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A vivência LGBT dentro e fora da universidade

Com manual voltado para a comunidade, estudante promove material de amparo para quem está ingressando
Brenda França 

Foto: Divulgação 















Quando se trata do direito à educação, a população LGBT enfrenta desafios resultantes de uma homofobia que possui raízes já no ensino escolar. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, divulgada em 2016, 27% dos entrevistados afirmaram ter sofrido agressão na escola e 73% foram xingados por causa da orientação sexual. Por isso, ao ingressar no ensino superior, o jovem, muitas vezes, possui uma necessidade de familiarização e principalmente de acolhimento no ambiente universitário. O Guia para calouros e calouras LGBTI da UFF nasceu justamente para promover um amparo para essa população ingressante que, na maioria dos casos, possui um histórico de violência.
Escrito pelo estudante de Direito da Universidade Federal Fluminense, Bruno Ferreira, de 23 anos, o Guia foi idealizado depois dele perceber esses contrastes que existem entre o dentro da universidade e o fora dela, mas, para o ele, ambos contextos se encontram. “Uma das coisas que me levou a fazer o guia foi tentar tirar essa ilusão de que a faculdade é um espaço seguro, desmistificando isso, mas ao mesmo tempo mostrando que se ela é mais segura que a rua, é porque a gente construiu muita coisa até agora. Então a gente tem que torná-la segura para gente se fortalecer e ir lá para fora.”.
Assim, o manual reúne toda informação necessária para a vivência dentro e fora da universidade, com indicações desde grupos de apoio, coletivos até cuidados com saúde mental e sexual.  Após mais de 1.600 leituras no post original, o guia conseguiu o apoio do Grupo Diversidade Niterói (GDN) e do Grupo Transdiversidade Niterói (GTN) para uma versão ebook de todo o conteúdo. O sucesso inicial do projeto se deu ao grupo da UFF no facebook, e de boca a boca o guia ganhou mais visualização e, por fim, as parcerias. A maior meta de Bruno no momento, entretanto, é o apoio por parte da universidade para a impressão e distribuição do material entre os calouros, para que assim atinja um número maior de pessoas.
Além do Guia, Bruno faz parte do coletivo de Direito de maior referência sobre o tema LGBT da UFF, o Lamparinas. Em referência ao primeiro jornal LGBT do Brasil, Lampião da Esquina, de 1978, o estudante ressalta como os coletivos também são uma ferramenta de acolhimento e preservação dessa comunidade. “O curso de Direito em si é muito excludente e muito conservador. Isso tem melhorado nos últimos anos, mas você entra e é todo mundo igual. A gente sabia que existia pessoas LGBT, mas não estavam organizados enquanto uma coletividade. A gente estava lá só existindo. Mas no momento que a gente se organiza enquanto um coletivo, a gente passa a reivindicar nossa existência e aí sim o nosso pertencimento naquele espaço”, conta o estudante.
A importância de coletivos dentro da universidade não é puramente social, também é política. É a partir deles que as pautas da comunidade universitária e LGBT vão para gestão pública e agregam na luta dos direitos básicos. Mas com um universo acadêmico aparentemente cada vez mais acolhedor, Bruno acredita que isso tem reflexos na articulação dos coletivos. “Como a gente vive naquela bolha, as pessoas acham que está tudo bem, então as pessoas não sentem mais a necessidade de se articular”, conta Bruno. Para o estudante, as consequências de uma má articulação significam menos acolhimento e mais espaço para microviolações se propagarem.

