"Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas. A lição de casa precisa estar feita: publicação científica, avaliações em dia, estar bem no ranking”, afirmou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, em entrevista ao jornal "Estado de S.Paulo", sem especificar qual o ranking. A declaração foi um dos estopins para a eclosão de diversas manifestações ao redor do país.
No dia 15 de maio, uma semana após a passeata que reuniu cerca de 10 mil pessoas no centro de Niterói, estudantes, professores e outros funcionários da Universidade Federal Fluminense (UFF), além de alunos de escolas públicas e particulares, coordenaram novos atos contra os cortes na educação e a reforma da Previdência, em Niterói e no Rio. Entenda o contexto e saiba como os políticos da situação e oposição reagiram.
Durante o chuvoso e frio 15 de maio, estudantes da UFF se reuniram ao lado do Terminal Rodoviário João Goulart, no centro, a fim de expor nas ruas seus projetos de pesquisa e extensão e aulas públicas das áreas de Medicina, Humanas, Cinema, Artes, entre outras. O evento foi uma tentativa de mostrar à população, que não está habituada à rotina interna da universidade, a diversidade de trabalhos realizados por ela e, portanto, a gravidade do bloqueio das verbas destinadas às pesquisas, obras, luz, água, segurança e outros serviços essenciais para o funcionamento da instituição.
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Foto: Autoria própria |
O ato foi pacífico e atraiu famílias,
inclusive crianças, a participar de jogos e experiências interativas que alinhavam educação e tecnologia e, às 14h, o grupo se reuniu aos servidores
públicos que protestavam próximo dali, na Praça Arariboia, e partiu, de barca,
rumo ao ato unificado, no Rio de Janeiro.
Na candelária, onde cerca de 150 mil pessoas
estiveram presentes, de acordo o Sindicato Estadual dos Profissionais de
Educação (Sepe) do Rio, foi possível ver juntos estudantes da rede particular e
pública, federal e estadual, que exigiam o direito à educação de qualidade:
“O que afeta uma
unidade, vai afetar outras também. todo mundo ali tá numa luta por uma educação
de qualidade... Quando você tem uma passeata, não é porque não afeta
diretamente a sua faculdade que você vai deixa de protestar, por exemplo,
quando [a falta de repasse de verbas e pagamento de salários] aconteceu com a
UERJ, as outras universidades não a abraçaram: a UFF ou a UFRJ... Mas não é por
isso que a gente vai deixar de ser solidário ou porque não está nos afetando
nesse momento. Pode ser uma coisa que virá a acontecer depois, então é pra
evitar uma crise que vai atingir uma proporção maior. Se isso não for remediado
agora, depois você não vai conseguir ter essa solução pro problema”, relatou
Ulysses Santos, aluno de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), que esteve presente.
Repetindo o protesto do dia 15, professores,
técnicos, alunos e a direção da Universidade Federal Fluminense, em parceria
com a prefeitura de Niterói, voltaram a se reunir no espaço entre o terminal
rodoviário da cidade e o Shopping Bay
Market a fim de expor seus projetos de ensino, pesquisa e extensão,
provocando o interesse daqueles que passavam pelo local. O projeto “UFF nas Praças”,
que ocorreu entre os dias 22 e 25 de maio, teve como objetivo mostrar o quanto a universidade
produz em termos de pesquisa e de favorecimento para a sociedade, como destacou
Veronica Romeo, secretária executiva da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas
(Progepe).
Veja também algumas imagens do evento:
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Foto: Autoria própria |
As manifestações que tiveram início no começo de maio foram consequências
de uma complexa e longa relação de atrito entre o governo e as Universidades
Federais, que se intensificou em 2019. Entenda:
O bloqueio
O Ministério da Educação (MEC)
anunciou o corte de verbas de custeio e investimentos de três Universidade
Federais: A Universidade Federal Fluminense (UFF), a Federal da Bahia (UFBA) e
a Universidade de Brasília (UNB). Posteriormente, o MEC afirmou que o bloqueio
de 30% dos recursos destinados ao pagamento de despesas não obrigatórias se estendia
às instituições federais de ensino superior em todo o país, cujo o orçamento total em 2019 é de R$ 49,6 bilhões. Os gastos previstos
estão divididos em três categorias:
- 85,34% (R$ 42,3 bilhões) são despesas de pessoal (pagamento dos salários de professores e servidores, e os benefícios de inativos e pensionistas);
- 13,83% (R$ 6,9 bilhões) são despesas não obrigatórias (denominadas discricionárias);
- 0,83% (R$ 0,4 bilhão) são despesas para cumprimento de emendas parlamentares impositivas.
