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Desertos de notícias se destacam no cenário jornalístico brasileiro

Quase 34 milhões não possuem acesso à informação produzida por veículos locais

Por Bruna Navarro 
 
                                Foto: JotaInfo | Atlas da Notícia

    A 4ª edição do Atlas da Notícia, divulgada em fevereiro de 2021 pelo Observatório da Imprensa, uma iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) que desde 2017 mapeia o jornalismo local em território brasileiro, apontou que 33,7 milhões de brasileiros vivem nos chamados “desertos de notícia”. São moradores dos 3.280 municípios que não têm presença de veículos jornalísticos locais e independentes.  
 
    Entre as muitas consequências que esta realidade pode trazer para uma comunidade está a falta de informação confiável para o debate eleitoral. O jornalista Sérgio Lüdtke de 60 anos, editor do Projeto Comprova, coordenador acadêmico dos cursos da Abraji e do grupo de pesquisadores do Atlas da Notícia, acredita que a população desses desertos ou quase desertos não fica necessariamente sem nenhum tipo de informação. “Onde falta notícia local as pessoas não deixam de se informar. Elas sabem de certa forma o que acontece, mas elas recebem as informações filtradas por interesses, por desconhecimento. Quem coleta e distribui muitas vezes não tem condição de dar algum tipo de contexto”, analisa o pesquisador. 
 
    A estudante Thalita Sartori, de 18 anos, estudante de ensino médio (IFES) e moradora de Alfredo Chaves-ES, cidade considerada quase deserto, com no máximo dois veículos de notícia, conta que sente falta de um jornal local. “Acredito que seria interessante ter um pequeno jornal independente na cidade, principalmente em época de eleição”. Além disso, diz não se sentir suficientemente informada. “Acredito que não haja uma comunicação eficiente sobre alguns acontecimentos da cidade”. No mesmo caminho, o administrador Guilherme Rodrigues, de 21 anos, morador da mesma cidade, gostaria de ter um canal de televisão local, para se informar melhor. “Eu sinto falta de informação da minha própria cidade”, disse.  
  
    Rodrigues diz se utilizar de redes sociais e televisão para se informar, e que para as eleições do próximo ano seguirá o mesmo caminho para saber das propostas dos candidatos. Já Thalita Sartori busca se manter informada a partir de variadas plataformas, como algumas páginas jornalísticas e também a rede social Twitter. 

Fonte: Atlas da Notícia

    Para o coordenador do Atlas, os desertos de notícia não impactam diretamente nos desdobramentos das eleições. “O deserto em si não produz impacto, mas alguém que rompe com o deserto tem uma possibilidade de produzir um impacto enorme para uma população. O fato de alguém estar produzindo informação, pesquisando essas coisas, levando serviço de informação para a população, aí sim tem um impacto impressionante”, acredita.  
    Por outro lado, reconhece  que a falta de fiscalização das plataformas facilita a desinformação. "Se você for olhar, em outubro de 2018 (eleições), havia mais usuários ativos no Facebook do que pessoas que votaram no segundo turno das eleições. Então isso tem um impacto que às vezes a gente não percebe. Não tem ninguém ali fiscalizando o poder público”. 
 
    A jornalista e mestranda Rita Benezath, de 24 anos, também se preocupa com a distribuição do jornalismo no país, e considera que há um potencial impacto desses desertos no desenrolar das eleições. “Com a desinformação nas redes sociais, não ter um veículo jornalístico que mostre o outro lado, que cobre, que fomente debates, prejudica em uma escolha mais assertiva de candidatos ou candidatas”. 
    Rita analisou o comportamento de jovens e adultos de quatro cidades do Espirito Santo, sendo três delas quase desertos de notícia e uma que é totalmente deserto. Observou que o canal de comunicação principal da população era a prefeitura, e percebeu que os conteúdos publicados não eram aprofundados. “No caso da pandemia, as únicas informações que divulgavam eram os números de casos, mortes e recuperados. Sem grandes explicações, sem falar sobre o isolamento social - ‘como assim recuperados?’-”, questiona. 
 
