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Reunião na Câmara Municipal de Niterói, 18 de outubro de 2017 |
Victor Gabry
Cinco. Esse é o número de proprietários de 50% da mídia nacional. Seja ela televisiva, virtual, impressa ou radiofônica, são esses cinco grupos (Globo, Bandeirantes, Macedo, RBS e Abril) que concentram metade de todas as formas de comunicação no país, segundo relatório do MOM (Media Ownership Monitor). Dentre os mais de 50 veículos analisados, salta uma conclusão aos olhos dos pesquisadores - o risco à democracia que representa essa concentração. Em meio a esse cenário, algumas iniciativas de resistência despontam. Na cidade de Niterói, em especial, o projeto de lei 25/2017, de autoria do vereador Leonardo Giordano (PCdoB), prevê a destinação de parte da publicidade oficial para a comunicação comunitária. No entanto, o projeto se encontra estagnado.
Dentre os projetos que buscam democratizar a comunicação no Brasil, a maioria esbarra no mesmo problema: verba. E embora vejam-se claramente os anúncios de imóveis ou cosméticos nas páginas da VEJA ou do Globo, uma publicidade se esconde de olhos não treinados: a publicidade pública. Seja o "concurseiro" que busca um edital ou a mãe preocupada que busca onde vacinar seu filho, a divulgação de informação pública é paga - e bem paga - pelo governo. Segundo artigo publicado no Observatório da Imprensa, de maio a agosto de 2016 foram arrecadados 16,8 milhões pelo grupo Globo. Maiores, esses gigantes da imprensa concentram um capital que parte do governo - e consequentemente dos impostos - para se perpetuarem no topo da cadeia alimentar. É aí que entra o PL do vereador.
30% - Esse é o valor, dentro da verba da publicidade pública niteroiense, segundo o projeto, que seria destinado a veículos alternativos de comunicação no município. Um montante que, segundo o próprio vereador, representava em 2017 "em torno de 6,5 milhões de reais". "O projeto surgiu de uma demanda dos próprios comunicadores. O poder público não tem mecanismos que favoreçam esses meios de comunicação. Há uma concentração muito grande da comunicação pública nas mãos de poucos. Isso não é bom para a democracia" diz o vereador durante entrevista por telefone.
Sobre a Lei
O Projeto de Lei, proposto por Leonardo Giordano (PCdoB) e lido em plenária no dia 21 de março de 2017, previa que 30% da publicidade pública seriam destinados a veículos de comunicação alternativa. Para defini-los, o vereador se baseou em outro projeto (207/2016) de Porto Alegre, bem como o apoio de membros da imprensa local e cientistas da comunicação.
Define o projeto que podem concorrer as cotas de publicidade pública:
- jornais com até 5000 exemplares em circulação,
- rádios de baixa frequência
- TV's locais
- blogs, portais, sites ou afins que possuam CNPJ
Diz ainda o projeto de Lei que o foco dos assuntos desses veículos deve ser a região em que estão situados.
Em muitos aspectos esse Projeto de Lei se assemelha ao de autoria do vereador Engenheiro Comassetto (PT), que em Porto Alegre fora aprovado, após uma sucessão de vetos e adaptações, pela câmara, mas recebeu um veto final do então prefeito José Fortunati, hoje PTB. No texto do PL 207/2016 alguns termos permanecem intactos, enquanto outros mudam em qualidade e quantidade: a verba que buscara aprovação era de 20%, enquanto apresentava critérios mais rigorosos para classificar um meio enquanto "alternativo".
O projeto niteroiense foi encaminhado à Comissão de Justiça, que avalia sua validade legal, aprovado em primeira análise e direcionado para a Comissão de Cultura - essa presidida pelo próprio vereador. Do dia 22 de março até 16 de agosto o documento passou por comissões e aprovações, até chegar à final - a Comissão Financeira - antes de poder ser votada em Câmara. Porém, desde o dia 30 a Comissão presidida por Carlos Macedo (PRP) não apresenta retorno.
"Não há muito o porquê o projeto estar parado na Comissão Financeira", diz Giordano em entrevista concedida entre reuniões "O PL não cria nenhuma verba nova, só cria uma cota para que o dinheiro continue sendo usado em publicidade. Só é uma publicidade mais justa". Quando questionadas, nenhuma das assessorias dos cinco membros da referida Comissão se manifestaram. São eles Carlos Macedo, Bruno Lessa (PSDB), Betinho (SDD), Verônica Lima (PT) e Paulo Eduardo (PSOL).
Questionado sobre os critérios e processos para que um jornal dito alternativo pudesse concorrer às cotas de publicidade, Giordano disse: "Isso será uma questão de regulamento. Uma vez a proposta sendo aprovada em Câmara, será trabalho do prefeito elaborar em até 30 dias o regulamento: quais documentos levar, onde ir, essas coisas".
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Beth Costa, secretária-geral da Fenaj |
Comunicadores são Notícia
O dia era 18 de outubro de 2017 – Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação – e a Câmara Municipal de Niterói recebia iminentes profissionais e cientistas da área. As cadeiras encontravam-se ocupadas quase que em sua totalidade; Franklin Martins e Beth Costa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) sentavam-se ao lado do redator do jornal Toda Palavra, o jornalista Luiz Erthal. O propósito: discutir a nova lei de fomento a comunicação alternativa.
