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Foto: Divulgação |
A violência doméstica marca o dia a dia de muitas mulheres brasileiras, sobretudo as mulheres negras.O caso da cantora de funk MC Carol, que ocorreu no dia 4 de abril de 2018 (quarta-feira), realça esse debate. Segundo o Mapa da Violência de 2015, a quantidade de homicídios de mulheres brancas caiu em aproximadamente 10% entre 2003 e 2013, enquanto a de mulheres negras aumentou 54,2% no mesmo período.
MC Carol denunciou em suas redes sociais uma agressão de seu ex-namorado Alexsandro de Oliveira, 24, que invadiu sua residência no município de Niterói com um facão, resultando em uma luta entre os dois e na prisão dele em flagrante. A cantora afirma que seu ex-namorado sentiu ciúmes de uma foto dela na piscina, por isso resolveu atacá-la e o caso foi registrado na 76ª DP de Niterói. MC Carol, no entanto, demonstrou revolta por Alexsandro ter sido autuado por lesão corporal em vez de tentativa de homicídio:
''Eu fico muito revoltada porque eu tenho testemunha que tava lá junto na hora, eu tenho câmera e ele tá respondendo por lesão corporal. E, mais uma coisa, eu sou conhecida, né? Eu trabalho artisticamente e ele tá respondendo por lesão corporal e eu fico imaginando a mulher que não é conhecida, que não tem câmera, que não tem testemunha, sabe?'', disse a cantora.
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Facão utilizado por Alexsandro. Foto: Bruno Albernaz / G1 |
Casos como esse são comuns no cenário de denúncias, como o de uma moradora do município de Niterói, 35, que cedeu depoimento anônimo para a reportagem: ''Eu estava me arrumando em frente ao espelho e ele me falando que não iria me deixar ir para a escola e eu falando que iria. De repente, ele veio por trás, agarrou minha cabeça e me ''tacou'' contra o espelho. Na hora eu fiquei desacordada com a pancada e ele me deixou lá caída, saiu e me trancou dentro de casa(...)''.
Em sua música ''100% feminista'', MC Carol relata que já testemunhou casos de violência doméstica dentro de sua própria casa, em trechos como ''Presenciei tudo issso dentro da minha família, mulher com olho roxo, espancada todo dia''. A cantora reitera que o relato das músicas retrata o cotidiano de muitas mulheres pobres, sobretudo as negras.
''Dentro da minha casa, minha bisavó, que me criou, era bastante submissa e isso me incomodava um pouco, porque eu achava que ela não tinha voz. Ela casou cedo, teve sete filhos, não teve estudo e é isso. É muito normal você ver isso, principalmente em comunidade, é muito normal você ver a mulher sem estudo, a mulher cheia de filhos, dependendo do cara, morando na casa do cara, tendo que se submeter a várias humilhações por conta disso ou não ter para onde ir'', diz a cantora, que agora está lançando sua candidatura pelo PCdoB como deputada estadual e tem como uma de suas plataformas a efetivação de políticas voltadas para a proteção de mulheres.
Assim como MC Carol, uma moradora da Zona Oeste do Rio de Janeiro, 18, relata como era conviver em uma família que também era prejudicada pela violência: ''Meu pai batia na minha mãe. Eu descobri quando um dia voltei do colégio e minha mãe estava toda machucada e chorando, havia sangue na parede e meu pai fingindo que nada aconteceu. Foram diversas vezes, em casa, na rua, no prédio. Ver minha mãe sofrer me fazia sentir impotente, como se minha vida tivesse virado do nada e eu nem ao menos podia fazer nada.''
O papel das delegacias
Para dar suporte às vítimas, foi inaugarado em 1986, em São Paulo, a primeira Delegacia da Mulher (DEAM), propondo-se a prevenir e oferecer ajuda a mulheres que sofrem qualquer tipo de violência de gênero. A psicóloga e professora de psicologia pela Universidade Federal Fluminense, Paula Land Curi trabalhou por muito tempo na área da saúde da mulher, voltada para políticas públicas. A respeito do tratamento dessas delegacias às vítimas, Paula diz que ''para poder se acolher bem uma mulher especialmente nesse momento de muita vulnerabilidade, há de se ter passado por um intenso trabalho consigo mesmo. Um trabalho de desconstrução frente às questões de gênero e de sensibilização frente ao outro''.
Embora o trabalho dessas delegacias seja eficaz e tenha auxiliado muitas mulheres, há ainda casos de outras que sofreram preconceito dentro das próprias instituições. Em relato anônimo, uma moradora do município de São Gonçalo afirmou ter sido humilhada quando foi fazer uma denúncia na DEAM:
''Além de ser humilhada dentro de casa, existem plantões na delegacia da mulher que, ao invés de nos apoiar, nos humilham ainda mais. Muitas mulheres evitam dar parte dos homens por conta das humilhações que sofrem nas DPs'', afirmou.
Para Paula, uma mulher que sofre violência, principalmente sexual, deve buscar em primeiro lugar cuidados na saúde: ''A exposição à violência sexual é uma emergência e a mulher deve buscar ajuda em até 72h depois do fato ocorrido(...). Depois que ela se cuidar, e se quiser, poderá se dirigir a uma delegacia de polícia''.
Paula chama a atenção ainda para o cuidado que se deve ter ao interferir numa relação de violência doméstica. Segundo a psicóloga, a mulher muitas vezes pode viver em uma relação abusiva sem perceber que está imersa neste meio, considerando as violências que sofre como algo ''normal''. Neste caso, Paula frisa que é importante tomar cuidado para lidar com uma mulher que esteja passando por esse tipo de situação:
''Escuto diversas e singulares formas de como lidar com a violência, assim como de romper com ela. Ou seja, não há uma receita do que fazer, nem o momento certo para fazer. Cada mulher, a seu jeito, deverá buscar as suas formas. Contudo, isso não implica que não possamos advertir a sociedade sobre a questão da violência de gênero e que não possamos orientar as mulheres sobre os dispositivos que temos a nossa disposição'', diz.
Além das DEAMS, após o sancionamento da Lei Maria da Penha, muitas organizações não-governamentais passaram a surgir para dar apoio às vítimas de violência de gênero, como a Associação Artemis, o Mapa do Acolhimento e o MAMU (Mapa de Coletivos de Mulheres), oferecendo uma alternativa às vítimas.
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