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33 anos de tabu

Foto: acervo Grupo Pela Vidda Niterói


Por Roberta Ruchiga

Há exatos 37 anos o mundo conhecia o primeiro caso da AIDS. Era junho de 1981 e a identificação ocorreu nos Estados Unidos. Mas só dois anos mais tarde, em 1983, o vírus causador da doença - o HIV - foi descoberto. Entre 1980 e 1996 o número de mortos pela AIDS cresceu aceleradamente no território norte-americano. Apenas em 1997 o Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA anunciou a diminuição das mortes. Segundo a Fighting AIDS Continuously Together, uma organização sem fins lucrativos americana, entre 1980 e 2002 a AIDS matou cerca de 501 mil cidadãos estadunidenses. Desde o começo da epidemia, enquanto o índice de infectados da população norte-americana aumentava cada vez mais e a comunidade lutava por direitos de saúde, o Brasil já era um modelo a ser seguido, sendo o primeiro país a oferecer o tratamento contra a doença. Nos dias de hoje, a ONU afirma que o Brasil é líder no combate à AIDS e referência mundial. Veja infografia:


Contudo, por que um país que é exemplo a ser seguido pelo resto do mundo ainda carrega um grau tão alto de preconceito com soropositivos? E por que há uma desconsideração da geração atual para se proteger durante as relações sexuais? Segundo o médico Drauzio Varella, os jovens do século XXI não viveram a realidade da epidemia nos anos 1980 e têm a impressão de que não há problema adquirir o vírus. Alguns não sabem que os medicamentos possuem efeitos colaterais ou que terão de ser tomados por toda a vida.
Apesar do uso de preservativos na primeira relação ter crescido entre os jovens (dados do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba) - em 1986 apenas 8% afirmaram ter usado, contra 47,8% em 1998 e 65,8% em 2005 - a taxa de detecção também aumentou 85% nos últimos 10 anos. Outro fator preocupante é que entre os adolescentes de 15 a 19 anos encontra-se a menor taxa de adesão ao tratamento: somente 29,2% tomam o antirretroviral.

Sara* tem 24 anos, convive com o vírus há quatro e mesmo não tendo sua vida afetada pelo HIV interrompeu o tratamento com o antirretroviral diversas vezes porque encontrava dificuldades em carregá-lo no dia a dia e ter que explicar para as pessoas o que estava tomando: “Os efeitos são horríveis, quando tem que trocar, pior ainda, mas eu me sinto mais segura com os remédios”.
Em consequência do preconceito, a jovem ainda não consegue se aceitar como uma pessoa soropositiva. "O preconceito, a ignorância, é difícil de aceitar porque sempre me cuidei”. Sara descobriu a infecção quando estava grávida e não houve transmissão vertical para o bebê. Contraiu o vírus através de seu ex marido, que estava numa relação adúltera. “Até hoje não consigo me sentir confortável com a situação. Não consigo aceitar”.

Da mesma maneira que Sara, Denis Henrique de 25 anos também encontra dificuldades em aceitar o vírus HIV em seu corpo. “Por conta do preconceito é tão difícil ter esse vírus, essa doença, o desprezo, dói muito, você ver as pessoas com nojo de você, de te tocar, é dolorido demais…”. Ainda que seja dura a aceitação, Denis tem a carga viral indetectável - não transmite o vírus - e possui o apoio e a compreensão total da família, em especial após sofrer com uma quebra de sigilo médico e boa parte de sua cidade descobrir que o jovem foi diagnosticado como soropositivo.

“Quando você descobre que tem HIV muitas coisas mudam, mesmo que você se esforce bastante para que tudo seja como era antes”

Pedro*, um jovem de 24 anos convive com o vírus desde os 21 e de maneira oposta a maioria dos jovens, relata que o vírus trouxe mais coisas boas do que coisas ruins para sua vida. “Hoje me alimento de uma forma mais saudável porque me preocupo mais com a minha saúde do que antes do diagnóstico”. Além da preocupação com a saúde, Pedro* está em um relacionamento sorodiscordante (um soropositivo e um soronegativo) e por isso toma um cuidado redobrado quanto ao uso dos medicamentos e à realização de exames para checar se a carga viral continua indetectável. O objetivo é garantir que o risco de seu parceiro ser infectado continue zero. “Quando você descobre que tem HIV muitas coisas mudam, mesmo que você se esforce bastante para que tudo seja como era antes. Eu tenho mais uma preocupação na minha vida que é conviver e aprender a controlar o vírus e tornar isso um hábito diário pra mim”.

