Guerra Mundial.
A fome, os conflitos e a miséria são alguns dos motivos. Os principais países de origem dos migrantes são da África e Oriente Médio. Desde 2010, houve revoluções na Tunísia e no Egito, uma guerra civil na Líbia e na Síria e também ocorreram protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omâ, Iêmen, Kuwat, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Com isso, governos de décadas caíram, outros surgiram e o clima de instabilidade se instaurou. A guerra na Síria se mantém como um dos mais complexos e mortíferos conflitos desse século. Nesse contexto, é comum que aumente o número de evasão.
Até 2016, a rota mais utilizada por grupos de refugiados para a chegada à Europa era o leste do Mediterrâneo, onde os migrantes saiam da Turquia e entravam pela Grécia. Entre 1 de janeiro e 3 de maio de 2016, cerca de 155 mil pessoas entraram no continente europeu por meio dessa rota. Desses, 5,3 mil morreram.
A Ilha de Lesbos, na Grécia, era a principal receptora de refugiados. Em 2015, o jornalista Victor Ferreira do Profissão Repórter da Rede Globo, visitou a ilha e acompanhou a jornada de migrantes recém-chegados. Ele contou, durante o “Conversas Piauí e Pública”, em abril de 2017, que botes com capacidade para 20 pessoas chegavam com mais de 40 viajantes todos os dias.
— Aquelas pessoas não recebiam nenhuma orientação. Entravam nos botes e o traficante de pessoas
falava para eles seguirem em frente. Depois que empurrava o bote para o mar, ele saltava e voltava para terra. Assim, eles ficavam horas em um bote superlotado esperando chegar, em algum momento, na Grécia.
Em março de 2016, a União Européia selou um acordo com a Turquia, prevendo a devolução dos refugiados que tentassem cruzar a fronteira pelo caminho. Mesmo que nos primeiros meses a medida tenha tido problemas para se instaurar — na primeira semana, mais de mil pessoas chegaram em solo grego sem grandes problemas —, um ano depois, a mudança é palpável: Apenas 376 pessoas usaram a rota e 37 morreram no caminho.
Com isso, os refugiados passaram a usar a rota central do Mediterrâneo, saindo da Líbia e entrando pela Itália. Nos primeiros cinco meses desse ano, 37,2mil pessoas cruzaram o centro do Mediterrâneo e cerca de mil morreram. Em 2014, existiu a Mare Nostrum, uma operação humanitária da marinha italiana que resgatou mais de 166 mil pessoas em apenas um ano. Ela foi substituída pela Triton: de menor porte, com equipe reduzida e poucos aparatos como helicópteros e aviões.
Dessa forma, a nova operação se desenvolve apenas em localidades próximas à terra firme, ignorando
o alto mar, onde um grande número de botes naufragam. A troca das operações gerou polêmica pelo suposto descaso com a vida dos refugiados, que não deixariam de cruzar a fronteira. Agora, a busca e o resgate das pessoas depende novamente das guardas-costeiras e de navios comerciais.
Com o elevado número de mortes é difícil entender por que as pessoas viajam por essa rota. É importante notar que a Europa, que oferece melhores condições de vida, se converteu em uma
fortaleza quase impenetrável. Muitas vezes, o Mediterrâneo é a única opção para chegar ao continente. Além disso, a Itália, comparada a outros países europeus, apresenta menor dificuldade de acesso.
Em março de 2017, o Conselho da Europa, defensor dos direitos humanos no continente, denunciou
fragilidades no sistema italiano de repatriações voluntárias ou forçadas de imigrantes clandestinos. Segundo o órgão, isso poderia encorajar um fluxo cada vez maior de imigrantes irregulares. Ressaltaram também que a Itália não consegue dar proteção legal aos menores de idade que chegam desacompanhados em seu território. O posicionamento foi fruto de uma visita ao país feita pelo comissário especial para migrações, Tomas Bocek, em outubro de 2016.
Em seguida, durante um discurso no Senado, o primeiro-ministro italiano, Paolo Gentiloni, até então
discreto e avesso a polêmicas, rebateu as afirmações. Ele disse que a crise migratória não se resolve com mágica:
— O objetivo é substituir a imigração clandestina por fluxos e canais mais aceitáveis. Com isso, espero um passo a mais, em termos de recursos, para ajudar a Itália — declarou. Ele também disse que não aceitará “lições da União Europeia”
— Nossas atividades estão concentradas em uma série de medidas, da imigração à administração pública, do processo penal à segurança urbana. Desafio qualquer um a indicar outro governo na Europa empenhado em um complexo de reformas como o da Itália. Não somos os primeiros da classe, mas não aceitamos lições. — completou, enfático.
A maioria dos refugiados que chegam à Europa têm como objetivo chegar à Alemanha. Segundo Victor, não eles entendem bem o porquê:
— Quando eu perguntava para os refugiados o porquê de estarem indo para a Alemanha, ninguém parecia saber direito o que iria encontrar. Pra mim, isso era bastante assustador. Você vê crianças e famílias inteiras, levando todas suas vidas em uma mochila e indo para a Alemanha sem garantia.