A visão de quem está dentro
Já do outro lado da cantareira, encontra-se amparo no Instituto de Artes e Comunicação Social, o IACS. O casarão, que dá o nome ao veículo, reúne forte militância da comunidade e abre as portas para debates, mesas e seminários no intuito de conscientizar sobre preconceito e promover mais inclusão. Apesar desse esforço, a teoria  acadêmica ainda é um espaço de pouca diversidade e, para se aliar completamente às causas, é necessário também um posicionamento por parte do corpo docente. Professores que não respeitam a identidade de aluno trans, por exemplo, muitas vezes são determinantes para dificultar ainda mais essa vivência, principalmente na UFF que, desde 2013, reconhece nome social. Foi o caso de Tali Ifé, estudante de produção cultural da UFF e que várias vezes precisou reafirmar sua identidade. “Já larguei oito matérias, eu to aqui há quatro anos e tem algumas do primeiro período que eu ainda não consegui voltar na sala de aula.”, aponta o estudante.
Para contornar essa situação, Tali optou por diálogo, e só assim conseguiu voltar para a faculdade. “Foi eu começar a falar com alguns amigos, que eles começaram a entender esse incômodo e a dividirem comigo. Não é nem o professor que eu quero mudar, eu acho que tem gente que a gente não vai conseguir mudar, mas eu quero que as pessoas que estão em volta, que vão construir a instituição daqui a um tempo, possam ter outra perspectiva.”, esclarece. Vindo do Mato Grosso, Tali conheceu dois âmbitos da universidade. Lido inicialmente como uma mulher lésbica cisgênero, o estudante relata toda a mudança que aconteceu dentro do ambiente acadêmico. “Ser uma pessoa trans na universidade é ser muito sozinho. Nós somos muito poucos, geralmente somos diferentes e geralmente a gente tem um contato distante. É uma invisibilidade de não se importar. E aí a gente tem um processo muito doido pós Pabllo Vittar, pós Força do Querer, enfim, algumas figuras que apareceram, e aí ser trans virou legal. Daí entra o outro lugar, que é lugar do exótico”, desabafa o estudante.
O lugar do exótico é também um tipo de violência porque resulta na despessoalização. O Tali, que antes precisava reafirmar a todo tempo sua identidade, de repente ficou reduzido apenas ao seu gênero. “A universidade passa por um momento que trans é um negócio polêmico e passa para o momento que trans é um negócio legal. Daí eu deixei de ser o Tali. Eu virei só o cara trans.”, conta. Já Eloá Rodrigues, um aluna de Ciências Sociais também da UFF, entrou na universidade a partir do curso pré-vestibular Prepara Nem, projeto voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade social e preconceito de gênero. No Brasil, segundo pesquisa feita pelo Instituto Afroreggae em 2013, cerca de 72% de pessoas trans e travestis não possuem ensino médio completo. Para Eloá, o curso foi um divisor de águas para o seu ingresso na universidade. “Vendo a minha trajetória no Prepara Nem, eu vejo o quão fundamental ele foi na minha vida para eu poder estar aqui hoje, ocupando esse espaço de privilégio, porque há alguns anos atrás, uma mulher trans preta jamais ocuparia esse lugar.”, destaca a jovem.

Da porta para fora
Olhando para o lado de fora da universidade, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. De acordo com a ONG Internacional Transgender Europe (TGEU), que monitora os assassinatos de Travestis e Transexuais pelo mundo, a média é de um assassinato a cada 48h em todo país. Além disso, a expectativa de vida atribuída a uma pessoa trans beira 35 anos, contra uma média de 75,5 anos em relação ao restante da população. Para quem consegue ir contra as estatísticas e ingressar na universidade, como Tali e Eloá, a realidade continua sendo muito difícil. “As poucas pessoas que conseguem estar na graduação, depois da graduação não tem o que fazer, porque mesmo que você seja qualificado, muitas vezes a porta do mercado de trabalho não abre pra você, porque você tem um documento que não corresponde a quem você é.”, relata a estudante. 
Mas a solução parece estar justamente numa visibilidade maior sobre a diversidade e nos debates por volta dela. Para Eloá, discutir LGBTfobia e representatividade dentro da universidade, por exemplo, é papel fundamental de todos, e acolher essa comunidade dentro e fora do ambiente acadêmico é uma responsabilidade política, desde programas de conscientização a iniciativas públicas de inclusão. “Ainda somos poucos, mas mesmo poucos somos diversos, e queremos ser respeitados na nossa diversidade. Daqui pra frente a gente quer mais do que só estar ocupando espaço, mas de fato estar ocupando um lugar e um papel de protagonismo e de tomada de decisão, porque a nossa existência ainda é pautada e pensada por pessoas que não vivem essa realidade.”, conclui estudante.

4 comentários:

  1. Parabéns minha neta!!! vc não me surpreende! Sempre acreditei no seu potencial!! Estou muito orgulhosa de vc e do seu modo de ver a vida do lado de dentro e tb do lado de fora da UFF.

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  2. Parabéns, minha sobrinha neta maneira!...Matéria muito bem feita e , principalmente, pautada no que atual e no que é preciso para fazer alguma mudança na mentalidade de quem acha que há diferenças entre os seres humanos!

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  3. Parabéns,belo trabalho. Não tenho dúvidas quanto a profissão q escolheu seguir . Muito orgulho.

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  4. Filha, nunca tive dúvidas do seu potencial e inteligência. Tenho muito orgulho de ser o seu pai e estar podendo acompanhar esse momento nobre e sensacional da sua vida. Filha, te apoiarei incondicionalmente as suas escolhas, pois sei que serão sempre pautadas no Bem ao próximo. A sua felicidade sempre será a minha. Te amo muito e parabéns pela matéria. Seu pai, Marcos Paulo.

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