O tratamento antirretroviral, PrEP e PEP
Os medicamentos antirretrovirais não matam o HIV - vírus que causa a AIDS -, mas ajudam a evitar que o sistema imunológico enfraqueça. O uso é fundamental para a qualidade e aumento de tempo de vida de quem é soropositivo. Segundo o portal do Grupo de Incentivo à Vida, para combater o HIV é necessário utilizar pelo menos três antirretrovirais combinados, sendo dois medicamentos de classes diferentes, que poderão ser combinados em um só comprimido. O tratamento é complexo e necessita de acompanhamento médico para avaliar as adaptações do organismo e seus efeitos colaterais.

PrEP significa Profilaxia Pré-Exposição e tem como objetivo prevenir a infecção do HIV no sistema imunológico, entretanto não previne outras infecções sexualmente transmissíveis. Um único comprimido por dia reúne os medicamentos tenofovir e entricitabina e deve ser tomado sem interrupções durante toda a vida do paciente. Atualmente a PrEP é indicada para grupos com maior vulnerabilidade de infecção pelo HIV, como homens que fazem sexo com homens, trabalhadores do sexo, travestis, transexuais e casais sorodiscordante que não utilizem preservativos.

A Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP) é uma medida de prevenção ao HIV que pode ser tomada 72 horas após qualquer situação em que exista risco de infecção, como, relação sexual desprotegida, acidente ocupacional ou violência sexual. O tratamento dura 28 dias e a pessoa deve ter acompanhamento médico por 90 dias. Na PEP encontram-se medicamentos antirretrovirais que agem evitando a sobrevivência e a multiplicação do HIV no organismo. Segundo o portal do Ministério da Saúde, deve ser iniciada o mais rápido possível, preferencialmente nas 2 primeiras horas após a exposição ao vírus e no máximo em até 72 horas. 

O tratamento antirretroviral, assim como ambas medidas de prevenção, PrEP e PEP são oferecidos gratuitamente pelo SUS.

Para saber mais

Depois Daquela Viagem - Editora Ática, 2001
O livro de Valéria Polizzi conta a história da escritora que contraiu HIV aos 16 anos de idade quando perdeu a virgindade com seu primeiro namorado. Dez anos depois, Polizzi resolveu contar de forma descontraída como sua vida mudou e todas as barreiras que precisou superar. Saiba mais.

Como Sobreviver a uma Praga, 2012
O documentário aborda o começo da epidemia dos anos 80 nos Estados Unidos e o movimento social formado pelos grupos ACT UP e TAG em busca de direitos à saúde e tratamentos contra à AIDS. Como Sobreviver a uma Praga foi indicado como melhor documentário ao Oscar de 2013. Assista ao trailer aqui.

Clube de Compras Dallas, 2013
O filme conta a história de Ron Woodroof, um homem que foi diagnosticado com AIDS nos anos 1980, o auge da epidemia, e passa a contrabandear medicamentos alternativos que não eram aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para o Texas para uso próprio e de outros pacientes. Clube de Compras Dallas rendeu um Oscar de melhor ator para Matthew McConaughey e o de melhor ator coadjuvante para Jared Leto em 2014. Assista ao trailer aqui.

The Normal Heart, 2014
O filme para TV da HBO é basicamente uma versão fictícia de "Como Sobreviver a uma Praga", já que relata a história do começo da epidemia de AIDS e os grupos de movimento social. O elenco é formado por grandes nomes como Julia Roberts, Mark Ruffalo e Jim Parsons. The Normal Heart foi o campeão de indicações (9) ao Emmy Awards de 2014, levando o prêmio de melhor filme para TV. Assista ao trailer aqui.

Super Indetectável e Projeto Boa Sorte
Os canais do Youtube Super Indetectável e Projeto Boa Sorte reúnem diversos vídeos para ajudar, informar e prevenir quem é soropositivo ou soronegativo. De acordo com um dos canais, “acreditamos que levar informação é a melhor maneira de combater os mitos e qualquer tipo de discriminação.”

*Nomes alterados para respeitar a identidade dos entrevistados.

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