Estavam presentes nesse encontro os professores Theófilo Rodrigues, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRJ) e Afonso de Albuquerque, doutor em comunicação pela UFRJ e atual professor da pós graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM). Não foram, porém, os únicos. Comunicadores e donos de jornais de São Gonçalo e Niterói integraram o grupo que demonstrava interesse na aprovação do projeto. Do Cafezinho, blog niteroiense que versa sobre assuntos do país inteiro, dois escritores, o já citado Theófilo e Miguel do Rosario, editor da publicação.
Nesse momento o projeto de Lei encontrava-se engessado, onde se encontra ainda agora na Comissão Financeira. O objetivo, além de discutir, fora de pressionar a Comissão por uma resposta mais ágil - as demais não levaram mais de três meses para dar um parecer, enquanto está já se arrasta por nove meses.
Presentes, formavam um baronato da comunicação - ainda longe dos duques e reis da imprensa. Existem, porém, aqueles que ainda estão abaixo, e que são, se não tanto, ainda mais significativos na democratização da comunicação. Se não brasileira, fluminense.
Quem ficou de fora
Na rua Prof. Lara Vilela, o Instituto de Artes e Comunicação Social se despediu da aluna Jéssica Santos. Jéssica, em seu tempo como aluna de jornalismo, articulara e idealizara um projeto que depois tornara-se realidade: o Paiol Cultural. Com a proposta de democratizar, não apenas a comunicação como também a cultura, o projeto, desde sua criação, em 2007, se propõe a fomentar a cultura e a comunicação, bem como a economia criativa e o desenvolvimento local.
Dentre suas propostas, foram ministrados até 2013 duas oficinas de capacitação. As oficinas tinham como intuito treinar jovens nas práticas jornalisticas e auxiliá-los com a implementação de jornais de comunidades. Projeto semelhante é realizado pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que embora o nome, não se localiza em Piratininga, muito menos em Niterói. Enquanto o NPC atua em larga escala na cidade do Rio de Janeiro, o Paiol tentou em duas ocasiões fazer o mesmo em sua cidade natal. Os resultados: os jornais Grotesco e o Ainda Não Pensei.
Reunindo jovens das favelas da Grota e do Preventório, viu os primeiros frutos da semente plantada em 2010, quando motivados pela experiência, os jovens do Preventório se mobilizaram para continuar o trabalho. O Paiol previa, ao final do tempo de curso, a publicação e editoração de 500 exemplares de um jornal físico - algo ainda muito distante dos 5000 previstos pelo PL, e não menos importante enquanto veículo. Finda a primeira experiência para ambos, o grupo do Ainda Não Pensei (jornal que recebeu o nome pelo teor de seu conteúdo, visando novidades e surpresas) juntou forças e rendas para uma segunda tiragem, essa colorida e com 1000 exemplares.
A iniciativa, porém, tem um custo. Arcar com os 800 a 900 reais dessa última tiragem exauriu as forças do grupo, que não tornou a se reunir. “Eu vejo dois aspectos que dificultam a comunicação alternativa e comunitária: a falta de verba e a equipe. Há um gasto inicial que não se perpetua, mas que tampouco pode ser arcado por essas pessoas em um primeiro momento”, diz Jéssica. “Quanto à equipe, mesmo isso esbarra na verba: é preciso dinheiro para treinar e equipar essas pessoas”. Ambos os veículos seriam fundamentais para o exercício da democracia nessas regiões - e ainda não contemplados pela lei.
Luisa Santiago, socióloga formada pela UFRJ e atualmente membro do Núcleo Piratininga de Comunicação, se manifesta sobre a iniciativa e o projeto. "É um avanço que ainda não temos aqui, é uma boa iniciativa. E um importante passo na luta pela democratização da comunicação. É importante porque retira o monopólio dessas verbas das mãos dos grandes conglomerados”. Mas há ressalvas. “A perspectiva de democratização só se sustenta se não houver contrapartidas como mudanças editoriais, censura...” termina ela, lamentando que igual politica não seja aplicada na cidade do Rio de Janeiro.
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Franklin Martins, jornalista |
Por que a demora?
O presidente da comissão, Carlos Macedo, é réu segundo consulta no TJRJ (código 2012.002.090271-9). A acusação: mandar matar o vereador de quem era suplente, Lúcio do Nevada. O processo, porém, parece tomar tempo do vereador. Adiado no dia 19 de abril pela quinta vez, o crime, que ocorreu em 2012, não tem data para ser julgado. Enquanto isso outros acusados seguem em liberdade. O réu não foi encontrado para dar depoimento, e sua assessoria não soube dar os motivos para a falta de reuniões.
A ausência do presidente da Comissão Financeira não é, porém, desculpa suficiente. Segundo regimento interno da câmara, a vice-presidente Verônica Lima, (PT) pode convocar a Comissão, que precisa contar com pelo menos mais dois membros para que suas decisões sejam válidas. Como, porém, nenhum dos já citados membros se articulou para responder - e claramente para fazer - fica no ar a dúvida sobre o porquê de os vereadores se empenharem em não aprovar proposta a favor da democracia em Niterói.
Muito boa matéria. Bem redigida, calçada em fatos e documentos. Esclarecedor. Parabéns.
ResponderExcluirBem esclarecedor e informativo. Bom texto!
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