Mesmo recebendo todos os sírios, iraquianos e afegãos, o asilo alemão não é imediato: o processo para aceitar pessoas como refugiadas pode levar um ano ou mais. Victor acrescenta outra situação: a ida para a Alemanha é cara, apenas refugiados com dinheiro conseguem fazê-la. Somente a travessia da Turquia para a Grécia custava cerca de mil euros por pessoa em dinheiro.
— Assim como a maioria dos sírios ou refugiados em geral que iam pra Europa tinham dinheiro, tinham também muita qualificação. Eu encontrei engenheiros, médicos, arquitetos… Gente que tinha um emprego, trabalhava, tinha uma vida absolutamente normal em seu país e teve que largar tudo de uma hora para a outra.
A política de portas abertas da Alemanha não se dá por uma questão somente humanitária. A taxa de natalidade está baixa e falta mão de obra. A intenção da Alemanha é receber principalmente famílias com filhos pequenos para que eles possam crescer com educação alemã e passar a ocupar esses cargos. Nos últimos meses, o país começou a recusar os refugiados que não estão dentro dos padrões previstos — casais jovens com filhos pequenos.
A Alemanha recebeu cerca de 800 mil refugiados somente em 2015 — quatro vezes mais que o total
registrado no ano anterior — ainda é o principal destino de milhares de imigrantes que chegam ao continente.
Em fevereiro de 2017, os representantes dos 28 países membros da União Europeia se reuniram em Malta para discutir a crise migratória e estabelecer medidas para conter o fluxo de pessoas pelo Mediterrâneo. Dentre as dez medidas no acordo assinado, está a decisão de aumentar o apoio fornecido às autoridades e à guarda costeira da Líbia para deter barcos de migrantes em seu litoral e erguer campos de refugiados no país. Além disso, a UE decidiu apoiar processos de repatriação voluntária para refugiados que pretendem retornar aos seus países de origem. Sobre o assunto, a chanceler alemã, Angela Merkel, declarou durante o encontro:
— A situação dos migrantes é dramática na Líbia. Precisamos de uma saída política para estabilidade.
Durante o ano de 2016 e 2015, Merkel sofreu críticas dentro da Alemanha por conta de seu posicionamento diante das migrações. Opositores afirmavam que os refugiados estavam sobrecarregando o sistema, que a violência de extrema direita havia se agravado e que o terrorismo islâmico havia chegado ao país. Sobre a ida para a Alemanha, Victor lembra de uma situação em que se envolveu:
— Na viagem da reportagem, quando a gente já estava em solo europeu eu vi um grupo conversando
e já tinha percebido que um deles falava inglês. Eu tentei ser legal, chegar junto. Comecei a falar “e aí, aliviado que você está na Europa?”. Nisso eu fui meio infeliz.
É claro que existe o alívio de ter feito a travessia e estar vivo. Quem morre, morre nesse momento,
não morre já estando na Europa. Ele já tinha passado por uma provação muito grande. Só que agora tinha outra: a sensação de não-pertencimento. Esse rapaz com quem eu falei era um afegão jovem e ele respondeu “é, a minha família está lá e eu não sou daqui, eu nem sei se eu gostaria de estar aqui. Eu vim porque a família toda juntou dinheiro e só dava para bancar uma pessoa. Pediram para eu vir porque eu era mais jovem”. Ele se sentia um pouco covarde, mas a família insistiu demais. — contou.
Por que viajam por essa rota mesmo sabendo que ela é perigosa?
Para a maioria dos refugiados, que só querem fugir dos conflitos, a travessia é o menor dos problemas. Além disso, alguns imigrantes que sobreviveram à travessia relataram que uma vez com os traficantes responsáveis pela viagem na Líbia, é impossível voltar atrás. Mesmo que você tente desistir, armados e ameaçadores, os traficantes não dão outra opção senão entrar no bote.
Por que essas viagens têm que ser clandestinas?
O maior problema é a dificuldade de conseguir visto: mesmo que quase todos os governos europeus tenham assinado acordos internacionais sobre refugiados após a Segunda Guerra Mundial, atualmente eles colocam obstáculos. Nos últimos anos, apenas 40 mil vagas de reassentamento para refugiados sírios foram oferecidos, 30 mil só na Alemanha. Além disso, outros cinco países vizinhos da Síria acolheram 3,9 milhões de refugiados.
Por que há tantos naufrágios?
As causas do elevado número de afogamentos no Mediterrâneo são de infra-estrutura. Essas travessias são feitas em botes para, no máximo, 20 pessoas. Além disso, quem comanda essas operações são traficantes de pessoas. Quando essas embarcações viram ou apresentam problemas, nem sempre há ajuda por perto. Agora, as operações de resgate são controladas principalmente pela guarda costeira, que controla áreas próximas à terra firme.
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