Fonte: Atlas da Notícia

     
    Também em sua pesquisa, Rita identificou através de um grupo focal com público alvo de 18 a 35 anos, que para os jovens a sensação é de que as redes sociais suprem a falta de informação jornalística, já que afirmam visualizar as discussões dos candidatos através delas. Para a mestranda, talvez pelo fato de nunca terem tido um jornalismo profissional mediando ou mesmo dando informações mais aprofundadas sobre os candidatos, influencie na sensação de estar tudo bem e de acharem que conhecem o candidato suficientemente através dessas redes. 
 
    A pesquisadora também problematiza a falta de acesso à internet da população, inclusive aquela que não tem veículos locais por onde se informar. “Não podemos nunca pensar que só porque temos internet, todo mundo tem. Mas vale pensar nela como forma de descentralizar esse poder e de combater os desertos de notícias. Temos também a questão da comunicação comunitária, que pode ser feita por sites alternativos. Uma comunicação feita do povo para o povo”, comentou Rita. 
 
    Sérgio considera que, além de trazer informação confiável, os veículos locais ajudam a formar leitores mais preparados para lidarem com a desinformação. “Havendo jornalismo local sério e reconhecido, as pessoas são um pouco mais alfabetizadas midiaticamente, então talvez possam ter mais definida a diferença entre opinião e informação, o que é notícia, talvez seja um aspecto assim que ajude”. 
 
    Para a pesquisadora Rita, a desinformação toca, também, em aspectos comportamentais. “Essa questão da desinformação mexe muito com o aspecto psicológico e comportamental das pessoas. Mexe com os medos, aflora gatilhos nas pessoas e é assim que ela se mantém. É muito mais fácil entrar em pânico e acreditar naquilo do que pesquisar”, analisa. No entanto, Rita é otimista e acredita na possibilidade de se combater a desinformação, “A comunicação comunitária pode ser uma aliada nisso. É comum, também, encontrarmos páginas que só existem nas redes sociais, que são feitas por jornalistas, mas não têm uma sede, uma estrutura física. Então essa é a parte positiva da internet. A gente hoje discute muito a parte negativa, mas também tem essa parte positiva. Algo muito importante de citar é que, no fim das contas, tudo vai depender da ética de quem está divulgando”.
        Fonte: Atlas da Notícia

     Apesar das problemáticas que algumas iniciativas locais sofrem, para Sérgio é importante que elas existam e sejam incentivadas. “A falta de um caminho pra sustentabilidade talvez seja o que melhor define o jornalismo local. É importante falar porque independência econômica é o que dá independência editorial", afirma Sérgio, que não é pessimista, uma vez que acredita que o avanço digital colabore com o fim gradativo desses desertos de notícias. "A gente tá no período agora em que essas opções, essas alternativas vão surgindo e talvez a partir delas a gente consiga construir um ecossistema diferente do modelo industrial. E parece que o jornalismo mais conectado às comunidades de interesse vai ocupar um espaço que hoje não é ocupado e também ocupar o espaço que já está ocupado por esse outro tipo de jornalismo".
 
    Rita é esperançosa e visualiza que dentro da própria comunidade possam surgir iniciativas que mudem os rumos desses desertos “Quando o morador divulga algo, questiona algo na internet é a comunicação se desenvolvendo, é o debate acontecendo. Eu acredito muito nessa questão dessas formas alternativas. Nós temos hoje esses projetos, como o Comprova, que fazem um trabalho incrível de fact-checking, mesmo que ainda não seja algo que atenda o território brasileiro em geral. Eu acho que a gente tá lutando contra um oceano. Me sinto num pequeno barco no meio de um tsunami de desinformação. É algo que mexe bastante com a gente e desanima, mas é muito importante a gente ter a resistência e prosseguir”, defende Rita. 


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