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Novas formas do Coronavírus podem dificultar o combate a doença?

Apesar da ameaça, pesquisadores apontam que, por enquanto, não há evidências de que novas formas do vírus sejam mais letais.

Por Carlos André de Oliveira Esberard

Vírus possuem uma grande diversidade genética. Isso é algo comum entre criaturas microscópicas e essa diversidade contribui para sua evolução e torna mais difícil para o corpo humano e a medicina combatê-lo. Por isso, o aparecimento de novas formas do coronavírus pode renovar a ameaça da doença para a população. Entretanto, a maior parte dos estudos de pesquisadores e cientistas que conduzem as análises sobre a doença ao redor do mundo não apontam sinais concretos de que novas formas do corona mais perigosas estejam se espalhando pelo planeta, portanto, essa ainda é uma possibilidade remota. Apesar de casos de novas versões do vírus terem aparecido em algumas partes do mundo, ainda não há motivo para pânico, já que esse, por enquanto, é apenas o quadro normal de evolução da doença, como especifica o portal científico internacional do Instituto de Saúde Global de Barcelona. 



 O corpo humano possui mecanismos para se defender de parasitas como vírus e bactérias, o chamado sistema imunológico. Ele detecta e elimina invasores naturalmente. Uma vez eliminada a ameaça, o sistema imune retém as defesas contra o invasor, evitando que o corpo fique doente uma segunda vez por causa do mesmo parasita. Mas como a sobrevivência dos vírus está ligada a sua capacidade de contornar essas defesas, ele permanece evoluindo.  Ao que indicam as evidencias, a imunidade adquirida após a infecção por Coronavírus dura algo em torno de seis meses. Segundo um artigo desenvolvido por 19 pesquisadores do Instituto La Jolla de Imunologia (LJI) na Califórnia e do Departamento de Microbiologia na Escola de Medicina Icahn em Nova York, que investigam a memória imunológica do coronavírus, esse parece ser mais ou menos o tempo que o organismo das pessoas se mantem seguro contra o vírus.

O risco de pegar a doença pela segunda vez

Normalmente só se pega uma doença uma única vez na vida, mas essa regra tem exceção. Parasitas que evoluem muito rápido podem conseguir driblar o sistema imunológico da vitima e atacá-la mais de uma vez. E existe, claro, o medo de que o Coronavírus consiga fazer isso. Um estudo publicado em novembro de 2020 na revista científica BioRxiv, conduzido por oito pesquisadores da University College London, no Reino Unido, aponta que ainda é cedo para confirmar, mas há sinais de que isso esteja acontecendo. Em um estudo com animais, foram encontradas evidências de mutações no vírus após ele infectar visons (animal parente das doninhas) que eram criados em fazendas. De acordo com os pesquisadores, se essas mutações tornarem o vírus mais eficiente na invasão ao corpo humano, isso pode significar que o vírus está se adaptando e ficando mais perigoso. 

Felizmente, os estudos indicam que ainda não há evidências de que os vírus com essas mutações tenham ficado mais perigosos ainda, como aponta a pesquisadora Lucy van Dorp, uma das autoras do artigo científico. Novos tipos do vírus podem significar que mesmo pessoas que já passaram pela doença podem pegá-la uma segunda vez. Vírus estão entre as criaturas que evoluem mais rápido na natureza, logo sua capacidade de se adaptar às adversidades pode sobrepujar a nossa de criar tecnologias para detê-los, por isso, sua diversidade e evolução precisam ser cuidadosamente entendidas para que seja possível deter as mortes causada por eles.


Isso levanta, portanto, a questão sobre o risco de reinfecção pelo Coronavírus. Passado o período inicial de imunidade de seis meses, a pessoa pode ficar vulnerável a uma nova infecção, que pode ser até mais séria do que a anterior. Segundo registros realizados pelo portal científico Dailyrounds, quatro profissionais foram reinfectados pela COVID na Índia cerca de cinco meses após contraírem pela primeira vez a doença, e a segunda infecção pareceu ser bem mais grave do que a primeira. No mundo todo, foram confirmados cerca de 25 casos de reinfecção, um número muito baixo para as milhões de pessoas que foram infectadas uma única vez, conforme relato do jornalista Kishan Shob no portal. Ou seja, pelo menos por enquanto, o risco de reinfecção parece uma possibilidade remota e pouco preocupante. Mas ainda não se pode relaxar quanto ao risco de evolução do parasita.

Como a reprodução do vírus é assexuada, dentro de uma mesma espécie de vírus podem existir várias linhagens bem diferentes umas das outras. Isso é o que os cientistas chamam de cepas. Um desafio que a ciência tem é encontrar uma vacina que possa ser usada contra todas as cepas possíveis dentro de um único tipo de vírus. No entanto, essa é uma tarefa difícil, especialmente contra vírus que evoluem muito rápido e tem varias linhagens diferentes. De acordo com os mais recentes estudos publicados nas áreas de Microbiologia, uma opção é procurar um pedaço do DNA que esteja em todos os exemplares do vírus, sendo portanto excelente para reconhecer o invasor e servir de sinal para o organismo reconhece-lo e ataca-lo. Isso garante que não importa qual tipo de vírus ataque a pessoa, o corpo pode identifica-lo e evitar a doença. 

