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Desmonte da Educação Inclusiva prejudica centenas de alunos em Niterói

Estudante de escola municipal pede professor de apoio/ Thaís Gesteira

                                                                                          Por: Thaís Gesteira


"Eu preciso de professor de apoio porque eu quero ser um cidadão". Assim, num megafone em frente à Câmara de Vereadores de Niterói, o menino Eduardo, de 11 anos, ecoava a luta de centenas de portadores de necessidades especiais, estudantes das escolas municipais, na tarde de 17 de abril. Na ocasião, cerca de 50 pessoas - entre pais, alunos e professores - manifestavam-se contra o desmonte da Educação inclusiva no município. A reivindicação era a convocação imediata de mais professores de apoio, uma vez que o número de profissionais foi reduzido à metade nos dois últimos anos.

“Estamos aqui reunindo estudantes, mães, pais e responsáveis da rede municipal de Niterói, contra o desmonte da educação inclusiva municipal, que é a área que está sofrendo o maior ataque da prefeitura. Está faltando professor de apoio, que é o profissional responsável por garantir a inclusão de alunos com deficiência na educação regular”, explica Robson Wellington dos Santos, 34 anos, professor e diretor do Sindicato dos Profissionais da Educação (Sepe) de Niterói, que convocou para o próximo dia 09 de maio, uma paralisação por 24h dos profissionais da educação. A mobilização será realizada em defesa da Educação Pública com qualidade, pelos direitos e valorização dos professores e contra o desmonte da educação no município.

Até pouco tempo, a rede municipal de Niterói era considerada modelo na inclusão de pessoas com deficiência. O programa "Educação Inclusiva: Direito à Diversidade", da Secretaria de Educação Especial (Seesp/MEC) foi implementado no município em 2004, por meio da Fundação Municipal de Educação (FME), com o objetivo principal de garantir o acesso e a permanência de crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino. Na época, mais de 600 profissionais de apoio atuavam nas escolas da rede.

Hoje, entretanto, a realidade é outra e a cidade está longe de ser exemplo positivo.  De acordo com o Sepe, em 2016, grande parte dos contratos chegaram ao fim. Como consequência houve demissão em massa e restaram apenas 350 profissionais, sendo destes somente 50 concursados. Apesar dos contratos de 300 profissionais estarem chegando ao fim, com um concurso público em vigor - realizado em 2016 - não há possibilidades de eles serem renovados, e a recusa da prefeitura de convocar os aprovados no concurso agrava a situação.  

Uma portaria da FME recomenda que cada profissional de apoio cuide de, no máximo, dois alunos. Mas os 350 professores da rede são responsáveis, atualmente, por 1,2 mil estudantes com necessidades especiais, segundo a Secretaria Municipal de Educação. Como a conta da expectativa não condiz com a realidade, os educadores ficam encarregados de cuidar de alunos com múltiplas deficiências, o que torna o trabalho deles mais difícil. É comum, por exemplo, encontrar turmas com deficientes intelectuais e físicos dividindo o mesmo apoiador, ainda que estes alunos tenham diferentes necessidades a serem atendidas.

“A falta de profissionais está provocando uma superlotação de apoio, ou seja, um professor é responsável por até sete crianças com deficiência, o que faz com que ele não consiga desenvolver o trabalho e nem o estudante consiga ser plenamente assistido e incluído na turma”, afirma Robson Wellington.

Além da superlotação nas salas de aula, a baixa no número de profissionais de apoio provoca o sucateamento de outras modalidades oferecidas aos estudantes. As salas de recurso, onde os alunos recebem apoio especializados, estão sendo fechadas. De acordo com um pai de aluna, que não quis se identificar, os professores das salas de apoio estão sendo remanejados.

“Reclamações sobre a falta de professores de apoio nas turmas de alguma unidade escolar são sucedidas pela ordem de fechar as salas de recursos. Daí colocam sete crianças numa mesma sala de aula e colocam esse profissional para cuidar delas”, acusa.

Em alguns casos, a situação é ainda mais grave. Segundo denúncias, há escolas em que todos os alunos com deficiência estão sendo alocados numa mesma turma exclusiva para eles, sendo privados do direito de estudar em turmas regulares. Ou seja, não há acesso à inclusão.

Vereadores assinam ata em apoio a manifestantes

A manifestação do dia 17 foi a terceira realizada pelo grupo e a mobilização já rende frutos: os militantes conseguiram que os 21 vereadores de Niterói se aliassem à causa. A Prefeitura e a Fundação Municipal de Educação, no entanto, não demonstram empenho para atender ao pedido. Ao contrário, se dedicam à ressaltar os pontos positivos da Rede Municipal de educação.

“Conseguimos as assinaturas de todos os vereadores fazendo indicação ao prefeito para convocação dos profissionais, mas a FME e a Secretaria de Educação dão apenas desculpas. Numa tentativa leviana de tratar a situação, apresentam o que já fizeram em vez de respostas para o que está sendo reivindicado”, afirma Robson Wellington. “A gente espera que agora, com essa indicação dos vereadores, o prefeito atenda a reivindicação e crie os cargos que vão convocar os profissionais aprovados no concurso”, completa.