O contingenciamento de R$ 1,7
bilhão atinge a verba destinada aos gastos do segundo grupo, o que representa
cerca de 25% dos gastos não obrigatórios e 3,4% do orçamento total. As
informações são do Ministério da Educação (MEC) e constam em nota oficial do
dia 08 de maio. “Contingenciamento” é,
em outras palavras, quando o governo não repassa parte do orçamento devido à
previsão de que a receita da federação não será suficiente, portanto, se a
previsão de receita melhorar, o bloqueio ainda pode ser revertido, em teoria.
Réplica
Já em nota
divulgada no dia 30 de abril, a universidade já havia afirmado sua importância:
“A UFF é hoje uma
das maiores, mais diversificadas e pujantes universidades do país, prezando
pela excelência em todas as áreas do conhecimento. A qualidade da UFF é
atestada pela pontuação máxima (5) no conceito institucional de avaliação do
MEC e temos o maior número de alunos matriculados na graduação entre todas as
universidades federais.” Desde 2015, as despesas da instituição vêm crescendo a
cada ano, em paralelo ao orçamento previsto. Os números são do IBGE:
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Gráfico: Autoria própria |
Embora o orçamento da
universidade federal tenha crescido, o contingenciamento das verbas foi uma
medida recorrente neste período de 5 anos. Tal como ocorrido no governo de Jair
Bolsonaro, a reitoria da UFF, em notas divulgadas em 2015 e 2017, criticou os
“importantes contingenciamentos em seu orçamento”, responsáveis pela “situação
financeira e orçamentária que a UFF enfrenta”. Um dos textos também classificou
a conjuntura como “desafiadora”. A tabela a seguir, de 2015, exemplifica como o
repasse de recursos foi limitado no primeiro semestre do ano.
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Tabela: Reprodução | UFF |
Previdência
Outro motivo dos protestos é a reforma da
Previdência, proposta defendida, especialmente pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes. Segundo os manifestantes, a mudança no sistema afetaria principalmente
os mais pobres, enquanto para o governo, ela é essencial para equilibrar as
contas federais.
Em março, a Associação
dos Docentes da UFF (ADUFF SSind) e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação
da Universidade Federal Fluminense (SINTUFF) divulgaram um boletim com as
seguintes palavras: “O presidente Jair Bolsonaro apresentou uma proposta de
Reforma da Previdência ao Congresso Nacional que obriga a maioria da população
brasileira a trabalhar até a morte. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC-06/2019)
reduz os benefícios previdenciários e aumenta os tempos de contribuição e a
idade mínima para a aposentadoria. Haverá ainda a elevação da alíquota de para
14% e a criação de um sistema progressivo de taxação dos salários.”
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Durante audiência na
Comissão de Educação no Senado, no dia 7 de maio, o ministro Abraham Weintraub defendeu que os recursos bloqueados poderão ser liberados
novamente se a reforma da Previdência for aprovada e se a economia do país
melhorar no segundo semestre. E, segundo a Secretaria de Previdência, em 2018,
a despesa com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi de R$
586,3 bilhões, já a arrecadação ficou em R$ 391,2 bilhões, registrando déficit
de R$ 195,2, um aumento de 7% em relação a 2017.
Caso a reforma seja aprovada, a
idade mínima para aposentadoria dos servidores públicos será igualada a dos trabalhadores do setor
privado: 62 para mulheres e 65 para homens. Embora o tempo de contribuição
mínimo proposto seja de 25 anos para ambos os sexos, sendo necessário 10 anos
no serviço público, e 5 no cargo.
Tréplica
Após os atos, Marcelo Freixo,
deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, declarou em seu perfil pessoal no
Twitter: “Cortes na Educação, ataques à ciência e ao conhecimento, liberação
geral de armas, excludente de ilicitude, destruição da Previdência Social,
devastação ambiental. Estamos diante do embate entre democracia e barbárie”.
“Não somos responsáveis pelo
contingenciamento atual” disse Weintraub, por sua vez, em sessão no plenário da Câmara dos
Deputados, na mesma quarta-feira (15) dos atos nacionais. O ministro culpou o
governo anterior: "O orçamento
atual foi feito pelo governo eleito Dilma Rousseff e Michel Temer, que era
vice. Nós não votamos neles. Não somos responsáveis pelo desastre da educação
brasileira. O sonho das pessoas é colocar os filhos na educação privada, não na
pública".
A declaração mais impactante,
porém, foi feita por Jair Bolsonaro.
Segundo o presidente, os manifestantes são “massa de manobra” e “se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não
sabe nada. São uns idiotas úteis”. Bolsonaro estava na porta de um hotel, em
Dallas, nos Estados Unidos, onde recebeu o prêmio de “Personalidade do Ano” da
Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.
Novos protestos
Entidade sindicais e
estudantis convocaram novos atos para 30 de maio. A paralisação em todo o país,
incluindo no Rio de Janeiro, foi decidida em encontro ocorrido no dia 17 de
abril, em Brasília, no qual representantes dos grupos estiveram presentes.
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