Uma pesquisa publicada na revista científica Oxford Academic, realizada em julho de 2020, sugeriu que um pedaço presente no DNA do Coronavírus, fragmento esse que outros vírus próximos não possuem, pode ser usado como base para a vacina, fornecendo o mecanismo para que o corpo "saiba" quando um vírus está atacando-o e assim evitando que a pessoa contrai a doença.


A evolução do vírus

Com o avanço da Ciência ao longo dos séculos, já é possível saber que criaturas como vírus e bactérias evoluem muito rápido. No caso do vírus da AIDS, por exemplo, quase todo novo exemplar do vírus é levemente diferente do seu progenitor, logo o vírus evolui mais rápido do que conseguimos criar modos de combate-lo, e esse é o motivo por que ainda não temos uma cura ou vacina para o HIV. Alguns tipos de vírus mudam tão rápido que em pouco tempo as defesas do sistema imune ficam obsoletas e a pessoa, caso reinfectada, pode ficar doente de novo. Esse é o motivo pelo qual pegamos gripe várias vezes na vida. Um artigo publicado pela revista científica Oxford Academic em julho de 2020, referente a um estudo realizado em 2016 no Quênia encontrou 29 tipos diferentes do vírus da influenza B, o que mostra o potencial de diversidade que um vírus pode chegar a ter. 

No caso do Coronavírus, uma vez no corpo de um paciente, ele pode evoluir e se tornar um novo tipo de perigo. Isso aconteceu com um homem, nos Estados Unidos, que apresentou inicialmente o quadro normal da doença, mas depois de aparentemente se recuperar voltou a adoecer algumas vezes e finalmente acabou morrendo, como mostra a reportagem no portal de notícias britânico The New England Journal of Medicine. O homem em questão não pegou a doença mais de uma vez, o vírus continuou no seu corpo mesmo depois de curado e se adaptou, o que levou a doença a voltar a se manifestar.

Coronavírus não é novidade

De acordo com um estudo conduzido por mais de 30 pesquisadores da Universidade da Pennsylvania, nos Estados Unidos, o Coronavírus não é uma doença completamente nova na humanidade. Existem outras espécies de vírus parecidos ao corona que  já parasitavam a raça humana antes da pandemia, e havia a suspeita por  parte de alguns cientistas de que pessoas previamente expostas a essas doenças similares poderiam desenvolver algum tipo de imunidade ao SAR-COVID-19 (o vírus atual). Entretanto, a evidência atual mostra que isso não é verdade, visto que pessoas que tinham  imunidade a esses vírus antigos ainda assim contraíram a doença atual. Ainda de acordo com os pesquisadores, um caso que parece indicar que a resposta imune dos ex-pacientes da variedade atual do Coronavírus está funcionando relativamente bem foi o caso de um homem reinfectado em Hong Kong. Apesar de contrair a doença uma segunda vez ser um mal sinal, o paciente não apresentava sintomas como antes, indicando que o sistema imune já “aprendeu” como se defender melhor da doença, como esclareceu Kai Kupferschmidt jornalista do ramo cientifico e escritor da Science Magazine. Entretanto, outro caso aconteceu em Nevada nos Estados Unidos e desta vez o paciente exibiu claro sinais da doença.

Nos dois casos citados, o DNA do vírus era diferente, o que parece indicar que poderiam ser um novo tipo do vírus evoluindo. Entretanto alguns especialistas acreditam que o caso do homem em Nevada que teve sintomas piores do que da primeira vez foi por causa de uma falha do próprio sistema imune do paciente, que teve uma resposta ruim à doença, em vez de ser uma versão piorada do vírus. Existem casos de novas linhagens do vírus que apareceram na Europa e na Ásia, mas ainda são pouco compreendidos.

De acordo com um estudo publicado na revista científica medRxiv em novembro de 2020, acredita-se que uma nova variação tenha surgido na Espanha e se espalhou devido à grande quantidade de viagens internacionais entre os países membros da União Europeia. Apesar  de especialistas considerarem a situação preocupante num primeiro momento, há motivos que podem tranquilizar quanto ao risco. A propagação do novo vírus pelo continente pode estar ligada a fatores sazonais, como a viagens frequentes que ocorrem durante o verão europeu, que podem ser o responsável por levar a novo tipo de vírus numa frequência mais alta. Ainda assim, o novo vírus está restrito apenas ao território do continente europeu e portanto não há motivo para pânico quanto ao Brasil, como destacou a equipe liderada pela pesquisadora suíça Emma B. Hodcroft, no artigo científico.

Uma outra variação do vírus também foi identificada em Cingapura em um estudo feito com 278 pacientes e publicado pelo portal de notícias e periódico científico The Lancet. Para os pesquisadores, essa nova variação detectada apresenta sinais de ser até menos perigosa do que a versão original do vírus. O surgimento de novas linhagens do vírus não é por si só motivo de alarde, esse é o processo natural da evolução de um parasita, o risco que uma nova linhagem pode representar a  população é apenas se uma nova variação com alta taxa de reincidência (segundo contágio) e que seja imune às vacinas em desenvolvimento acabe se desenvolvendo, o que por enquanto é uma possibilidade distantes.

Combatendo a doença

De acordo com um uma matéria publicada em outubro de 2020 pelo portal científico Nature, é possível perceber um risco na maneira como alguns governos lidam com a pandemia. Isso tudo aponta para o perigo de simplesmente esperar que a população adquira imunidade coletiva, como alguns esperam, pois geralmente a imunidade coletiva vem quando a maior parte da população se tornou imune a doença. Isso provavelmente virá quando a vacina estiver disponível, ainda assim é perigoso esperar que a chamada imunidade de rebanho - quando a maior parte da população ficou imune à doença - ocorra apenas com a imunidade natural da população, conforme apontou a jornalista e escritora cientifica Christie Aschwanden em seu artigo na revista sobre "A falsa imunidade coletiva para a covid-19".

De acordo com um artigo publicado na revista científica JAMA, conduzido pelo pesquisador sul-coreano Seungjae Lee, a abertura de escolas agora pode ser extremamente perigosa, pois foi indicado que crianças no começo da doença estão entre os maiores transmissores, mesmo quando apresentam apenas sintomas bem leves. De fato, indivíduos que não apresentem sintomas podem ser tão perigosos para a transmissão da doença quanto os que apresentam sintomas, apontou Seungjae Lee. Dessa forma, mesmo em locais em que os índices da doença não estão tão altos pode estar acontecendo a propagação, colocando centenas de vidas em risco. É preciso manter o cuidado com a doença, e a ideia de simplesmente esperar que o Coronavírus tenha se espalhado e as pessoas fiquem resistentes a ele naturalmente é perigosa e não é garantia de que a população vai conseguir ficar segura da doença no longo prazo.

Fontes:

COVID research updates: Immune responses to coronavirus persist beyond 6 months : https://www.nature.com/articles/d41586-020-00502-w

https://www.isglobal.org/en/archivo-novedades-cientificas-covid19?inheritRedirect=true

Should We Be Concerned About SARS-CoV-2 Reinfections?: https://www.isglobal.org/en/-/-debe-preocuparnos-la-posibilidad-de-reinfecciones-de-sars-cov-2-?

Emergence and spread of a SARS-CoV-2 variant through Europe in the summer of 2020: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.25.20219063v1

Detection of new SARS-CoV-2 variants related to mink : https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/documents/RRA-SARS-CoV-2-in-mink-12-nov-2020.pdf

Recurrent mutations in SARS-CoV-2 genomes isolated from mink point to rapid host-adaptation: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.11.16.384743v1

Persistence and Evolution of SARS-CoV-2 in an Immunocompromised Host https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMc2031364

Immunological memory to SARS-CoV-2 assessed for greater than six months after infection: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.11.15.383323v1

Seasonal human coronavirus antibodies are boosted upon SARS-CoV-2 infection but not associated with protection: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.11.06.20227215v1

Should We Worry About COVID-19 Reinfection? Here’s What We Know So Far
https://www.dailyrounds.org/blog/should-we-worry-about-covid-19-reinfection/

Reinfecções por coronavírus: três perguntas que os cientistas estão fazendo: https://www.nature.com/articles/d41586-020-02506-y

The false promise of herd immunity for COVID-19: https://www.nature.com/articles/d41586-020-02948-4

Should We Worry About COVID-19 Reinfection? Here’s What We Know So Far : https://www.dailyrounds.org/blog/should-we-worry-about-covid-19-reinfection/

A Single-Dose Intranasal ChAd Vaccine Protects Upper and Lower Respiratory Tracts against SARSCoV-2: https://www.cell.com/cell/pdf/S0092-8674(20)31068-0.pdf

Pediatric Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2): Clinical Presentation, Infectivity, and Immune Responses: https://www.jpeds.com/article/S0022-3476(20)31023-4/fulltext

Clinical Course and Molecular Viral Shedding Among Asymptomatic and Symptomatic Patients With SARS-CoV-2 Infection in a Community Treatment Center in the Republic of Korea: https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2769235

Effects of a major deletion in the SARS-CoV-2 genome on the severity of infection and the inflammatory response: an observational cohort study

https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931757-8

Some people can get the pandemic virus twice, a study suggests. That is no reason to panic

https://www.sciencemag.org/news/2020/08/some-people-can-get-pandemic-virus-twice-study-suggests-no-reason-panic

Intra-genome variability in the dinucleotide composition of SARS-CoV-2

https://academic.oup.com/ve/article/6/2/veaa057/5892267?searchresult=1

Epidemiological and evolutionary dynamics of influenza B virus in coastal Kenya as revealed by genomic analysis of strains sampled over a single season

https://academic.oup.com/ve/article/6/2/veaa045/5855143?searchresult=1











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