Vereadores assinam ata em apoio a militantes/ Divulgação


Filhos prejudicados, pais preocupados

Com a precariedade da educação inclusiva, o desenvolvimento dos portadores de necessidades especiais é prejudicado. Além dos estudantes, os pais e responsáveis também sofrem com a preocupação e incerteza que o desmonte provoca.

O astrônomo Wailã de Souza Cruz, 43 anos, é pai de uma menina de 3 anos, portadora da Síndrome de Down e estudante de uma escola municipal localizada próximo à Prefeitura, mas nem a proximidade com o gabinete do Executivo garante que a qualidade do ensino seja mantida. A unidade Alberto de Oliveira é uma das muitas que não contam com o número adequado de professores de apoio. Wailã diz que na turma de sua filha há apenas uma professora para ajudar a sala toda, não havendo professoras suficientes para auxiliar crianças com quadros mais graves.

“Coloquei minha filha nessa escola porque era referência em educação inclusiva, mas esse ano tá caminhando muito mal. Os professores vão embora e não há respostas. Nossos filhos estão sendo muito prejudicados”, conta o pai. “Niterói sempre foi destaque na educação inclusiva justamente pela precariedade das outras cidades, mas em vez de caminhar para frente, estamos retrocedendo”, desabafa.

Alessandro dos Santos da Costa, 45 anos, é vigilante e pai do pequeno Lucas, de 9 anos. O menino é autista e estudante da Rede Municipal de Niterói desde que tinha 3 anos. Nos últimos anos, a família acompanha o sucateamento da educação.

“A educação foi piorando e, consequentemente, o desenvolvimento do meu filho também. Ele tem deixado de estudar, de interagir com outras crianças e isso, especialmente no caso do autismo, é muito importante”, lamenta o pai.

Mãe de Jamile, de 19 anos, a dona de casa Andrea Luiz monteiro, 46 anos, se preocupa com as perdas na evolução da adolescente. A menina é especial desde que nasceu e sofre com epilepsia, transtornos psicóticos e intelectualidade grave. Aluna do 8º ano em uma escola da Rede, ela não sabe ler nem escrever. Antes, Jamile tinha uma professora de apoio só para ela, mas agora ela divide com outros dois colegas.

“Ela vinha tendo ganhos, se socializando melhor, mas agora o caso dela é bem complicado e isso me preocupa. Como a professora vai dar conta de três alunos com síndromes diferentes?”, Andrea questiona.

“Professores sofrem em segredo por medo de retaliações”, relata diretora

O relato de pais, alunos e diretores das unidades é uníssono: a sobrecarga aos professores é absurda. Responsáveis por elevado número de alunos, os profissionais se sentem pressionados e não é raro encontrá-los chorando.

De acordo com a diretora de uma unidade, “os professores sofrem em segredo por medo de retaliações e por precisarem do emprego acabam aceitando o que lhes é determinado”.

Ainda segundo a diretora, que pediu para não ser identificada, “os governantes jogam a responsabilidade da inclusão para os professores, criando conflito entre os pais e os profissionais”.

Enquanto houver esperança, há luta

“Nós lutamos para que os professores aprovados no concurso sejam convocados. Não acredito que ele vá fazer isso sem a pressão dos pais, mas se a gente tiver visibilidade e apoio da sociedade, eu acredito que vamos conseguir - até porque esse ano tem eleição. Então precisamos lutar, porque sem luta não vamos alcançar nada”, afirma Wailã.

Indignado com o rumo que a educação inclusiva vem tomando, ele acredita que tudo seja questão de escolha. “Não é por falta de recursos, Niterói não entrou em crise, não teve salários atrasados… é simplesmente uma escolha do prefeito e da secretária de educação, uma escolha de desmonte do sistema”, alega o astrônomo.

De acordo com o diretor do Sepe, a Secretaria está se limitando a cumprir a lei, mas o sindicato exige qualidade.

“Não queremos que a educação seja baseada em situações de barbárie, a gente defende qualidade, a gente luta por uma educação que já teve em Niterói e que está sendo desmontada ao longo dos últimos anos”, reitera Robson Wellington.

Prefeitura enaltece o serviço

Manifestantes encontram portas fechadas na Prefeitura / Thaís Gesteira


Ainda na tarde do dia 17, os militantes seguiram para a frente da Prefeitura de Niterói, mas encontraram as portas fechadas e não receberam nenhum posicionamento.

Procurada, a prefeitura informou que Niterói conta hoje com uma das maiores redes de educação inclusiva do Estado e que, em virtude desse atendimento diferenciado, tem atraído nos últimos anos estudantes de escolas particulares e de famílias que se mudaram para o município em busca do serviço.

“Esclarecemos que na legislação brasileira não há nenhuma recomendação sobre o número de alunos por professor de apoio. O professor de apoio não é designado para um aluno específico, mas para as turmas onde existem aluno (s) com deficiência (s)”, diz a nota da prefeitura.

O Sepe de Niterói rebate a prefeitura e afirma que a interpretação da lei está sendo feita da forma que lhe convém.

“Sobre o número ideal de professores de apoio em cada sala de aula, a prefeitura está fazendo a interpretação que lhe convém. A lei do município prevê, em alguns casos mais sérios, como autismo e multideficiências, um professor por um aluno. Há outros que não necessitam. Só que o governo está aproveitando essa margem para precarizar para todo mundo”, lamenta o sindicato.




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