Navigation Menu

Queda na procura por vacinas preocupa especialistas

País registra há cinco anos diminuição na cobertura vacinal,  tendência que pode prejudicar o combate ao novo coronavírus 

Por Catarina Brener, Felipe Teófilo, Giulia Monteiro

    Criado em 1986, Zé Gotinha é símbolo do Programa Nacional de Imunizações
Reprodução: Governo de São Paulo 

Na década de 1980, o personagem Zé Gotinha foi criado pelo Ministério da Saúde para combater a resistência da população adulta, além do medo das crianças, em relação às vacinas. A popularização do símbolo gerou uma mobilização nacional em favor da importância da vacinação para prevenção de doenças. Hoje, 34 anos depois, o Governo Federal não demonstra incentivo ao programa de imunização e o Brasil, no levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2019, aparece como um dos países que mais regrediu na taxa de vacinação nos últimos cinco anos. 

De acordo com uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet em 2020, o extremismo religioso, os movimentos antivacina, a instabilidade política e as fake news estão afetando na confiabilidade das vacinas em diversas partes do mundo. Os pesquisadores acreditam que a desinformação contribua para as incertezas sobre os programas de imunização e, como consequência, haja uma queda das coberturas vacinais. 

O Brasil, pela primeira vez em 20 anos, não atingiu a meta de vacinação de crianças de até um ano, de acordo com o levantamento de 2019 da Folha de S.Paulo, a partir de dados do Programa Nacional de Imunizações. Essa queda se reflete na volta de doenças já controladas no país, como o sarampo, que registrou um número de casos exponencial. Em maio de 2020, já havia transmissão ativa da doença em 29 estados. 

“O seu reaparecimento é o exemplo da vulnerabilidade para qualquer doença não erradicada, incluindo a rubéola e a poliomielite”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em nota da entidade publicada em 2019. 

Como consequência, o Brasil perdeu o status de país livre do sarampo que havia sido concedido pela Organização Panamericana de Saúde (Opas). A cobertura para tuberculose e a vacina pentavalente, que cobre infecções como difteria, tétano e coqueluche, entre outras, caiu de 94,9%, em 2014, para 69,6%, em 2019. 

     Queda da cobertura vacinal contra pólio e tríplice viral 
     Fonte: Gazeta do Povo 

Para a médica infectologista Évelyn Rubi, as campanhas de vacinação deveriam ser enfáticas no sistema de educação. “Aqui no Rio de Janeiro, na época dos “Brizolões”, a vacinação era feita na escola. Isso era muito importante para atingir as crianças de forma geral. Seria interessante também que elas precisassem estar com seu cartão vacinal em dia para que pudessem estar matriculadas na escola”, defende. 

Com a pandemia do novo coronavírus, esse cenário de desinformação sobre vacinas é ainda mais preocupante. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro acredita que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina e que impor obrigações definitivamente não está nos planos do governo”, segundo postagens nas redes sociais. A corrida pela vacinação é encarada pelas autoridades sanitárias como uma necessidade para frear o contágio da Covid-19. 

O grupo União Pró-Vacina (UP) - organização formada por instituições acadêmicas e de pesquisa, como Universidade de São Paulo (USP) e Centro de Terapia Celular (CTC), aponta que a imunização coletiva é necessária para que seja efetiva. “Não adianta apenas algumas pessoas se vacinarem, porque os patógenos continuam circulando. Muitos indivíduos, como idosos, recém-nascidos, alérgicos a alguns componentes, não podem tomar algumas vacinas e ficam expostos. Todos nós possuímos liberdades individuais, desde que não sejam capazes de ferir o coletivo. Não se vacinar leva a prejuízos na saúde pública e é uma irresponsabilidade social”, reitera Nathália Leite, divulgadora científica do UP. 

A infectologista Évelyn também enfatiza que a vacinação coletiva é fundamental: “Se o vírus permanecer circulando, vai continuar causando vítimas fatais e limitando a circulação de pessoas. Quem toma a vacina não apenas se ajuda, mas ajuda o próximo que não pode tomar. Então temos que nos proteger e proteger o outro”. 

Embora a vacina seja uma questão sanitária, ela entrou em uma disputa política durante a pandemia. Em outubro de 2020, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que o Brasil iria comprar 46 milhões de doses da vacina CoronaVac. No dia seguinte, Bolsonaro anunciou em sua rede social que não compraria a “vacina chinesa”, polarizando o debate. 

Após a morte – depois constatado suicídio – de um voluntário da vacina CoronaVac, o presidente comemorou o fracasso da vacina e disse em sua rede social: "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria quer obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha". 

O cientista-político Humberto Dantas, comentou ao jornal Nexo que o presidente adota o discurso anti-China com pretensão política. “O elemento China é muito importante nesse cenário e para essa parcela do eleitorado dele mais radical. Para quem se sustenta da maneira que o Bolsonaro faz, precisa criar sistematicamente inimigos imaginários, como é o caso do comunismo chinês que pode dominar o mundo”, afirma. 

A insistência do Governo Federal em negar as evidências científicas está presente desde o início da pandemia. O incentivo ao uso da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia registrada, e o descrédito na segunda onda da doença são exemplos recorrentes que acontecem no Brasil. O dano quando uma figura pública relevante para o país desestimula a ciência é retratado nos números da doença no país: o Brasil é segundo país com mais mortes pela Covid-19

Incentivar dúvidas a respeito de vacinas e suscitar questionamentos sobre a capacidade de um país de produzir medicamentos acaba por alimentar o movimento antivacina que, embora não tenha grande relevância no Brasil, cresceu no período pandêmico. De acordo com um estudo realizado pela Faculdade São LeopoldoMandic em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, 4,5% dos pais recusam vacinar suas crianças e 16,5% têm receio ou não consideram importante. 

As redes sociais, como Youtube, Twitter e Facebook, se tornaram aliadas aos grupos antivacina. O vídeo conspiracionista Plandemic, que teve mais de 4 milhões de visualizações em uma semana, mostrava falsos dados e afirmava que a vacina matava milhões de pessoas. O Youtube retirou o vídeo do ar por alegar que não permite vídeos que promovam desinformação. “Desde o início de fevereiro, analisamos e removemos manualmente milhares de vídeos relacionados a afirmações perigosas ou enganosas sobre o vírus", afirma a empresa em nota.  

Como forma de combater essas falsas informações, a União Pró-Vacina diz que, principalmente em postagens relacionadas a vacinação e ao Covid-19, apenas as estratégias de sinalização de notícia falsa não são suficientes. 

“As redes sociais precisam se posicionar de forma mais assertiva e com estratégias mais concretas para barrar a desinformação. Deve haver uma checagem mais assídua das publicações, principalmente das que possuem alguma denúncia de conteúdo falso. Com isso, pode ser feita sinalização mais frequente nas postagens falsas e até mesmo a exclusão desses conteúdos”, aponta Nathália. 

A OMS incluiu o movimento antivacinação como uma das 10 maiores ameaças à saúde pública global. Para combater a desinformação, a Instituição UP conclui: “Quando há disseminação de fake news, os prejuízos na saúde pública são gigantescos. A hesitação em relação à vacinação por conta de informações falsas traz prejuízos na confiança dos indivíduos na ciência e, ainda, danos na própria economia e retomada das atividades cotidianas”.

0 comentários: