Por Júlia Martins e Luiza Soares
Obra “Carolina Maria de Jesus” feita por Cecile Mendonça (Foto: Reprodução/ Instagram @picortes_)
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Em meio a pandemia do novo coronavírus, o distanciamento social tornou-se parte da nova realidade de milhares de brasileiros. De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 80% da população do país desenvolveu ou apresenta sintomas intensificados de ansiedade, depressão e estresse durante esse período. Em 2017, segundo os dados da OMS, ansiedade e depressão afetavam apenas 9,3% e 5,8% da população, respectivamente. Neste cenário complicado para a saúde mental, a arte e a cultura se tornaram um refúgio. A produção artística foi abraçada por quem já tinha uma vontade adormecida de criar ou para aqueles que queriam se redescobrir.
“O isolamento social é para poucos” afirma Juliana Quintas, médica psiquiatra. Ela conta que houve um aumento de 25% na procura de consultas médicas psiquiátricas durante o período da pandemia. A psiquiatra compara que ainda que os seres humanos sejam seres gregários, há pessoas com fobia social, que não gostam de se relacionar e que estão lidando bem com o tempo em casa. Por outro lado, o isolamento social para quem gosta do contato e da troca com o outro é bastante sofrido, principalmente depois de 9 meses de pandemia. “As pessoas falam ‘não, isolado não vou mais ficar, vou criar alguma coisa, encontrar alguns amigos, porque daquela forma não dá mais’”.
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E foi esse sentimento de criar que impulsionou a estudante de jornalismo Cecile Mendonça a investir no mundo das colagens digitais. “Sempre fui uma pessoa muito sociável, então o principal impacto do isolamento foi a falta da troca física com as pessoas. Sinto que cada dia eu estou mais ansiosa” conta Cecile. Sua inspiração veio através de outros artistas que divulgavam material para colagens nas redes sociais para começar a produzir e criar a sua própria conta no Instagram (@picortes_). "Chegou a quarentena, não tinha nada pra fazer, e eu resgatei esse sonho antigo. Criei coragem e estava sentindo falta de uma conexão com as pessoas, e já que não posso ter isso fisicamente, vou fazer no virtual”. A artista expandiu sua rede de contatos e foi convidada para exposições, sendo uma delas a “Arte em tempos de pandemia: de mãos dadas com a generosidade” cujas obras foram todas doadas para uma instituição beneficente, em Fortaleza. A artista afirma que a colagem a ajudou a lidar com a ansiedade. “É um dos poucos momentos em que eu faço as coisas com calma, porque tudo a gente tem prazo, e para a colagem não tem, porque é minha arte, não preciso entregar nada pra ninguém, eu faço pra mim e pra outras pessoas.”
Além do fazer artístico ter se intensificado, a produção de arte também assumiu um papel fundamental na saúde mental das pessoas. “A arteterapia é uma prática reconhecida. Estar em contato, fazer e ter momentos sutis em que estamos estimulando áreas cerebrais diferentes tem um ganho muito grande na questão do prazer interno” explica a psiquiatra Juliana Quintas. Ela aponta também a importância da sensação de utilidade e do trabalho. Temos dentro de nós a necessidade de saber qual é a nossa importância, qual é o nosso sentido de estar aqui, pessoas que não têm esse sentido acabam, infelizmente, às vezes optando até mesmo por não estarem vivas, porque não se percebem aqui.”
Luminária e vasos esculpidos em concreto por Silvia Branco
(Foto: Reprodução/Instagram @ideiasconcretas.sb)
Entretanto, encarar a arte como trabalho remunerado no Brasil ainda é difícil. “A arte em si não é valorizada de forma alguma. Já me perguntaram: você só faz arte ou você trabalha também? As pessoas não encaram nunca a arte como um trabalho, é sempre como um hobby, uma distração”, conta Silvia Branco, artesã e escultora. Silvia também é professora de Educação Física, trabalha em três escolas, e com a pandemia, manteve o contato com os alunos por meio de aulas online. O processo todo foi um pouco traumático e desanimador para a artista, que resolveu investir em suas produções e começar a fazer luminárias e vasos de concreto no tempo livre. Incentivada por uma amiga, criou uma conta no Instagram (@ideiasconcretas.sb) para vender as obras. “As pessoas estão comprando, é um fator motivador para eu gastar a minha energia.”
Vasos esculpidos em concreto por Silvia Branco (Foto: Reprodução/Instagram @ideiasconcretas.sb) |
A possibilidade de criar pequenos empreendimentos também sustenta e motiva os artistas independentes. “É uma novidade na minha vida, eu sou professora, esse ano minha carga horária diminuiu bastante por conta da pandemia e tive uma redução de salário e tudo, então para mim (a arte) foi uma oportunidade também de saber que tenho outras maneiras de conseguir sustentar a minha vida”, relata a escultora Silvia Branco. Para a artista plástica e estudante de arquitetura Mariana Andrade, é importante financiar o trabalho de pequenas marcas e artistas autônomos. “Incentivar isso fortalece a autoestima dos artistas. Você comprar e afirmar que aquilo vale algum dinheiro mostra que há um caminho pra pessoa.”
Brinco "Face" feito em arame por Mariana Andrade (Foto: Reprodução/Instagram @dobradinha_) |
Mariana tinha um projeto antigo de divulgar a sua arte e esculpir brincos em arame nos mais inusitados formatos de rosto. Foi na pandemia, porém, que a artista se sentiu motivada a reativar seu perfil no Instagram (@dobradinha_) e vender seus brincos produzidos de forma única. “O cliente recebe uma coisa feita com muito carinho por um pequeno produtor, embalada com muito carinho, é um tratamento pessoal.”
Tanto Mariana quanto Sílvia e Cecile afirmam que pretendem dar continuidade aos trabalhos num cenário futuro. A produção artística permitiu que as artistas se conectassem às pessoas e criassem novos laços durante o período de distanciamento social. “Estou criando uma rede de apoio muito grande, pessoas que até dividiam o mesmo espaço que eu, mas que agora estão se aproximando por causa da minha arte”, diz Cecile Mendonça, dona do perfil de colagens.
A psiquiatra Juliana Quintas ressalta que o isolamento não começou com a pandemia, apesar de ter se agravado por conta dele. “Há alguns anos estamos ouvindo que precisamos nos conectar. Nesse momento da pandemia, as pessoas podem se conectar via redes sociais, de forma a produzir uma troca de aprendizado e estimular o que os outros estão fazendo”. Além disso, Juliana ressalta a importância de uma memória afetiva e positiva durante a pandemia do Covid-19 .“ É como como se fosse um porto seguro, pra você, se torna um momento de prazer.”
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