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Efeito Bolsonaro: relação entre voto e números da pandemia

Estudo franco-brasileiro compara o eleitorado bolsonarista nos municípios com o aumento nos casos de COVID-19 

Por Leonardo Campos, Marcel Albuquerque e Mariana Figueiredo


A crise política na pandemia
Fonte: Carolina Antunes | Agência Brasil

 

Estudo feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento (IRD), evidencia correlação entre a quantidade de eleitores que votaram em Bolsonaro no 1º turno na corrida presidencial de 2018 e o impacto na crise sanitária do novo coronavírus. A investigação científica feita em 5.570 municípios do Brasil demonstrou que, em média, a cada 10% de votos a mais em Bolsonaro, o número de contaminados aumenta em 11% e 12% nos índices de morte em decorrência da doença. Tal fenômeno foi alcunhado pelos pesquisadores em questão como Efeito Bolsonaro.




O infográfico acima ilustra dados gerais do país. A cidade do Rio de Janeiro, na última eleição presidencial, depositou 58% dos seus votos em Bolsonaro, enquanto Salvador teve um percentual bem abaixo, com 28%. Números estes do 1º turno, quando havia diversos candidatos e o argumento do voto útil não estava em questão, apontando mais claramente uma preferência ideológica do que escolha pragmática, como pode ocorrer no 2º turno. Como indica a pesquisa da UFRJ, há uma proporção entre votantes do líder reacionário e números epidemiológicos nas cidades. Na capital soteropolitana, o quantitativo geral de mortos pelo vírus supera a marca de 8 mil, mas a cidade carioca possui dados ainda mais devastadores, acima de 23 mil. O que não se justifica pela quantidade de habitantes de cada local, uma vez que a primeira cidade tem 42% da população total da segunda e menos de 29% da taxa de contaminados quando confrontada ao município do sudeste. Há, portanto, outros determinantes. E o negacionismo bolsonarista está evidenciado como um deles.

Embora o primeiro caso de COVID-19 tenha chegado em 26 de Fevereiro no Brasil, foi em 16 de Março de 2020 que o país iniciou práticas de isolamento social sugeridas pelo poder público, a partir de critérios regulamentados pelo Ministério da Saúde três dias antes. Entretanto, no período até então de dez meses desde a chegada da síndrome respiratória, o presidente Jair Bolsonaro fez questão de dar diversas declarações que ora minimizavam a magnitude da pandemia, ora recomendavam medicamentos em divergência com a Organização Mundial da Saúde (OMS), inflamando seus devotos correligionários para teorias conspiratórias.

Ratificando os desdobramentos do bolsonarismo no controle da disseminação do vírus, outra pesquisa, intitulada Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de Covid-19, e promovida por um pool entre a Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), Universidade Estadual de São Paulo (USP) e Fundação Getúlio Vargas (FGV), indica que em praticamente todas as circunstâncias em que Bolsonaro diminuiu os prejuízos do vírus à saúde ou ironizou as práticas protocolares de precaução, a taxa de isolamento caiu e de contaminações cresceu.

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Além das falas, em inúmeras ocasiões, o presidente fez aparições sem máscara e suscitou aglomerações. Dessa forma, Bolsonaro foi um obstáculo direto do controle epidemiológico, não apenas no que se refere às políticas públicas omissas, mas também acerca de práticas sociais negligentes. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Ivan Filipe Fernandes, coordenador do estudo, afirmou que um dos desdobramentos das ações do presidente foi a menor adesão dos seus apoiadores aos protocolos de saúde. “Não conseguimos estimar quantas pessoas morreram a mais por conta das falas do presidente, mas certamente teríamos menos óbitos se ele tivesse agido de forma diferente”, disse ao jornal. 


O teste positivo para covid-19 de Bolsonaro na imprensa europeia | Notícias  e análises sobre os fatos mais relevantes do Brasil | DW | 08.07.2020
Aceno de Bolsonaro aos seus seguidores e ao negacionismo. Fonte contida na imagem.


Segundo o sociólogo Eric Monné, uma questão imperiosa é a compreensão de que o bolsonarismo não deve ser lido apenas como o conjunto de práticas governamentais da atual gestão federal, e sim sob uma chave de análise mais panorâmica e concernente a uma mentalidade sociopolítica internacional. O contexto brasileiro dialoga e retroalimenta-se com um cenário global de crise da razão. “Essa crise é uma crise da confiança nas instituições responsáveis por produzir e divulgar conhecimento, tais como universidades e agências de pesquisa cada vez mais afastadas do restante do corpo social, os órgãos estatais e sua contínua falta de transparência, uma imprensa comprometida não com a verdade, mas com interesses políticos de oligopólios”, ressalta o estudioso.

Para além da desconfiança perante às instituições, Monné apresenta três vetores centrais para a crise da razão e seu correlato, o negacionismo: a especialização do conhecimento científico, a escolarização dissociada do desenvolvimento de raciocínio crítico e autônomo do discente e a infodemia, onde o volume de informações paradoxalmente apresenta severas dificuldades para ser bem informado, uma vez que a capacidade de averiguação das fontes é inversamente proporcional à oferta. Tal configuração teria criado solo fértil para teorias da conspiração. Enfatiza, ainda, que há agentes politicamente interessados nela. “A extrema-direita tem encontrado aqui uma via eficaz para ocupar o debate público e retornar ao núcleo dos espaços de tomada de decisão política”, infere.

Ainda que o Efeito Bolsonaro esteja suficientemente demonstrado, é necessário, como dizia o poeta Hemingway, cerrar os olhos para ver melhor. Bolsonaro explica algo, muito, mas não tudo. O cientista político Eric Nogueira pondera que estudos empíricos demonstram que o tema da Saúde é central no Brasil desde os anos 90, especialmente após a implementação e consolidação do SUS. Assim, as gestões das prefeituras frente a essa pauta desde então são decisivas para as eleições, e com a administração da crise sanitária do SARS-COVID não foi diferente. “A quantidade de municípios no Brasil é enorme, e é equivocado tentar interpretar os conflitos locais como uma tradução das questões federais. Cada cidade é um universo”, advoga. Mesmo municípios que votaram massivamente em Bolsonaro em 2018, dependendo da gestão da prefeitura, conseguiram desenvolver importantes políticas públicas e conter relativamente o rápido progresso do vírus. Um exemplo contundente é Niterói, que dedicou 53,4% no 1º turno de 2018, mas ganhou prêmios internacionais e anunciou no último dia 11 a compra de 1,1 milhões de vacinas Coronavac. Essas medidas foram desempenhadas pela gestão de Rodrigo Neves, do PDT, quem conseguiu eleger também o novo prefeito, Axel Grael. Tal cenário corrobora a tese de Nogueira: as preferências políticas locais não necessariamente são coerentes com as pertinentes à esfera federal, e os dados do COVID-19 não podem desprezar o papel das prefeituras.

De forma ambivalente, mesmo que Bolsonaro ocupe um cargo de autoridade contestado por crises, como a da razão e da representatividade, o maior líder da extrema-direita brasileira consegue despertar enorme comoção no comportamento sociopolítico de seus seguidores. Nogueira pontua que o direcionamento de mensagens radicais reafirma um modo operacional de Jair Bolsonaro se comunicar com seus correligionários, por meio de uma comunicação de nicho que deslegitima os veículos tradicionais e diversas instituições, inclusive da área médica. “A configuração como está colocada reafirma a cultura política personalista no Brasil. Ao radicalizar, com discursos como o favorável à cloroquina e afins, ele mantém um eleitorado fiel, que permanece vendo-o como o outsider que desafia o poder estabelecido”, sustenta.

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