Saindo de uma guerra em torno do minério, congoleses encontram refúgio no Brasil
Por Camilla
Alcântara e Mariana Alecrim
A República Democrática do Congo
está mais presente no nosso dia a dia do que percebemos. É lá que se encontram
cerca de 80% das reservas de uma das substâncias mais cobiçadas mundo – o
Coltan. Apelidado de “ouro azul”, é uma mistura de dois minerais, columbita e
tantalita, e é matéria-prima de celulares, tablets, satélites, computadores e
outros aparelhos eletrônicos. Além dele, o segundo país mais extenso da África
também abriga minas de ouro, ferro, urânio e diamantes, que são visadas
mundialmente.
Tantas riquezas naturais fazem
contraste com uma população carente e acostumada a viver em guerra.
Independente da Bélgica em 1960, o mais populoso país francófono do mundo
também é jovem e demasiadamente pobre. Possui uma das maiores taxas de
mortalidade infantil do planeta, junto a elevados índices de analfabetismo e
desnutrição. O Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,239, a segunda pior
média mundial. Ainda assim, é o lugar mais bonito que Mireille Muluila já
colocou os pés.
“O lugar mais bonito do mundo é
sempre o nosso país”, foi com essa frase que começou a contar sua história de
vida numa palestra promovida pela Cáritas, no Rio de Janeiro. Mireille é
formada em Relações Internacionais e fluente em sete idiomas, e faz parte dos
1.151 refugiados congoleses que habitam no Brasil. Só no Rio, são mais de 900.
A Convenção de 1951, assinada em Genebra, define o refugiado como aquele que
esteja fora do seu país de nacionalidade ou residência habitual por
perseguição; seja ela por nacionalidade, grupo social, raça, religião ou
opinião política.
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Prince Pombo está há um ano no Brasil. Hoje, dá aulas de
inglês no Abraço Cultural e elogia seu novo país. (Foto: Victor Curi) |
A adaptação dos refugiados em solo
brasileiro pode ser difícil. Quanto mais novos, mais facilidade com o idioma, o
que não acontece com os mais velhos, que também possuem raízes fincadas na
terra natal. No Rio, a Cáritas dá o primeiro apoio aos refugiados. Lá, Mireille
teve aulas de português, mas enfrentou dificuldades em sua chegada. “Não é
fácil deixar o seu país e tudo o que você conquistou, e ir para outro onde você
não conhece ninguém, não fala nem a língua local. Isso aconteceu comigo.”
No Rio, há 4.288 refugiados e 2.899
solicitantes. Se comparada à da Europa, a legislação brasileira para
solicitantes de refúgio é avan- çada. Em terras europeias eles ficam retidos e
recebem auxílio financeiro; enquanto aqui, apesar de não haver o direito a
bolsa, o posto de refugiado já lhes é garantido e, assim, conseguem emitir toda
a documentação necessária para começar a nova vida.
Mesmo com um Brasil de tanta
abertura para receber os imigrantes em refúgio, há muita luta contra o
preconceito. “Na África eles lidam com a discriminação étnica, e aqui eles
descobrem o racismo”, diz Diogo Felix, assessor de imprensa da Cáritas.
Mireille confirma: “[As pessoas] acham que vamos para outros países porque
queremos roubar empregos, porque fizemos algo ruim nos nossos países, porque
somos ruins”. Foi o que Prince Pombo, cientista político que pediu refúgio no
Brasil por ser do partido de oposição, também percebeu: “No Brasil, encontrei
pessoas boas e ruins. Felizmente, encontrei mais boas”, conta.
Ao chegar aqui, Prince começou a
trabalhar em um hotel. Hoje, é professor de inglês no Abraço Cultural, uma
escola de idiomas onde todos os professores são refugiados. “O Abraço surgiu
com o propósito de inserir essas pessoas que chegam ao Brasil na sociedade,
tanto economicamente quanto social e culturalmente”, explica Tatiana Rodrigues,
coordenadora. Segundo ela, a ideia foi de prestar auxílio de uma maneira que
não fosse pontual e assistencialista, mas que pudesse empoderar e integrar os
refugiados. Lá, são ministradas aulas de árabe, espanhol, inglês e francês, sob
a ótica das culturas dos professores.
Vivendo entre os conflitos, Prince
bateu à porta da embaixada brasileira e foi acolhido. Saindo de um lugar que já
esteve nas mãos de um ditador com o poder de mudar o nome de sua nação para
Zaire, e o próprio nome para algo que pode ser traduzido por “todo poderoso
guerreiro”, encontrou no Brasil um sistema político em desenvolvimento, porém
com alto grau de organização no que se diz à administração do sistema público,
em sua opinião. “Aqui, as pessoas são facilmente identificadas pelo CPF, e tudo
depende dele. No meu país não há isso, o Brasil está caminhando para um ótimo
nível de organização. Passo a passo, o Brasil está indo muito bem”, justifica.
Quando questionada sobre o futuro
em solo brasileiro, Mireille conta que gostaria de voltar a trabalhar na área
em que é graduada e ajudar a quem precisar, mas que quer aprimorar-se no idioma
antes. Ela ainda dá um conselho aos brasileiros: “O Brasil é um país muito rico
e há pessoas que olham para isso com maldade. Os brasileiros precisam cuidar da
própria casa”.
Curiosidades:
• Há mais brasileiros migrantes do
que pessoas de outros países em nosso território;
• A Argentina acolhe um número de
refugiados duas vezes maior que o Brasil;
• Há diferenças entre refugiados e
migrantes. Os refugiados deixam seus países por motivos de guerra ou perseguição.
Os migrantes podem possuir qualquer outra razão;
• A lei não permite que os
refugiados sejam enviados de volta a países onde suas vidas são ameaçadas;
• Caso o imigrante chegue a seu
novo país sem seus documentos atualizados, ele pode ser deportado – o que não
pode acontecer com os refugiados;
• Existe um debate, sob exemplos da
desertificação da região africana de Sahel ou a inundação de uma ilha costeira
em Bangladesh de que os migrantes que saem de suas casas por causa de mudanças
climáticas devem ser considerados refugiados. A nova Lei de Migração ;
• Reconhece o migrante,
independentemente de sua nacionalidade, como um sujeito de direitos, reduzindo
a burocracia e facilitando sua inclusão na sociedade brasileira;
• Prevê uma anistia para migrantes
sem documentos que entraram no país até 6 de julho de 2016, como consta no
artigo 118;
• Promove o combate à xenofobia e a
não-discriminação;
• Torna o sistema de recepção e
registro dos migrantes mais moderno, incluindo, também, artigos específicos
para casos de apatridia (quando a pessoa não possui nacionalidade);
• A nova lei também se estende aos
brasileiros no exterior (por isso o nome “Lei de Migração”, no lugar de Lei de
Imigração);
• A lei brasileira protege tanto os
direitos do migrante quanto no combate a organizações criminosas que se
aproveitam da migração para a prática de atos ilícitos.
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